(Fábio Bispo* – De Belém, Pará**) – Após um protesto na entrada principal da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) na manhã desta sexta-feira (14/11), o governo federal anunciou que irá avançar na demarcação das Terras Indígenas (TIs) Sawré Muybu e Sawré Ba’pim, do povo Munduruku, no Pará, e se comprometeu a analisar os impactos de grandes projetos de infraestrutura na bacia do Tapajós.
As promessas foram feitas após reunião entre o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, as ministras Sonia Guajajara, Povos Indígenas (MPI), Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e lideranças Munduruku, articuladas pelo Movimento Ipereg Ayu. A entrada da Blue Zone chegou a ficar bloqueada e só foi liberada depois que o grupo foi recebido pela comitiva do governo.
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Veja o que já enviamos“A nossa maior preocupação é o decreto e a Ferrogrão, isso vai nos prejudicar bastante. Estar aqui com a Sonia, com a ministra Marina e com o presidente da COP já é um avanço. Mas a gente precisa ser mais ouvido, ser consultado”, afirmou a liderança Alessandra Munduruku após o encontro. “A gente quer uma resposta do Lula”.
O principal alvo da manifestação é o Decreto nº 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias e incluiu os rios Tapajós, Madeira e Tocantins como eixos prioritários para navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto “abre a porteira” para novas dragagens, derrocamento de pedrais sagrados e expansão acelerada de portos privados ao longo da bacia.
Seis terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas, incluindo os povos isolados Pu’rô, Isolados do Iriri Novo e Mengra Mrari, serão impactadas pelo traçado da ferrovia Ferrogrão, que ligará os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA).
Os indígenas denunciam que os projetos previstos para a região não cumpriram com a consulta prévia, livre e informada, como está previsto na Convenção 169 da OIT.
Os indígenas apresentaram dados de um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que aponta impactos dos projetos de infraestrutura na bacia do Tapajós. Entre 2010 e 2022, 68% de todo o investimento federal em infraestrutura na região foi destinado a corredores de exportação, incluindo a BR-163, terminais de Itaituba/Miritituba e projetos de hidrovias no Tapajós. Em 2023, 47% das exportações de soja do Brasil escoaram pelos portos do Arco Norte — ante 16% em 2010.
“Tudo isso acontece sem o Estado nos ouvir. Querem destruir o fundo do rio, explodir nossos pedrais sagrados, lotar o Tapajós de barcaças para levar soja para fora do Brasil. Quem mora aqui somos nós, não as empresas”, disse uma liderança Munduruku.
Na entrevista coletiva, após o encontro com os indígenas Munduruku, a ministra Sonia Guajajara afirmou que o protesto é legítimo e que os processos de demarcação das duas terras estão em fase adiantada, dependendo apenas de trâmites administrativos: “É legítimo, esse manifesto é legítimo. Eles vieram aqui pedir esclarecimentos sobre a demarcação dos territórios. O processo demarcatório da Sawré Muybu já foi assinado pelo ministro [Ricardo] Lewandowski e o processo da Sawré Ba’pim está no Ministério da Justiça, em um pacote de terras indígenas que devem ser assinadas até o final deste ano”.
Segundo Guajajara, o governo está contratando uma empresa responsável pela demarcação física de Sawré Muybu, para a instalação de marcos e placas nos limites do território. Já Marina Silva reforçou que a Ferrogrão não possui licenciamento ambiental em análise no Ibama e que o caso segue judicializado:
“Não existe um pedido de licenciamento dentro do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], esse processo está judicializado. Quando foi apresentado o EIA/Rima, estava muito ruim, e o Ibama devolveu. Desde então, não foi reapresentado, mas a preocupação deles continua. É uma preocupação legítima”.
Marina informou ainda que as reivindicações sobre hidrovias, navegação e portos serão encaminhadas aos ministérios dos Transportes e de Minas e Energia, e que o Ibama seguirá com operações de fiscalização, incluindo ações de desintrusão para retirada de garimpeiros de territórios indígenas.
No final do encontro, Alessandra Munduruku reafirmou que o movimento não aceitará obras que ameacem o território: “O rio é a mãe dos peixes. Ele tem família, tem pai, tem mãe, tem tio que mora dentro dele e sustenta a gente”.
Os Munduruku também aguardam posicionamento sobre os projetos de crédito de carbono. Para o movimento, tais iniciativas representam formas de “venda da floresta”, que retiram autonomia dos povos, permitem a entrada de empresas e intermediários nos territórios e não enfrentam a raiz da crise climática: o desmatamento industrial, o garimpo, as hidrovias e a expansão da soja.
*Fábio Bispo é repórter investigativo da InfoAmazonia, com foco em cobertura política, transparência pública, jornalismo de dados e questões socioambientais
**Esta reportagem foi produzida por InfoAmazonia, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui.
