A COP28, em Dubai, deve estar terminando na manhã desta quarta-feira (13/12), para quando foi marcada a plenária final, ao mesmo tempo que, no Brasil, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) promove um megaleilão que pretende distribuir 602 novas áreas de exploração, incluindo 21 blocos na bacia do rio Amazonas. Mais da metade (12 blocos) está localizada na área de impacto direto de pelo menos 20 terras indígenas e em zonas de amortecimento e ao menos 15 unidades de conservação, incluindo áreas de uso de territórios quilombolas demarcados. Entidades ambientalistas preparam protestos em frente ao hotel no Rio de Janeiro, onde será feito o leilão, e entraram na Justiça para tentar barrar as novas áreas de exploração.
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O Instituto Arayara e o Observatório de Petróleo e Gás entraram com cinco ACPs (ações civis públicas) para tentar barrar o leilão em varas federais em Manaus, Recife, Maceió, Florianópolis e no Distrito Federal, que pedem a retirada de 77 blocos ofertados no certame. Estudo do Arayara aponta que o 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP, apelidado de Leilão do Fim do Mundo, oferece riscos para a Amazônia e também outras regiões do país, com impacto potencial sobre 33 unidades de conservação, como nos principais manguezais da porção sul da APA Costa dos Corais, na costa de Pernambuco e Alagoas, e na região do território de Abrolhos Terra e Mar, entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo.
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Veja o que já enviamosNa Amazônia, os 21 poços se estendem da região central do Amazonas ao Pará. Entre os territórios que podem ser afetados pelos projetos previstos no leilão, estão terras indígenas ocupadas pelos povos Mura, Munduruku, Sateré-Mawé e Kaxuyana. Áreas de proteção ambiental localizadas nas marges dos rios Negro, Madeira e Tapajós, como a Reserva Extrativista Arapiuns, também podem ser impactadas, assim como áreas de uso comum de comunidades quilombolas na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no Pará. “O leilão possui ao menos 77 blocos com violações das diretrizes ambientais da ANP”, afirma Juliano Araújo, presidente do Instituto Arayara. “Um dos nossos pedidos é que o Brasil deixe de explorar áreas onde há necessidade do fracking porque é uma técnica com alto risco. Na Amazônia, essa área se sobrepõe a terras indígenas, o que agrava ainda mais esses riscos”, acrescenta Nicole Oliveira, diretora executiva da organização.
Nesta terça (12/12), ambientalistas já estavam acampados em frente ao Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, para protestar contra o leilão do fim do mundo. O Arayara divulgou manifestações de comunidades ameaçadas pela exploração dos combustíveis fósseis. “A extração de petróleo é uma ameaça direta à nossa subsistência. Nossas florestas, rios e fauna são fundamentais para nossa prática cotidiana de pesca, caça, agricultura e coleta de recursos naturais”, atesta Geovane Valente da Silva de 20 anos, quilombola de área totalmente sobreposta no Ceará o Quilombo Córrego de Ubaranas, localidade próxima à Canoa Quebrada, no litoral do estado. “Tenho 35 anos de pesca e 9 quilômetros de manguezais na APA Costa dos Corais. São 14 municípios preocupados com a venda dos blocos de petróleo. A gente não quer isso pra nós”, testemunha Izabel Cristina, pescadora da APA Costa dos Corais, localizada no estado de Alagoas. Em Maceió, o perigo se agrava com a proximidade de blocos com a área que está afundando devido à exploração da Braskem.
Na semana passada, carta assinada por mais de 150 organizações da sociedade civil foi entregue a representantes do governo brasileiro na Conferência do Clima em Dubai para protestar contra a realização do leilão do fim do mundo. “Eesta atitude do governo gera uma profunda contradição. Por um lado, vemos a liderança florestal do Brasil com a redução do desmatamento e iniciativas de acordos internacionais ambientais, e por outro, o avanço da exploração e a promoção da agenda do petróleo que põe em risco as chances do país de realmente conduzir sua descarbonização e cumprir com os acordos internacionais a qual se submeteu. Esta postura é inadmissível, sendo uma ameaça à vida de todos os brasileiros e brasileiras, particularmente das comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombola e negros, das periferias e favelas, mulheres, juventude e crianças”, afirma o documento.
Para as organizações signatárias, “a expansão do petróleo do Brasil não é somente uma incongruência, mas uma inviabilidade”. E as entidades destacam as ameaças, particularmente, na Amazônia. O anúncio do megaleilão da ANP e a postura do governo brasileiro é ainda mais preocupante quando observamos que a Amazônia, alvo de 21 blocos de petróleo e gás neste megaleilão, está prestes a atingir um ponto de não-retorno. O desmatamento e a degradação florestal, a mineração, a expansão de megaprojetos e rodovias estão levando a floresta a um colapso. É possível, por exemplo, observar que partes da Amazônia já emitem mais CO2 do que absorvem”, afirma a carta.
Ambientalistas cobram mudanças no posicionamento do governo brasileiro. “O Brasil já possui reservas mais que suficientes para atender a demanda nesta fase de transição para fontes renováveis. Temos tudo para promover inovação se pensarmos sob o aspecto socioambiental”, diz Ricardo Junqueira Fujii, especialista em conservação do WWF-Brasil. “No discurso de abertura da COP28, o presidente Lula afirmou que é hora do Brasil liderar pelo exemplo a agenda climática para pavimentar a descarbonização do planeta. A contradição fica evidente quando, um dia após o término do evento da ONU sobre mudanças climáticas, o governo brasileiro realiza o pior leilão de blocos de petróleo da história do país”, critica Enrico Marone, porta-voz da área de oceanos do Greenpeace Brasil.