Dez mil bebês mortos. Está escrito assim para chamar mais a atenção para a tragédia: são 10 mil filhotes de pinguins mortos somente no fim de 2022 em quatro colônias no Mar de Bellingshausen, na Antártica, de acordo com os cálculos de pesquisadores que acompanham colônias desses pássaros por satélite. O relato científico dessa catástrofe – ambiental, climática, humanitária – foi publicado na revista Communications Earth & Environment: devido ao degelo mais rápido provocado pelo aquecimento global, o gelo marinho sob os filhotes derreteu e se partiu antes que eles pudessem desenvolver as penas impermeáveis necessárias para nadar no oceano.
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Os autores do artigo explicam que os pequenos pássaros provavelmente morreram afogados ou congelados. “Os pinguins imperadores dependem do gelo marinho para o seu ciclo reprodutivo; é a plataforma estável que usam para criar os seus filhotes. Mas, se esse gelo não for tão extenso como deveria ser ou se quebrar mais rapidamente, estas aves estarão em perigo”, explicou o geógrafo Peter Fretwell, do British Antarctic Survey, em entrevista à BBC, ainda impactado pela descoberta. “Isso é totalmente sem precedentes. Nunca vimos isso antes”.
Os cientistas rastrearam cinco colônias – Ilha Rothschild, Verdi Inlet, Ilha Smyley, Península Bryan e Pfrogner Point – no setor do Mar de Bellingshausen, localizado a oeste de uma longa península que se estende ao norte da Antártida Ocidental. Os pinguins imperadores adultos saltam para o gelo marinho por volta de março, à medida que o inverno no Hemisfério Sul se aproxima. Eles se reproduzem ali: chocam os ovos e alimentam seus filhotes durante os meses seguintes, até chegar a hora de as crias abrirem seu próprio caminho no mundo, o que acontece por volta de dezembro/janeiro, quando as novas aves se dirigem para o oceano.
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Veja o que já enviamosEm novembro passado, entretanto, o gelo marinho sob as colônias de imperadores se fragmentou em novembro, antes de milhares de crias terem tido tempo de libertar as penas escorregadias necessárias para nadar. Em dezembro, das cinco colônias acompanhadas por satélite pelos cientistas, apenas uma ainda tinha gelo e pinguins. “Quando o gelo marinho se rompe mais cedo, os filhotes tendem a cair na água e se afogar” disse Norman Ratcliffe, coautor do estudo e biólogo de aves marinhas do British Antarctic Survey, em entrevista à CNN. “Ou eles podem se afastar em banquisas e os adultos simplesmente perdê-los: então, eles morreriam de fome e frio”, acrescentou. Os pinguins desta região sofreram “uma perda enorme”, acentuou Ratcliffe, chamando as descobertas de “um sinal de alarme precoce”.
As colônias do Mar de Bellingshausen representam apenas uma pequena proporção – cerca de 4% – da população total reprodutora de pinguins-imperadores, de acordo com o estudo. Os pesquisadores estimam que 19 das 62 colônias conhecidas do continente possam ter sofrido “um fracasso reprodutivo” parcial ou total em 2022. “Essas colônias são pequenas, mas minha preocupação é que isso seja um indicador do que está por vir mais ao sul, onde ainda parece haver um reduto da espécie”, disse Michelle LaRue, bióloga conservacionista da Universidade de Canterbury, em Nova Zelândia, entrevistada pela Scientific American. “Temos visto a diminuição do gelo marinho nos últimos anos e, portanto, o fato de as colónias de pinguins-imperadores estarem agora sendo afetadas faz sentido. Mas isso acontecer em vários locais ao mesmo tempo é preocupante e eu, talvez ingenuamente, não pensei que seriam afetados tão rapidamente”, lamentou a bióloga.
Os cientistas climáticos notaram que os níveis de gelo marinho da Antártica aumentaram ligeiramente entre 1980 e meados da década de 2010. Desde então, só houve recuos e o gelo marinho do verão antártico tem sofrido uma queda acentuada a partir de 2016, com a área total de água congelada em todo o continente diminuindo para novos mínimos recordes. No último verão aqui no Hemisfério Sul, a cobertura de gelo caiu para mínimos sem precedentes em fevereiro. Mesmo no auge do inverno, quando o gelo normalmente se acumula novamente, ele ainda não voltou aos níveis esperados. Em meados de julho, o gelo marinho da Antártida atingiu o nível mais baixo para esta época do ano desde que os registros começaram em 1945 – estava 2,6 milhões de quilômetros quadrados abaixo da média de 1981 a 2010.
Peter Fretwell teme que “o fracasso reprodutivo catastrófico”, como a tragédia foi descrita no estudo científico seja um prenúncio do que está por vir. Até agora a época reprodutiva de 2023 não parece mais promissora para os pobres pinguins imperadores: os níveis de gelo marinho são agora ainda mais baixos do que os mínimos recordes do ano passado, sugerindo que as crias de pinguins também enfrentarão condições difíceis este ano. Cientistas preveem que mais de 90% das colônias de pinguins-imperadores estarão praticamente extintas até ao final do século, à medida que o gelo marinho do continente vai desaparecendo em um planeta cada vez mais quente.
De acordo com o geógrafo do British Antarctic Survey e seus colegas cientistas, os pinguins imperadores já vêm sentindo os impactos desta mudança nas condições climáticas nos últimos anos. Entre 2018 e 2022, cerca de um terço das mais de 60 colônias conhecidas de pinguins-imperador foram afetadas de alguma forma pela diminuição da extensão do gelo marinho – quer se trate da formação de gelo no final da temporada ou da quebra mais cedo. O desaparecimento do gelo marinho, como aponta outro estudo recente, não afetará apenas os pinguins. Coloca outras espécies em risco, incluindo as focas, que dependem do gelo marinho para se alimentar e descansar, bem como os microrganismos e algas que alimentam o krill que, por sua vez, são vitais para a dieta de muitas das baleias da região.
Os pinguins-imperadores (Aptenodytes forsteri), atualmente, são classificados como “Quase Ameaçados” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), organização que mantém as listas dos animais mais ameaçados da Terra. Foi feita uma proposta para elevar os imperadores à categoria mais urgente de “Vulneráveis” devido ao perigo que o aquecimento climático representa para o seu modo de vida. “Há esperança: podemos reduzir as nossas emissões de carbono que estão causando o aquecimento. Mas, se não o fizermos, conduziremos estas belas e icônicas aves à beira da extinção”, destacou Fretwell na entrevista à BBC.