Como já virou moda no Brasil desconsiderar parecer técnico, três paraísos naturais estão sob ameaça no governo Bolsonaro. Se depender da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, a Área de Proteção Ambiental em seu entorno e a Reserva Biológica do Atol das Rocas vão se transformar em campos de petróleo e gás, com plataformas brotando como ervas daninhas.
O Instituto Chico Mendes de Conversação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ibama foram contrários a inclusão dessas áreas marinhas na 17ª Rodada da ANP, mas o governo ignorou solenemente. O leilão dos 92 blocos, que abrange uma área de 53,93km2, está previsto para ocorrer em outubro. Além de controverso, o avanço da exploração de óleo e gás na costa brasileira vai de encontro a transição de uma economia de baixo carbono para enfrentar a emergência climática.
[g1_quote author_name=”Parecer do ICMBio” author_description=”Parecer do ICMBio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É temerária a inclusão dos blocos exploratórios da bacia Potiguar devido a sua proximidade à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional de Noronha
[/g1_quote]Por serem áreas de reprodução e corredor migratório de espécies, o próprio ICMBio expressou em um trecho do seu parecer técnico: “É temerária a inclusão dos blocos exploratórios da bacia Potiguar devido a sua proximidade à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional de Noronha”. Ainda segundo o mesmo parecer técnico, tanto as atividades exploratórias quanto um eventual acidente poderiam causar danos irreparáveis à diversidade biológica desses ecossistemas.
Há exatos seis meses, o país ainda se recuperava de uma vazamento de cinco mil toneladas de óleo, que se espalhou pelas praias do Nordeste de nove estados, sendo dois deles no Sudeste – Rio de Janeiro e Espírito Santo. Pouco mais de 130 municípios foram atingidos. Ficou claro naquele episódio a total ineficiência do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para lidar com o problema. “Vivemos uma situação bastante frágil do ponto de vista do monitoramento dessa atividade e da contenção”, lembra o biólogo Alexandre Turra, professor da USP e responsável pela cátedra de Sustentabilidade dos Oceanos na Unesco.
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Veja o que já enviamosEm caso de um eventual vazamento na Bacia Potiguar, o óleo poderá atingir a costa Norte do país, a partir do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, e afetar áreas que são muito sensíveis e ricas em corais e manguezais. Além do fato de impactar negativamente o turismo e, consequentemente, populações tradicionais que dependem de um ambiente saudável naquela região para sobreviver
[/g1_quote]“Em caso de um eventual vazamento na Bacia Potiguar, o óleo poderá atingir a costa Norte do país, a partir do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, e afetar áreas que são muito sensíveis e ricas em corais e manguezais. Além do fato de impactar negativamente o turismo e, consequentemente, populações tradicionais que dependem de um ambiente saudável naquela região para sobreviver”, avalia Turra, defendendo que é preciso liberar essas atividades com “muito zelo, cuidado e precaução”.
Levantamento do ICMBio incluí uma lista extensa de 100 espécie que estariam sob risco, entre aves, répteis, invertebrados, mamíferos e peixes, das quais em torno de 60 espécies ameaçadas, como albatrozes, tubarões e raias, tartarugas marinhas e corais. “As consequências de um acidente ou mesmo de um crime ambiental podem ser devastadoras para essas áreas marinhas”, salienta Turra, comentando que o país tem direito de explorar o que chamamos de Amazônia Azul, um território de 5,7 milhões de km2, que engloba o mar territorial, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental jurídica. “Mas também é obrigação do país selar por essas áreas marinhas”.
Apesar do parecer técnico em contrário, a ANP se valeu exclusivamente de uma avaliação conjunta do MMA e do Ministério de Minas e Energia (MME) em detrimento do arcabouço regulatório, dado que o Ibama recomenda a realização de avaliações ambientais antes da realização do leilão.
Além de ignorar parecer técnico, o governo vem se mobilizando para enfraquecer simultaneamente o ICMBio e o Ibama. Três meses antes do anúncio da 17ª Rodada da ANP, em outubro último, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir a fusão dos dois órgãos. Como essa decisão, o governo conseguiria num só tacada enfraquecer, simultaneamente, o ICMBio e o Ibama.
Na avaliação do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), o argumento da ANP para liberar a exploração nessas áreas infringe a portaria 198 assinada, pelo MME e o MMA, em 2012. “O que se observa é que a posição dos técnicos do ICMBio referente ao alto risco de inclusão da bacia Potiguar e o parecer do Ibama foram totalmente desconsiderados e que a substituição das avaliações ambientais (AAAS) por um parecer conjunto do MME e do MMA deixa a ANP inteiramente à vontade para executar as políticas de venda às empresas privadas”, alerta nota técnica divulgada pelo Instituto Araraya.