*Arend de Haas
Com o atual surto da doença do coronavírus, a covid-19, a atenção global foi atraída para os riscos significativos à saúde decorrentes da ingestão de animais selvagens. Como o número de infecções pelo coronavírus explodiu na China, o surto foi associado a um mercado de animais vivos e frutos do mar no distrito de Jianghan, Wuhan. A fonte animal específica e o modo de transmissão inicial ainda não são conhecidos.
O consumo de carne selvagem tem sido a causa raiz de várias epidemias decorrentes de fontes animais na história recente. O surto atual é o sexto relacionado a morcegos nos últimos 26 anos. Análises genômicas comparativas mostraram que o novo coronavírus SARS-CoV-2, que causa a covd-19, é o resultado de uma recombinação entre dois vírus diferentes, um próximo ao vírus SARS-CoV-2 isolado de morcegos e o outro mais próximo de um vírus presente em pangolins, mamíferos que vivem na Ásia e na África.
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Veja o que já enviamosOs vírus geralmente não deixam seus hospedeiros originais doentes. Isso ocorre porque os dois evoluíram juntos e as espécies hospedeiras tiveram tempo de criar resistência. Mas quando os vírus saltam para um novo hospedeiro, freqüentemente causam doenças mais severamente contagiosas. Um exemplo é a transmissão de doenças entre humanos e macacos, que demonstrou ser relativamente fácil. Pesquisas sobre grandes símios mostraram que eles são extremamente sensíveis à infecção por vírus respiratórios humanos. Por exemplo, o vírus do resfriado comum, que também é um coronavírus, é conhecido por infectar gorilas e chimpanzés.
Como uma nova cepa de coronavírus, ainda não se sabe se o SARS-CoV-2 pode causar uma doença respiratória em animais como os grandes símios. Mas conservacionistas, tratadores e guardas florestais devem tomar cuidado com os riscos. A covid-19 pode ser potencialmente prejudicial para os grandes macacos ameaçados de extinção, como gorilas das montanhas, gorilas das planícies, gorilas e chimpanzés do Cross River criticamente ameaçados na África, assim como para os orangotangos da Ásia.
Reservas de macacos fecham para turistas
Com base em minha pesquisa e experiência com essas espécies, eu recomendaria uma parada temporária nos passeios turísticas em áreas habitadas por macacos, atividades de pesquisa e habituação (aprendizagem de animais através de estímulos, Alguns parques nacionais já suspenderam essas atividades. Isso ocorre apesar do ecoturismo ser vital para a conservação a longo prazo de animais em extinção. Mas uma proibição agora protegeria os grandes símios e as operações de ecoturismo.
Doenças respiratórias agudas e fatais conhecidas por serem humanas ocorreram em grupos de chimpanzés selvagens, com taxas de morbidade variando entre 34% a 98% e taxas de mortalidade entre 3% e 7%. Entre 1990 e 2010, 18 surtos de doenças respiratórias ocorreram em gorilas da montanha habituados a humanos. Outros estudos levaram a diretrizes para as melhores práticas e medidas para reduzir a ameaça de transmissão de doenças de humanos para gorilas. Mas, de acordo com um estudo realizado em Uganda, a regra da distância de sete metros foi violada em mais de 98% dos passeios turísticos em áreas de gorilas. Quase 70% das observações de gorilas ocorreram a uma distância inferior a sete metros.
As autoridades de saúde enfatizam que o vírus é transmitido principalmente por pessoas que já apresentam sintomas típicos, como febre, tosse e espirros. Mas o novo SARS-CoV-2 se espalha rapidamente e às vezes antes que as pessoas tenham sintomas. Isso significa que as pessoas que se sentem bem o suficiente para participar de atividades ao ar livre podem estar portando o vírus.
Os vírus humanos pandêmicos já contribuem para o declínio de grandes símios ameaçados. De acordo com a Gorilla Doctors, uma equipe internacional de veterinários que presta assistência médica a gorilas doentes e feridos, a medida mais eficaz para a prevenção da introdução do vírus SARS CoV-2 (ou qualquer patógeno) em gorilas orientais habituados a humanos (montanha e Grauer) em Ruanda, Uganda e RD do Congo é minimizar o contato direto e indireto entre gorilas e pessoas infectadas.
O Gabão já decidiu interromper o passeio entre os grandes macacos, uma atração turística do país, por temer que os humanos pudessem transmitir o novo coronavírus aos animais. Os guardas florestais serão colocados em quarentena por 14 dias antes de serem autorizados a entrar na floresta. O Parque Nacional de Virunga, o mais antigo parque da África, na República Democrática do Congo, também decidiu fechar temporariamente à visitação turística aos gorilas da montanha.
Comércio de animais descontrolado
Mas o maior problema é garantir que a galopante indústria da vida selvagem seja controlada. As organizações de conservação saúdam a decisão da China de proibir temporariamente toda a criação e consumo de “animais selvagens terrestres de importante valor ecológico, científico e social”. Como resultado imediato, quase 20 mil fazendas de animais silvestres que criam várias espécies (gatos civetas, porcos-espinhos, avestruzes, gansos selvagens e javalis) foram fechadas em toda a China. Seguindo o exemplo chinês, o Vietnã também quer acabar com o consumo e a venda de animais selvagens.
Governos e organizações intergovernamentais precisam agir de forma mais responsável e proativa. A covid-19 deve servir como um despertador. Para proteger os ecossistemas, a saúde pública e as economias, precisamos evitar futuros surtos virais proibindo o comércio e o consumo de animais silvestres permanentemente por meio de intervenções, incluindo fiscalização e educação.
Para que essas intervenções sejam bem-sucedidas, demanda (compradores e consumidores) e oferta (criadores e vendedores) precisam ser gerenciados de forma consistente. As proibições têm funcionado para algumas espécies, como papagaios e outras aves selvagens. Mas, em outros casos, como o comércio ilegal de pangolins, chifres de rinoceronte e partes de tigres, as ações foram menos eficazes porque não foram aplicadas em ambos os lados, na demanda e na oferta.
*Arend de Haas é ecologista, microbiologista e diretor da African Conservation Foundation (Fundação Africana de Conservação.
Tradução: Oscar Valporto