Água, gestão e boas práticas

Parque Municipal Cachoeira do Salto, em Extrema, Minas Gerais. O programa Produtor de Águas tem dado tão certo na região que a qualidade da água supera as exigências da OMS

Fórum mostra que é possível enfrentar a crise hídrica. Todos têm uma contribuição a dar

Por Marina Grossi | ODS 6 • Publicada em 11 de abril de 2016 - 09:08 • Atualizada em 11 de abril de 2016 - 12:39

Parque Municipal Cachoeira do Salto, em Extrema, Minas Gerais. O programa Produtor de Águas tem dado tão certo na região que a qualidade da água supera as exigências da OMS
Parque Municipal Cachoeira do Salto, em Extrema, Minas Gerais. O programa Produtor de Águas tem dado tão certo na região que a qualidade da água supera as exigências da OMS
Parque Municipal Cachoeira do Salto, em Extrema, Minas Gerais. O programa Produtor de Águas tem dado tão certo na região que a qualidade da água supera as exigências da OMS

Jacarandás, Araucárias, Angico e Acácias em lugar da Braquiária. Grotões recuperados e vegetação exuberante onde antes só existiam pastos rasteiros. Terraços e cacimbas dominando as encostas ao invés da erosão. Em Extrema (MG), essa cena é constante em propriedades que participam de um dos projetos de conservação ambiental mais bem-sucedidos da história recente do nosso país, o Conservador de Água ou Produtor de Águas. Foi assim, com histórias como essa e com exemplos de iniciativas do que pode e deve ser feito na gestão da água que realizamos no final de março, em São Paulo, o Fórum Água 2016, em sintonia com as comemorações do Dia Mundial da Água.

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Em se tratando do combate ao desperdício de água, o melhor exemplo vem de Nova York. Mesmo contando com programas de qualidade de água desde a década de 90, havia grandes perdas por causa das tubulações antigas, com mais de 100 anos de uso. A administração da cidade decidiu investir no reparo e revitalização da sua malha. Atualmente, por ano, são trocados mais de 90 km de canos na cidade com ajuda de sonares que detectam os vazamentos. Com o combate ao desperdício, e com um milhão de habitantes a mais, Nova York consome hoje 30% menos água do que consumia há 25 anos.

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O foco do primeiro painel girou em torno de projetos como a Coalizão Cidades pela Água, da The Nature Conservancy (TNC), que trata da recuperação de mananciais e do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Esse projeto, inclusive, terá um capítulo no Rio de Janeiro – envolvendo a Bacia do Rio Guandu, que ajuda a abastecer boa parte da cidade – e é fruto de uma parceria entre o CEBDS, seus associados e a TNC. No encontro, Antônio Félix Domingues, gerente geral de articulação e comunicação da Agência Nacional de Águas (ANA); Samuel Barreto, gerente nacional de Água, da The Nature Conservancy (TNC); e Simone Veltri, gerente de relações socioambientais da Ambev, ressaltaram a importância da parceria entre empresas – inclusive do trabalho articulado com as concorrentes do setor privado – ONGs e órgãos de governo para viabilizar a recuperação de grandes áreas verdes em nossas bacias.

O projeto Produtor de Água também foi largamente comentado no primeiro painel. Termo e conceito novo para muita gente, o modelo foi estruturado pela ANA e existe há quase uma década. A ideia principal é remunerar os proprietários de terras para proteger e reflorestar matas nativas e Áreas de Preservação Permanente (APPs), de forma a conservar os recursos hídricos. Os mais adiantados Produtores de Água estão localizados na cidade de Extrema (MG), na serra da Mantiqueira, como mencionamos na abertura deste artigo. Lá, cerca de 200 propriedades recebem mensalmente dos governos, iniciativa privada e ONGs para conservar mananciais, nascentes e a vegetação ao redor. A iniciativa de Extrema deu tão certo que suas águas possuem padrão de qualidade superior aos exigidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Reuso e redução de perdas

Outro tema tratado durante o fórum foi o reuso e a redução de perdas na distribuição. Mônica Porto, secretária adjunta de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, trouxe uma boa notícia. Ela informou que, em breve, São Paulo deve aprovar a primeira norma de reuso de água não potável para aplicações como lavagem de carros, trens, ônibus, produção de concreto, entre outras. A resolução já está pronta do ponto de vista técnico e tramita agora entre as procuradorias jurídicas e algumas secretarias. A aprovação dessa norma é uma medida fundamental para ampliar o uso responsável da água, pois pode reduzir em até 40% a necessidade de captação.

Os participantes do segundo painel, Lina Adani, gerente de controle de perdas e sistemas da SANASA, Ruddi de Souza, diretor geral da Veolia Water Technologies e a própria Mônica Porto, também lembraram que faltam instrumentos que incentivem a adoção de tecnologias de reuso, como isenções de impostos e tributos para viabilizar a aquisição de equipamentos.

Em relação aos investimentos em infraestrutura para reduzir as perdas de água na distribuição – que hoje chegam a 37% no Brasil – foi debatido o caso de São Paulo. A maior cidade do país tem uma rede de água antiga, que encarece os custos de manutenção e dificulta o processo de modernização. Para vencer esses desafios, a capital paulista deve buscar soluções tecnológicas, como geofones, que detectam vazamentos, além da passagem de novos dutos por dentro dos antigos e até mesmo a construção de novas tubulações.

Caso de sucesso no combate às perdas

Em se tratando do combate ao desperdício na distribuição de água, o melhor exemplo vem da gestão de Michael Bloomberg, prefeito de Nova York de 2002 a 2013. Ele encomendou estudos para conhecer as vulnerabilidades da cidade e, entre elas, apareceu a água. Mesmo contando com programas de qualidade de água desde a década de 90, havia grandes perdas por causa das tubulações antigas, com mais de 100 anos de uso. A administração da cidade decidiu, então, investir no reparo e revitalização da sua malha. Atualmente, por ano, são trocados mais de 90 km de canos na cidade com ajuda de sonares que detectam os vazamentos. Com o combate ao desperdício, e com um milhão de habitantes a mais, Nova York consome hoje 30% menos água do que consumia há 25 anos.

Mas antes de investir em tubulações e aquedutos, quase 30 anos antes, a cidade decidiu pela conservação de nascentes e mananciais que serviam à cidade, assunto que começa agora a ganhar vulto no Brasil. O projeto teve início no condado de Greene, a 200 quilômetros de NY, famoso e conhecido em todo o mundo por ter abrigado o concerto de Woodstock. A prefeitura financiou os produtores rurais das montanhas de Catskills, onde ficam as nascentes de Greene, para preservação dos mananciais – modelo muito semelhante ao Produtor de Água, da ANA. Conseguiu, assim, uma água de altíssima qualidade e que dispensa estações de tratamento. Hoje, a água que abastece seus mais de 8 milhões de habitantes vem direto da natureza, recebendo apenas cloro e flúor.

Papel do setor financeiro

Sempre que pensamos na melhoria da gestão da água, devemos nos lembrar que isso requer investimentos e incentivos. Esse foi justamente o terceiro grande tema do Fórum Água 2016. Gustavo Pimentel, diretor administrativo da Sitawi – Finanças do Bem; Maria Eugênia Taborda, gerente de sustentabilidade do Banco Itaú e Percy Soares Neto, coordenador da rede de recursos hídricos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) falaram sobre o trabalho dos bancos na criação de metodologias para avaliar os riscos hídricos para seus investimentos. Todos concordaram que existe uma necessidade de se criar critérios que beneficiem empresas que façam uma melhor gestão hídrica. A CNI, por exemplo, explicou que apenas as grandes empresas, atualmente, têm acesso às tecnologias de reuso. As pequenas e médias têm dificuldades na obtenção de crédito para se tornarem mais sustentáveis na gestão do uso da água.

Ao final desse último painel, destacou-se o projeto realizado pelo CEBDS em parceria com o GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), cujo objetivo é avaliar a viabilidade econômica de diversas tecnologias eficientes na gestão dos recursos hídricos, como uso de geofones, captação e uso de água da chuva, irrigação por gotejamento etc. A importância desse estudo é mostrar que essas tecnologias não somente reduzem o risco hídrico como também economizam dinheiro para as empresas e aumentam a segurança de retorno para os investidores.

A conclusão de todos, participantes dos painéis e público presente ao fórum, é que a água deve, cada vez mais, ser encarada como um recurso de grande valor, múltiplos usos e usuários, e que se mal administrado torna-se escasso e/ou caro. Nossa energia elétrica é 70% hidráulica, nossa produção de alimento depende dela, a produção industrial também e, por fim, nós, cidadãos, dependemos dela. Cuidar desse bem é cuidar para que ela não nos falte, que a economia se mantenha estável bem como os preços das nossas contas de luz, água e dos alimentos.

As chuvas recentes no Sudeste ajudaram a reabastecer os reservatórios, suspender os rodízios de água e contribuíram para aliviar o estresse hídrico. Mas isso, ao invés de significar um arrefecimento do estado de atenção da sociedade civil e das instituições, deve ser visto como um bom momento para investirmos de forma planejada. E temos que aproveitar. O mundo é outro, as mudanças climáticas dificultam previsões e impõe novos padrões – pode tanto aumentar a intensidade dos períodos de seca quanto das chuvas. Não priorizar a gestão desse ativo, continuar com a cultura da abundância já não serve mais.

Globalmente, o Fórum Econômico Mundial, em 2015, elegeu o risco hídrico como o principal para a sociedade. A ONU inseriu a água entre seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) para os próximos 15 anos. O ODS 6 postula: “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”. Além disso, o Brasil vai sediar o Fórum Mundial da Água, em 2018, principal evento global sobre o tema. Como país sede inseriu pela primeira vez a sustentabilidade como eixo central da programação. A água, como se vê, está presente em muitas agendas; da mesma forma, sua gestão é uma responsabilidade coletiva e todos temos um papel a cumprir.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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Um comentário em “Água, gestão e boas práticas

  1. Danielle disse:

    Precisamos proteger o meio ambiente limitando as construções perto de mananciais e fazendo reciclagem de materiais para evitar a pressão sobre o meio ambiente. Parabéns pelo excelente trabalho, Danielle

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