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Mulher, negra e parlamentar

ODS 10ODS 5 • Publicada em 4 de outubro de 2022 - 09:15

Minha primeira campanha eleitoral foi em 1982, quando pedi os votos para Benedita da Silva para vereadora no Rio de Janeiro. “Mulher, negra e favelada” era o slogan da candidata que fazia até algum eleitor potencial virar a cara.  Pautas identitárias – na nomenclatura de hoje – eram raras nas primeiras eleições realmente livres (vereador, deputado estadual, deputado federal, senador, governador) no Rio de Janeiro. Benedita da Silva se elegeu daquela vez e depois foi deputado federal constituinte (única mulher negra), senadora, vice-governadora, governadora (por nove meses) e, depois, novamente deputada federal.

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Benedita – mulher, negra e moradora da favela até 1999 – resistiu na vida pública, enfrentando preconceitos à direita e à esquerda. Na trajetória, também cometeu equívocos e caiu em uma ou outra armadilha da política. Faz parte: principalmente, em mais de 40 anos de carreira.

Aos 80 anos, Benedita foi reeleita agora em 2022 com mais de 113 mil votos, depois de ter feito apenas 44 mil em 2018. É uma eleição coberta de simbologia: representa a resistência das mulheres, das mulheres negras, dos negros em geral, dos favelados e também do Partido dos Trabalhadores, em que ela milita desde a fundação e do qual nunca se afastou.

Bené nem usa mais o slogan – mulher, negra e favelada – talvez porque elas tenham se multiplicado na trilha que abriu. E, hoje, ela talvez se definisse como periférica, termo mais abrangente. Sim, temos ainda temos muitos racistas por aqui, mas o Rio de Janeiro, palco da carreira política do paulista Bolsonaro, também é a terra de Marielle Franco – vereadora, mulher, negra, lésbica e periférica – ou favelada mesmo porque nasceu e foi criada no Complexo de Maré. Em 2018, quando foi assassinada, deveria ser candidata ao Senado.

Benedita da Silva, 80 anos, reeleita deputada federal com 113 mil votos, e Renata Souza, 40, eleita deputada estadual com 174 mil votos: mulheres negras no Parlamento (Foto: Reprodução Facebook / Benedita da Silva)
Benedita da Silva, 80 anos, reeleita deputada federal com 113 mil votos, e Renata Souza, 40, eleita deputada estadual com 174 mil votos: mulheres negras no Parlamento (Foto: Reprodução Facebook / Benedita da Silva)

Em 2022, o Rio de Benedita e Marielle elegeu deputada federal com quase 200 mil votos – terceira mais votada no geral – a mulher, negra e professora Talíria Petrone (PSol). Grávida do segundo filho na campanha, Talíria se define como mulher negra, feminista, mãe e ecossocialista.

A bancada feminina negra na Assembleia Legislativa cresceu mais um pouco: Renata de Souza (Psol) – outra cria do Complexo de Favelas da Maré, chefe de gabinete de Marielle na Câmara Municipal – foi reeleita com 174 mil votos, também a terceira maior votação do estado; Dani Balbi (PCdoB) – mulher trans, negra, filha da Zona Norte, professora universitária – recebeu 65 mil; Verônica Lima (PT) – também professora universitária, primeira vereadora negra de Niterói – teve 55 mil votos; e Dani Monteiro (Psol) – nascida no Morro de São Carlos, outro assessora de Marielle – foi reeleita com 50 mil votos.

Eleições, geralmente, são assim: sempre há boas e más notícias. No Rio de Janeiro, onde o racismo tem uma face ainda mais violenta com a execução sistemática de jovens negros nas favelas e outras periferias, o estado precisa de representantes que saibam e sintam o exato tamanho dessa tragédia – e as mulheres são as que mais conhecem este luto. No Brasil de Bolsonaro, da misoginia e do feminicídio, é bom ter bancadas parlamentares femininas prontas para esse combate.

Dirão algumas que este carioca – homem, branco e de classe média – não tem lugar de fala para tratar dessas questões. Aceitarei as críticas, mas sempre ressalvando que pedi votos para Benedita – mulher, negra e favelada – em 1982, quando esse termo ainda sequer existia.

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