Agro avança e já toma metade das áreas do Cerrado

Nova coleção do MapBiomas aponta ainda que perda da vegetação nativa foi acelerada após Código Florestal que devia protegê-la

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 31 de agosto de 2023 - 12:49 • Atualizada em 28 de outubro de 2023 - 11:58

Plantação de soja em área de Cerrado, em Barreiras, Bahia: perda de superfície de água natural no bioma já atingiu 76% dos municípios (Foto: Adriano Gambarini / WWF)

Em 2022, o ocupação do Cerrado por atividades agropecuárias chegou à metade do bioma (50%), que vem sofrendo com seguidos recordes de desmatamento e queimadas nos últimos anos; em 1985, a área de vegetação nativa tomada pela agropecuária era um pouco mais de um terço (34%). Em todo o Brasil, a área ocupada por atividades agropecuárias passou de cerca de um quinto (22%) para um terço (33%) do Brasil. As pastagens avançaram sobre 61,4 milhões de hectares entre 1985 e 2022; a agricultura, sobre 41,9 milhões de hectares.

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Estes dados fazem parte da análise inédita feita pelo MapBiomas a partir da sua mais recente coleção de dados de uso e cobertura da terra, cobrindo o período entre 1985 e 2022, lançada nesta quinta (31/08), em evento em Brasília transmitido pelo YouTube. “O avanço do agronegócio sobre a vegetação nativa está por toda parte e temos um evidente descontrole desse processo”, disse o Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, durante o lançamento da coleção. Proporcionalmente à vegetação existente em 1985, os biomas que mais perderam vegetação nativa até 2022 foram o Cerrado (25%) e o Pampa (24%).

Estamos nos distanciando, em vez de nos aproximar do objetivo de proteger a vegetação nativa brasileira previsto no Código Florestal e do compromisso de zerar o desmatamento até o final desta década

Tasso Azevedo
Coordenador geral do MapBiomas

Os dados desde 1985 até 2022, por sua vez, mostram uma perda de 96 milhões de hectares de vegetação nativa – uma área equivalente a 2,5 vezes a Alemanha. A proporção de vegetação nativa no território caiu de 75% para 64% no período. De acordo com o MapBiomas, “de tudo que foi antropizado em cinco séculos no país, 33% foram antropizados, ou seja, convertidos para algum uso humano, como cidades ou atividades agropecuárias, nos últimos 38 anos”. Esse processo se deu mais fortemente na Amazônia e Cerrado, onde 52 milhões de hectares (equivalente à área da França) e 31,9 milhões de hectares foram antropizados nesse período.

Nos primeiros seis meses de 2023, o desmatamento subiu 21% no Cerrado, de acordo com os dados do Sistema Deter, Inpe, ampliando a devastação que já vinha em alta durante todo o governo Bolsonaro. O Cerrado perdeu 4.408 km² de vegetação – o índice mais alto já registrado pelo Deter no bioma. Em relação ao fogo, o Cerrado registrou 639 mil hectares de área queimada no primeiro semestre de 2023 – o que representou 30% sobre o total de área queimada no país e um aumento de 2% em comparação com o mesmo período de 2022.

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Na apresentação, Tasso Azevedo também destacou que a perda de vegetação nativa no Brasil entrou num ritmo mais acelerado nos últimos 10 anos; 2013, primeiro ano deste período foi marcado pelo começo da vigência do novo Código Florestal. “Analisando a evolução anual da perda de cobertura de vegetação nativa agrupadas em períodos de 5 anos desde 1992, quando foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, o período de maior perda foi aquele imediatamente antes da aprovação do Código Florestal em 2012. Mas desde então a perda se acelerou ainda mais, com aumento do desmatamento”, explicou o coordenador do MapBiomas.

A análise das imagens de satélite mostra que no período de 5 anos antes da aprovação do Código Florestal (2008-2012) houve uma perda de 5,8 milhões de hectares. Nos cinco anos seguintes à aprovação do código (2013-2018), a perda aumentou para 8 milhões de hectares. Nos últimos 5 anos (2018-2022), alcançou 12,8 milhões de hectares, um aumento de 120% em relação a 2008-2012. “Estamos nos distanciando, em vez de nos aproximar do objetivo de proteger a vegetação nativa brasileira previsto no Código Florestal e do compromisso de zerar o desmatamento até o final desta década”, acrescentou Azevedo.

Perda de vegetação nativa por bioma (Arte: MapBiomas)
Perda de vegetação nativa por bioma (Arte: MapBiomas)

O avanço da agropecuária

O avanço da agropecuária pode ser constatado em todos os biomas brasileiros entre 1985 e 2022, com exceção da Mata Atlântica, o bioma mais desmatado do país, onde os dois terços do território ocupados por essas atividades permaneceram estáveis. No Cerrado, as atividades agropecuárias agora ocupam metade do bioma (50%); eram 34% em 1985. Na Amazônia, a área ocupada pelo agro saltou de 3% para 16%; no Pantanal, de 5% para 15%; no Pampa, de 29% para 44%; na Caatinga, de 33% para 40%.

De acordo com o MapBiomas, as imagens de satélite “mostram relação forte da dinâmica de ocupação de solo de agricultura e de pecuária”. Entre 1985 e 2022, 72,7% dos 37 milhões de hectares do crescimento da área de agricultura no Brasil se deram sobre áreas já antropizadas, especialmente pastagens. Apenas 27,3% das áreas convertidas para lavoura temporária são provenientes de vegetação nativa, com destaque para o Pampa, a fronteira da Amazônia com Cerrado e a região do Matopiba. No caso da pastagem, a situação é oposta: mais da metade (55,8%) das áreas convertidas para pasto são provenientes de vegetação nativa. Foram 64 milhões de hectares de vegetação nativa convertidas para pastagens. Outros 5,4 milhões de hectares (mais do que o estado do Rio de Janeiro) foram convertidos de vegetação nativa para pastagem e depois para agricultura.

O avanço da agropecuária se deu prioritariamente sobre áreas de floresta. De todas as classes de vegetação nativa analisadas pelo MapBiomas, a formação florestal foi a que mais perdeu em área: 58,6 milhões de hectares foram suprimidos no período. Se em 1985 as formações florestais respondiam por 68% do território nacional, em 2022 esse percentual caiu para 58%. Em seguida, vem a formação savânica, que perdeu 28,9 milhões de hectares – uma queda de 22% em relação a 1985.

Atualmente, dois novos arcos do desmatamento se destacam em pólos de forte expansão agrícola: no oeste da Amazônia, a fronteira entre Amazonas, Rondônia e Acre, conhecida como Amacro, onde o uso agropecuário aumentou 10 vezes nos últimos 38 anos, chegando a 5,3 milhões de hectares, que equivalem a 21% da área do território; e no nordeste do Cerrado, o Matopiba, na fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde a agropecuária aumentou 14 milhões de hectares, chegando a 25 milhões de hectares em 2022, equivalentes à 35% do território.

O novo conjunto de dados de cobertura e uso da terra do MapBiomas destaca ainda o avanço da cultura de soja em todos os biomas. Entre 1985, essa cultura passou de 4,5 milhões de hectares para 39,4 milhões de hectares em 2022 – área comparável a duas vezes o território do Paraná. A soja avançou 3,1 milhões de hectares no Pampa, 18 milhões de hectares no Cerrado, 5,8 milhões de hectares na Amazônia e 8 milhões de hectares na Mata Atlântica.

No caso do Pampa, ela está mudando o perfil econômico do bioma, que historicamente, assim como o Pantanal, sempre teve a pecuária sobre campos nativos como a principal atividade rural. “O Pantanal e o Pampa são exemplos de biomas naturalmente aptos para a pecuária, pois seus campos são como pastagens naturais. Nos dois casos, o avanço da soja representa uma degradação do bioma”, alertou Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

Tasso Azevedo chamou a atenção ds dados de água e campos alagados no bioma Pantanal. Em 1985 o Pantanal tinha 47% de água e campos alagados; na última cheia, em 2018, a inundação alcançou 36% do bioma e, em 2022, apenas 12% do bioma foram mapeados como água e campos alagados. “Estamos acompanhando uma mudança significativa do bioma que terá profundos impactos na região”, afirmou. “O Brasil é um país com intensa transformação do território. Essas mudanças trazem impactos significativos em temas chave para o bem estar como emissões e remoções de gases de efeito estufa, a conservação da biodiversidade e a regulação do regime de chuvas”, acrescentou Azevedo.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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