Uma vitória da humanidade

Lula discursa para apoiadores na Avenida Paulista: “O que envelhece uma pessoa não é a quantidade de anos, mas a falta de causa, é a falta de motivação para a luta”. Foto Nelson Almeida/AFP

Em um discurso de paz e união nacional, Lula cita quase todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Por Agostinho Vieira | ODS 16 • Publicada em 31 de outubro de 2022 - 14:41 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:13

Lula discursa para apoiadores na Avenida Paulista: “O que envelhece uma pessoa não é a quantidade de anos, mas a falta de causa, é a falta de motivação para a luta”. Foto Nelson Almeida/AFP

A sigla ODS, que representa os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Agenda 2030, quase não apareceu na campanha presidencial brasileira. Pelo menos não com esse nome e sobrenome. O que não significa que ela não tenha importância. Muito pelo contrário. Para o professor e economista da USP Ricardo Abramovay, os ODS são o documento mais relevante do século XXI, um marco ético e civilizatório na história da humanidade. Em um dos debates, o folclórico candidato do PTB, Padre Kelmon, também conhecido como padre de festa junina, chegou a dizer que a “Agenda 2030 era coisa da esquerda”, ignorando que se trata de um compromisso assinado por 195 países, com signatários insuspeitos como os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão.

Leu essa? Lula presidente: 15 propostas para o Meio Ambiente

A famosa Agenda 2030 é composta por 17 objetivos e 169 metas, que deverão ou deveriam se cumpridas até 2030. Estão ali temas absolutamente fundamentais como a erradicação da pobreza (ODS 1) e da fome (ODS 2), a garantia de acesso à saúde e educação de qualidade (ODS 3 e 4), o saneamento básico (ODS 6), ações contra a crise climática (ODS 13), a proteção da vida terrestre, o que inclui a preservação das florestas (ODS 15), a construção de cidades mais sustentáveis (ODS 11) e a igualdade de gênero (ODS 5). No discurso que fez na noite de domingo, após a confirmação da vitória, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, mais uma vez, não falou em ODS ou Agenda 2030, mas os compromissos estavam lá, em quase todos os parágrafos. Separamos alguns exemplos de frases que podem fazer muita diferença nos próximos quatro anos.

ODS 1 – Erradicar a Pobreza:

“Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência. Por isso, vamos retomar o Minha Casa, Minha Vida, com prioridade para as famílias de baixa renda, e trazer de volta os programas de inclusão que tiraram 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza”.

ODS 2 – Erradicar a Fome:

“Nosso compromisso mais urgente é acabar com a fome outra vez. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário. Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias. Este será, novamente, o compromisso número 1 do nosso governo”.

ODS 3 e 4 – Saúde e Educação de qualidade:

“O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Quer um bom emprego, um salário reajustado sempre acima da inflação, quer ter saúde, educação e políticas públicas de qualidade”.

ODS 5 – Igualdade de Gênero:

“É preciso ir além. Fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres e garantir que elas ganhem o mesmo salário que os homens ganham no exercício de igual função”.

ODS 8 – Trabalho digno e crescimento econômico:

“A roda da economia vai voltar a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra. A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do orçamento. Com apoio aos pequenos e médios produtores rurais, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas. Com todos os incentivos possíveis aos micros e pequenos empreendedores, para que eles possam colocar seu extraordinário potencial criativo a serviço do desenvolvimento do país”.

Lula manda beijos para apoiadores em São Paulo: "Não existem dois brasis". Foto Caio Guatelli/AFP
Lula manda beijos para apoiadores em São Paulo: “Não existem dois brasis”. Foto Caio Guatelli/AFP

ODS 10 – Reduzir as desigualdades:

“O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem. Este país precisa se reconhecer. Precisa se reencontrar consigo mesmo”.

“Enfrentar sem tréguas o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade sejam as pessoas que mais precisam. Um Brasil com paz, democracia e oportunidades”.

“E é essa democracia que nós vamos buscar construir a cada dia do nosso governo. Com crescimento econômico repartido entre toda a população, porque é assim que a economia deve funcionar: como instrumento para melhorar a vida de todos, e não para perpetuar desigualdades”.

ODS 11 – Cidades sustentáveis:

“Meus amigos e minhas amigas, a partir de 1º de janeiro de 2023 vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras. Não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”.

“Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra. Este país precisa de paz e de união. Este povo não quer mais brigar. Este povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído. É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida”.

ODS 12 – Produção e consumo sustentáveis:

“Vamos também reestabelecer o diálogo entre governo, empresários, trabalhadores e sociedade civil organizada, com a volta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ou seja, as grandes decisões políticas que impactem as vidas de 215 milhões de brasileiros não serão tomadas em sigilo, na calada da noite, mas após um amplo diálogo com a sociedade”.

ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática:

“O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica. Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva. Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra. Um rio de águas límpidas vale muito mais do que todo o ouro extraído às custas do mercúrio que mata a fauna e coloca em risco a vida humana”.

ODS 15 – Proteger a vida terrestre:

“Quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre junto com ela. Por isso, vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia e combater toda e qualquer atividade ilegal —seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”.

“Ao mesmo tempo, vamos promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente. Estamos abertos à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania”.

“Temos compromisso com os povos indígenas, com os demais povos da floresta e com a biodiversidade. Queremos a pacificação ambiental. Não nos interessa uma guerra pelo meio ambiente, mas estamos prontos para defendê-lo de qualquer ameaça”.

ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes:

“O povo brasileiro quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma. O povo brasileiro quer ter de volta a esperança”.

“Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora”.

“A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e obrigações de cada Poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós. A Constituição rege a nossa existência coletiva, e ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela, ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la”.

ODS 17 – Parcerias para a implementação dos objetivos:

“Meus amigos e minhas amigas, nas minhas viagens internacionais, e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil. Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que ao mesmo tempo contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres. O Brasil que apoiou o desenvolvimento dos países africanos, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia. Que trabalhou pela integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, que fortaleceu o Mercosul, e ajudou a criar o G-20, a Unasul, a Celac e os Brics”.

“Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta. Que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo”.

No domingo, dia 30, assim que foi confirmada a vitória de Lula, lideranças mundiais se apressaram para parabenizar o novo presidente e reconhecer a legitimidade do resultado, elogiando o trabalho da Justiça Eleitoral. Poucos assuntos, hoje, como as eleições brasileiras, seriam capazes de unir o americano Joe Biden e o chinês Xi Jinping, o russo Vladimir Putin e o ucraniano Zelensky. A vitória não foi só da aliança que elegeu Lula, não foi só dos brasileiros, foi da humanidade. Com duplo sentido, como bem explicou o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, em uma das suas redes sociais:

“Saem de cena o grotesco, a barbárie e a intimidação como elementos indissociáveis do exercício cotidiano do poder; e a violação sistemática das leis e da Constituição como método de governar e como atalho para o atingimento de objetivos políticos e pessoais”.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile