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Argentina sem saída – ou em busca do menos pior

Los hermanos sofrem com pobreza, inflação acima de 100%, desemprego e instabilidade política

ODS 10ODS 16 • Publicada em 6 de outubro de 2023 - 08:48 • Atualizada em 9 de outubro de 2023 - 19:58

“No tenemos salida”, me respondeu entristecido Andres, um Uber, quando estava na garupa de sua moto, numa conversa sobre quem deveria ganhar a eleição que se aproxima e que decidirá o próximo presidente de seu país. Sim, uma eleição. Sí, tenemos Argentina.

No conforto que me parecia familiar – a figura de carona sobre duas rodas – rondei pela fria Buenos Aires e, audacioso, fiz questão de levantar a bola no tema política, talvez por entender que isso poderia dividir o antes e o depois da viagem.

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Não, eu não queria briga. Mas era o sentimento de quem, no último domingo, acompanhou in loco o primeiro encontro dos principais candidatos, em debate na TV. Era um dia de agitação, quase final de campeonato entre River X Boca. Haviam luzes, câmeras, um lugar para o espetáculo e toda a imprensa. Do outro lado da TV, deitado na cama, alguém que pela primeira saía de seu país e tentava entender a atual conjuntura do seu mais novo lugar.

Debate presidencial na Argentina: hermanos sofrem com inflação de 100%, desemprego e instabilidade política (Foto: Tomaz Cuesta / AFP - 01/10/2023)
Debate presidencial na Argentina: hermanos sofrem com inflação de 100%, desemprego e instabilidade política (Foto: Tomaz Cuesta / AFP – 01/10/2023)

A sensação era só uma: “pânico”. Pânico e desamparo. Mesmo sem viver, só pelo o que escutei, a Argentina 2023 é o Brasil dos anos 1980 – e não deveria, tampouco precisava. Por acá, inflação acima de 100%, falta de divisas e instabilidade política.

Em cada apresentação e os temas discutidos, me sentia em casa. De um lado, um líder em exercício pelo governo, Sérgio Massa, atual ministro da Economia, que poderíamos categorizar como “centro”. Do outro, o “ultra-direitista” Javier Milei, uma espécie de Bolsonaro com estudo. No meio, um país atordoado.

Houve sim, reflexões acerca dos problemas de los hermanos, mas o que ganhou mesmo a atenção foi o escândalo que explodiu com o chefe de Gabinete de Buenos Aires, Martín Insaurralde, pego num vídeo no modo mais ostentação do mundo durante suas férias pessoais na Espanha. O que contrasta com o cenário de sua província, que macula mais de 40% das pessoas em situação de pobreza.

Andres viu o debate. “Quería apagar la televisión, pero no pudo. Yo quería ver dónde y cómo hablarían del país” – me confessou, enquanto o vento cortava nossas ventas. Deu pra notar de longe o descontentamento do mais novo amigo, e fazer conexões ainda mais estreitas com aquilo que fomos há um ano. Na real, sobre o que não vamos deixar de ser (e tão cedo). Enquanto isso, passávamos por um local que me levou, na memória, direto pra o Conjunto de Favelas da Maré.

Longe dos holofotes do Obelisco, das noites de tango e dos shows que movimentam centenas de telas pela Avenida Nove de Julho, há lajes sem acabamento, gente no meio dos becos, cartazes pedindo ajuda e um rés de esperança. Assim, tudo fica misturado ao caos e a beleza que transborda, pela receptividade latino-americana forjada em dois preceitos: pan y trabajo. Só que nesse caso, faltam os dois.

“¿Y tu? ¿Te gustó la reunión? ¿Por quién votarías?”, me devolveu Andres. No meu portunhol, expliquei que o pleito parecia muito o que tinha visto nas minhas terras em 2022. E que tinha ficado curioso sobre o terceiro nome que desponta nas pesquisas, o de Patrícia Bullrich.

A bola quicou de novo no meu campo e a vontade do início da conversa saltou. “E tu ¿Por quién vas a votarias?”. Andres não escutou a primeira repetição, nem a segunda. “¡Aquí estamos Eduardo! Sede de Boca”.

Desci da moto meio frustrado, mas entendendo mais que poderia conseguir explicar. Me despedi e rumei para a entrada do museu, quando escutei de longe. “En lo menos pior!”.

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