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“Fear of missing out”: sobre a coragem de dizer não

Uma das maiores armadilhas da síndrome é topar ser mão de obra gratuita por medo ou insegurança de não ser cogitada numa próxima vez

ODS 3 • Publicada em 5 de abril de 2023 - 18:30 • Atualizada em 8 de abril de 2023 - 12:53

Já ouviram falar de uma expressão em inglês conhecida como “fear of missing out”? No Brasil, traduzimos como “síndrome do FOMO”, cujo significado remete ao “medo de ficar de fora”. Ela faz referência à ansiedade de ficar de fora de situações importantes, o medo de perder de iniciativas potencialmente promissoras, sobretudo dentro das telas do ambiente digital. É essa síndrome que nos escraviza ao ritual de checagem de notificações no celular ininterruptamente, além de acompanhar os grupos nas redes sociais e dizer sim para convites quando, na realidade, queríamos dizer não.

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Minha dificuldade de dizer não já me levou a lugares terríveis. Desde eventos que não faziam sentido pra mim até trabalhos com prazos que, humanamente, não eram possíveis. Ciclos de sobrecargas, micro surtos e até prejuízos financeiros. Hoje, me sinto mais fortalecida e seletiva com os convites que semanalmente chegam a mim. “Pode gravar um vídeo de 3 minutinhos até amanhã?” (Honestamente, não posso, porque vou gastar pelo menos duas horas com pesquisa e gravação). “Consegue entrar na reunião e falar do projeto que estamos fazendo rapidinho?” (Na verdade, não posso e não quero, mas vou dar um jeito). “Pode entregar o briefing nas próximas duas horas?” (Claro que não, mas sim). “Topa dar uma aula aqui na universidade para os meus alunos das 18h às 22h?” (Convite de universidade particular de graça é muita cara de pau. Talvez sim?).

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Qualquer rotina nos expõe a muitas escolhas diariamente. Quanto mais a gente “adultece”, mais a necessidade de definir prioridades grita. Eu, honestamente, odeio tomar decisões sob pressão e, sempre que posso, peço ajuda. Mas, sobretudo para mulheres negras, a síndrome do FOMO é ainda mais real. O medo de perder “possibilidades” traz uma leve cegueira irracional, onde é difícil decifrar o que é furada fantasiada de oportunidade.

Ficamos mais meia horinha no trabalho, que rendeu outras dezenas de horas extras em um ano. Respondemos mensagens no WhatsApp no domingo à noite. Perguntamos se o preço do orçamento “faz sentido” para a empresa. Pedimos desculpas por erros que não são nossos, ou justificamos que precisamos sair mais cedo hoje da reunião que já ultrapassou o horário previsto. Não negociamos prazo por medo de nos acharem incompetentes ou impostoras. Eu dou ou não dou conta disso? E assim vamos adoecendo.

Sou parte da estatística de mulheres que aceitaram, por muitas vezes, fazer trabalhos não remunerados. Que disseram sim por ilusão de portas abertas que só existiam na nossa cabeça, e nunca na realidade. Hoje mesmo, não eram nem nove horas da manhã me vi justificando para uma representante do setor privado o porquê de não aceitar falar sobre racismo ambiental de graça. Mona, cê tá maluca?

Uma das maiores armadilhas da síndrome do FOMO é topar ser mão de obra gratuita por medo ou insegurança de não ser cogitada numa próxima vez. Um sentimento que, apesar de legítimo, só alimenta ciclo de exploração e injustiças que acontecem no mercado de trabalho. Essa é a reflexão que inspira o título dessa coluna. Dizer não seria um ato de coragem ou um privilégio?

O que tenho aprendido é que dizer não para o que me parece injusto é uma coragem política. Não é de hoje que a branquitude e masculinidades tóxicas têm a ousadia de fazer propostas e subestimam nossas propostas e conhecimento. Essa autorização simbólica vem do colonialismo, pois as violências eram legitimadas em tempos de escravização. Por isso, dizer não não é birra, nem pirraça. É ato de resistência e coragem.

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