A sustentabilidade é um luxo

Em tempos de crise, aluguel de produtos de grife volta a ficar em alta

Por Laura Antunes | ODS 17 • Publicada em 2 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de março de 2016 - 18:17

A empresária Isabel Braga, da Bobags, com alguns dos itens de luxo que ela aluga
A empresária Isabel Braga, da Bobags, com alguns dos itens de luxo que ela aluga

Convidada para uma festa de casamento, na qual o dress code exigia um gasto con$iderável, a universitária carioca Alexia Chlamtac, 22 anos, foi tomada por uma tentação consumista. O vestido, ela já tinha, mas seria a hora de, enfim, comprar o seu objeto do desejo há tempos: uma clutch PS11, da grife americana Proenza Schouler, que custa a bagatela de quase US$ 2 mil. Num site com entrega no Brasil, o item chegava à cifra de R$ 10 mil… A moça balançou, mas decidiu recorrer a um plano B, que descobrira num blog de moda: visitar pela primeira vez um site de aluguel de bolsas de luxo, onde adquiriu a desejada clutch, por uma semana, desembolsando módicos R$ 132. A moça garante que arrasou duplamente, pois usou a peça desejada e ainda economizou uma pequena fortuna, ainda mais num momento em que o dólar vive atingindo cotação estratosférica.

– Não é uma questão de praticidade apenas, é de consciência mesmo. Eu poderia comprar a bolsa, mas, após o casamento, ficaria no armário, sem uso. Descobri que ela era muito melhor do que eu imaginava, mas que não tinha coerência na minha rotina. Acho o aluguel divertido porque são mais opções no guarda-roupa. Você tem a possibilidade de variar sem ter que investir uma grana e sem acumular coisas. Se compramos tudo o que queremos, acabamos acumulando muito, desnecessariamente – afirma a jovem consumidora, que voltou a experimentar o site uma segunda vez.

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Não me sinto mais tendo algo. Acho que o “ter” é super ultrapassado. Me tornei muito mais consciente nas minhas compras e muito mais desapegada.

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De olho nessa clientela frequentadora do setor do luxo, que (seja por questões financeiras ou decidida a praticar um consumo mais consciente) descobriu a prática do aluguel de roupas e acessórios, sites especializados nesse gênero de negócios começam a entrar com força no mercado e já comemoram os bons ventos. Alexia, por exemplo, recorreu ao site Bobags, administrado pela empresária Isabel Braga, que, em 2009, teve a ideia de botar à disposição para aluguel o seu acervo de bolsas de grife. No ano seguinte, ela já havia criado um blog para esse negócio. No início eram apenas de dez itens.- Eu já imaginava esse tipo de negócio como uma forma de praticar economia sustentável. E percebi, logo no início, a receptividade das clientes. Algumas alugavam as bolsas porque queriam exibi-las numa festa, mas outras já começam a entender a proposta da sustentabilidade: de usar algo num momento sem ter a posse definitiva. Esse é o futuro do consumo. As nossas casas vão diminuindo de tamanho e as pessoas se dão conta de que é preciso viver com mais leveza, o que significa ter menos para investir o dinheiro em outras coisas – acredita Isabel

A empresária foi para o Vale do Silício, nos Estados Unidos, onde fez uma série de cursos de “sharing economy”. Voltou para o Rio em 2014, disposta a alavancar a empreitada. Profissionalizou o site, criando o e-commerce, com um estoque de cem bolsas (peças novas e usadas que comprou no Brasil para aluguel), de pelo menos 20 grifes de alto luxo. Há ainda cem outras bolsas oferecidas para a venda.

O Bobags tem atualmente duas mil clientes que alugam peças com frequência. É possível adquirir modelos Chanel, Bottega Veneta, Chlóe, Gucci, Goyard, Prada, Balenciaga, Louis Vuitton… por preços que cabem no bolso. A cliente escolhe entre “possuir” o produto por um fim de semana, uma semana ou um mês, por preços que partem de R$ 60. Uma das mais desejadas são as bolsas Chanel, alugadas a partir de R$ 220 por uma semana. Uma peça nova semelhante, segundo Isabel, pode chegar à casa dos R$ 25 mil.

Recentemente, uma jovem cliente procurou Isabel para vender uma bolsa Céline, que havia herdado da avó, e recebeu R$ 5 mil pela peça. Ela usou, então, o dinheiro numa viagem a Nova York e, quando precisou, alugou a bolsa para ir a uma festa.

– É realmente um momento de repensar nossos hábitos. Essa cliente pesou e achou que não precisava ter a bolsa. Que poderia fazer um bom uso desse dinheiro para outras coisas. Agora, quando quer, ela aluga. Dá para alugar 30 bolsas diferentes durante quase 3 anos, tendo uma bolsa diferente todo mês em casa, pelo preço de uma. Essa prática permite uma extensão da vida útil das peças, ainda mais num país, como o nosso, fechado para o mercado de luxo, com impostos altíssimos – acrescenta Isabel, contando ainda que uma cliente do Nordeste aluga mensalmente uma bolsa de luxo diferente.

Para evitar problemas, as transações de aluguel são feitas de forma cuidadosa. As clientes são cadastradas, há pagamento de caução e um tipo de contrato para a garantia de que a peça será devolvida sem danos. Caso contrário, haverá ressarcimento. O site divulga todas as informações detalhadamente sobre isso. O motivo pelo qual a cliente aluga uma bolsa, acredita a empresária, não importa, o fato é que essa prática torna possível o sonho de usar uma bolsa de grife para um número maior de mulheres.

Animada com o faturamento, que não divulga, Isabel conseguiu, recentemente, um investidor que a ajudará a alavancar ainda mais o negócio:

– Até o fim do ano, aumentaremos o nosso estoque de aluguel para 500 bolsas – adianta ela, sem dar mais detalhes.

Flávia Sampaio com stylist Aderbal Freire dentro da loja

Quem também decidiu se aventurar nesse mundo da economia colaborativa foi a empresária Flávia Sampaio, mulher do também empresário Eike Batista. Ela criou, há seis meses, o site PowerLook, colocando para aluguel cerca de 300 vestidos de festa e acessórios novos, de algumas das melhores grifes nacionais e estrangeiras. Segundo Flávia, a iniciativa vai ao encontro da necessidade das pessoas e da atual situação do país.

– O PowerLook é democrático e vai além de uma loja de aluguel de vestido de festa. Somos uma empresa que pensa consciente e isso é ser fashion hoje em dia. É voltado para quem quer entrar na moda e, ao mesmo tempo, com consciência – conta Flávia, que, diante da receptividade da clientela, inaugurou recentemente sua primeira loja física, em Ipanema, onde também oferecerá o mesmo serviço.

A clientela, de acordo com Flávia, é eclética. Sem revelar o total de mulheres cadastradas, a empresária conta que, nesses primeiros seis meses de vida, o site já alugou vestidos mais de mil vezes:

– Como temos vestidos para diferentes estilos e ocasiões, a faixa etária da clientela também é bem abrangente. A procura vai desde as mães de noiva até os bailes de debutante.

Christian Dior, Dolce & Gabbana, Emilio Pucci, Moschino e as nacionais Cris Barros e Animale são algumas das etiquetas disponíveis pelo aluguel diário da Power Look, que parte de R$ 180. Para fazer a transação, o site explica o passo-a-passo para as clientes, que assinam um termo de responsabilidade em relação ao uso, cuidados e prazos de entrega.

A consumidora Alexia Chlamtac, que descobriu o aluguel de bolsas, promete continuar a se aventurar por esse novo conceito de consumo:

– Não me sinto mais tendo algo. Acho que o “ter” é super ultrapassado. Depois do BoBags e de muita leitura sobre o assunto, me tornei muito mais consciente nas minhas compras e muito mais desapegada. Com frequência, coloco as minhas roupas à venda para ganhar um dinheiro a mais e fazer a energia circular. Não quero ficar acumulando desnecessariamente.

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

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