Apesar de o uso do termo em inglês, o que acaba afastando algumas pessoas, é importante saber que retirar a camisinha sem consentimento é crime. Stealthing é o termo usado para a retirada intencional do preservativo, sem que o parceiro ou a parceira tenha conhecimento ou autorize, negando o direito ao consentimento para uma relação desprotegida da pessoa e a expondo a riscos a sua saúde.
No Brasil, essa discussão ainda é recente, mas, felizmente ,há caminhos para responsabilizar as pessoas que adotam essa prática. E escrever sobre esse tema pretende jogar luz e fazer pensar no quanto muitas violências sexuais nem sempre são explícitas – o Stealthing é uma delas. Especialmente porque, quase sempre quando descoberta, ela pode ser tida como falta de atenção ou esquecimento, ou simplesmente a pessoa fazer parecer que não havia percebido que o preservativo haveria “saído”.
Mas, na prática, a intenção da retirada pretende não apenas expor a pessoa a Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST, anteriormente conhecidas como DST, termo em desuso) como HIV e sífilis, entre outras ou mesmo uma gravidez indesejada.
Acompanhe seu colunista favorito direto no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA prática pode ser cometida por qualquer pessoa em relações sexuais que independem do gênero ou da sexualidade com quem se está relacionando afetiva e/ou sexualmente. E é importante dizer que envolve sobretudo uma relação de poder entre quem se sente livre para retirar a camisinha e decidir a segurança da relação sexual de forma unilateral. Além da relação de confiança que foi quebrada, é nitidamente uma grave violação da autonomia da pessoa afetada sobre seu próprio corpo.
Infelizmente, essa é uma prática que vem se tornando comum há algum tempo apesar de existirem poucas denúncias formais sobre os problemas decorrentes desse tipo de prática. A Califórnia foi o primeiro estado nos Estados Unidos a criminalizar oficialmente a prática, reconhecendo como crime sexual.
Na série britânica “I May Destroy you“, da HBO, esse tipo de conduta é abordada. O parceiro da protagonista retira a camisinha, sem que ela perceba, em uma relação sexual. Ela só percebe o que havia acontecido tempos depois; e só consegue identificar que tinha sido vítima de uma violência sexual ao ouvir um podcast sobre o tema. Ao conversar com uma policial, descobre que a prática é considerada estupro no Reino Unido.
No Brasil, não existe no Código Penal um crime que tipifique especificamente esse tipo de violência. Porém, essa conduta pode ser tipificada pelo artigo 215 do Código Penal: violação sexual mediante fraude. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. O ato pune a conduta de ter relação íntima com alguém, por meio de engano ou ato que dificulte a manifestação de vontade da vítima.
E também pode ser aplicado quando a camisinha foi furada ou rasgada intencionalmente antes do sexo, configurando a fraude já que, além dos riscos, a pessoa foi enganada sobre seu consentimento e quanto a autonomia sobre seu corpo, e quanto ao uso da camisinha para proteção e sexo seguro. E apesar de ser possível enquadrar o ato nesse dispositivo, não há garantias de que o judiciário entenderá da mesma forma.
As chances de conseguir punir o agressor, de fato, com base no crime de estupro são igualmente baixas, ainda mais se ele for alguém que tenha relacionamento estável com a vítima. Na maioria dos casos, provar a violência sexual perante o judiciário se torna um duelo entre a palavra da vítima e do agressor.
Apesar disso, é importante buscar mais informações e denunciar. Se você conhece ou já foi vítima de stealthing procure o mais rápido possível uma delegacia para fazer a denúncia e, de preferência, vá acompanhade de ume advogade.
Qualquer vítima pode se dirigir à Delegacia de Polícia sem advogade, mas sabemos que esse tipo de relato de crime pode incorrer em revitimização e descredibilização de sua palavra em razão do despreparo de parte relevante dos agentes públicos.
É importante ainda ressaltar que as vítimas de stealthing podem ser atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e solicitar do mesmo protocolo que vítimas de estupro ou violência sexual, e iniciar a Profilaxia Pós Exposição (PEP) no prazo de até 72h após o ato (quanto antes melhor dentro desse período).