A arte de juntar gente

Galpões obsoletos viram um vibrante mercado gastronômico no porto de Copenhague

Por Flavia Milhorance | ODS 17 • Publicada em 17 de julho de 2016 - 10:12 • Atualizada em 17 de julho de 2016 - 15:19

No Papirøen, cada um escolhe sua opção de comida e bebida, senta numa das mesas coletivas de frente para o porto e relaxa…
No Papirøen, cada um escolhe sua opção de comida e bebida, senta numa das mesas coletivas de frente para o porto e relaxa…

Por décadas, uns galpões cinzentos, de portas sempre fechadas, marcavam a paisagem do porto de Copenhague. No galpão principal, um grande letreiro dizia “Papirøen”, que significa “ilha do papel” em dinamarquês. Pois ali eram armazenados papéis para a fabricação de jornal, que, com a queda nas vendas do produto, tornou-se obsoleto e foi fechado em 2013. Mas não passou nem um ano até que a prefeitura adquirisse o local, e um grupo de empreendedores o reocupasse e o transformasse num movimentado ponto de encontro de culinária e culturas.

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No Papirøen, a decoração é colorida, os aromas e músicas levam a diferentes culturas, os cardápios têm qualidade, e os preços são até em conta para os padrões dinamarqueses. Abre todos os dias, com horários estendidos no verão. Alguns bares funcionam até altas horas da noite.

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Um projeto de urbanização maior está sendo desenvolvido para a área oficialmente chamada de Christiansholm. Enquanto isto, o Papirøen, como é mais conhecido, abriga 35 food trucks e tendas de pequenos empresários vindos de todos os cantos do mundo num vibrante mercado de comida de rua. Há uma semana, ganhou um novo vizinho no galpão do lado: a galeria de arte “Copenhagen Contemporary”, que inaugurou uma exposição que conta com nomes como Yoko Ono.

No Papirøen, a decoração é colorida, os aromas e músicas levam a diferentes culturas, os cardápios têm qualidade, e os preços são até em conta para os padrões dinamarqueses. Abre todos os dias, com horários estendidos no verão. Alguns bares funcionam até altas horas da noite. Se faz sol, o lugar é tomado por turistas, mas principalmente locais. É aquele típico lugar despretensioso para ir com a família e os amigos. Cada um escolhe sua opção de comida e bebida, senta numa das mesas coletivas ou cadeiras de frente para o porto e relaxa…

No galpão principal eram armazenados papéis para a fabricação de jornal, que, com a queda nas vendas do produto, tornou-se obsoleto e foi fechado em 2013

Incubadora de novos negócios

Grandes redes não têm vez. Os chefs são iniciantes no mercado, buscando um espaço para dar vazão à sua criatividade. É uma espécie de incubadora. Numa tenda simples decorada com troncos de madeira, funciona o Sweet Food, que oferece tortas e doces.

“Estamos há uns 30 anos atrás na indústria noturna e de restaurantes, mas esse mercado é uma possibilidade de início para nós, e nos forçou a pensar e repensar cada aspecto, já que vendemos num espaço tão pequeno”, explica um dos sócios e chef, Morten Broholm. “Está dando muito certo para nós e estamos prontos para abrir novas lojas este ano”.

O que parece fazer mais sucesso são os donuts com recheio de creme brùle, uma invenção de Broholm, que descreve:

“Ele foi criado especialmente para servimos no mercado. Usamos fogo para derreter o açúcar e creme brulè frio no meio, para dar uma ótima sensação de quente e frio. O pão, que traduzimos como donut, é mais parecido com um berliner (alemão). Estamos continuamente fazendo experimentações, e agora adicionamos um sabor de framboesa e uma opção adicional de sorvete”.

Não há vagas para novos empreendimentos no momento, mas os chefs interessados precisavam explicar o que poderiam acrescentar para aquele ambiente empreendedor e multicultural. Está aberta a novos músicos, já que o local abriga seguidos festivais e noites temáticas. A iniciativa ganhou alguns prêmios locais dados a boas experiências econômicas.

“Copenhague ganhou a reputação de restaurantes com estrelas Michelin, mas faltava algo interessante e simples, então decidimos criar este mercado de comida de rua internacional, acessível a todos, e dando utilidade para um local que não estava sendo usado”, explica Maja Jensen, uma das fundadoras da Associação de Comida de Rua de Copenhague, entidade criada para gerir o projeto.

O novo projeto é grandioso: espaço para eventos, como desfiles de moda, e até piscinas públicas

Ela e um grupo de empreendedores que gostam de viajar se inspiraram em outras experiências – como o festival americano Burning Man – para criar o conceito do local. Cresceu rápido: esperam receber um milhão de visitantes até o final do ano, apenas dois anos depois da abertura.

Há empreendimentos de dinamarqueses e (especialmente) estrangeiros. Quem também está por ali é o “Brasa”, que serve um “churrasco com inspiração brasileira”. Coordenador do grill, o brasileiro Ricardo Miranda explica o motivo de ser apenas inspirado:

“Fomos tendo que fazer adaptações. Da farofa, o público não gostou muito e tiramos. Depois, como sabemos que os dinamarqueses viajam muito à Tailândia, pegamos inspirações de saladas de lá. Como opções de carne, temos porco, frango e chorizo. A carne bovina na Dinamarca é muito cara, e não existem os nossos cortes”.

Aí sim fizeram sucesso. Em poucos meses, os três empreendedores viraram 29 funcionários. Ricardo chegou à Dinamarca como funcionário de uma empresa de plataformas de petróleo, e, graças ao Brasa, está começando um negócio próprio de importação de polpas de frutas e outros produtos do Brasil. Ele diz que adora chegar ao Papirøen para trabalhar.

“Vim do Rio com minha esposa dinamarquesa, não conhecendo quase ninguém, e isto aqui virou parte da família. Não tem clima de competitividade. Cada um chega do seu país, com um nível de escolaridade diferente, oferece o que tem. Todo mundo se ajuda e confraterniza. Os coordenadores mudam a decoração sempre, promovem eventos de integração, gincanas, e há benefícios como não pagar aluguel por um mês”.

Novo projeto de urbanização em andamento

O mercado e a galeria já nasceram como itinerantes. Os galpões foram alugados até 2018. Depois, haverá grandes obras de infraestrutura assinadas pelo escritório Cobe Arquitetos, que ganhou uma competição promovida pela By&Havn (Cidade e Porto), empresa da prefeitura em parceria com o governo federal, atual dona da área. O novo projeto é grandioso: espaço para eventos, como desfiles de moda, piscinas públicas, mercado de rua (menor), edifícios residenciais, jardins internos cortados por pistas de caminhada, abraçados por uma arquitetura moderna e monumentosa.

No caso do Copenhagen Contemporary, a instituição ganhou o contrato temporário em 2015, depois de uma competição do conselho municipal para ideias de desenvolvimento da área. Com pouco tempo para usufruir do local, o grupo enxerga a experiência como uma oportunidade de ganhar visibilidade e criar um espaço descontraído, ao ar livre e dentro do galpão. Já tem um calendário de exibições para até o final de 2017.

Para outros, o novo projeto de urbanização tem gerado polêmica. Muita gente não quer mudanças. Ricardo conta que já houve, em vão, um abaixo-assinado de empreendedores e moradores próximos à área para manter o mercado gastronômico.

Enquanto isto, Maja é mais diplomática e lembra que sempre souberam que o espaço era temporário. Além disso, ela diz que vem fazendo seguidas reuniões para encontrar um novo ponto para o projeto, que, ela garante, vai continuar em outro local da cidade.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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