O “Wellcome Trust” é um dos maiores fundos de investimento em pesquisas médicas do mundo. Ele foi criado em 1936, em Londres, como um dos legados do magnata da indústria farmacêutica Sir Henry Wellcome, da GlaxoWellcome, que depois virou GlaxoSmithKline. O patrimônio é da ordem de R$ 110 bilhões e, nessa área de atuação, eles só perdem para a igualmente poderosa Fundação Bill & Melinda Gates. No seu site, quando falam em missão e valores, dizem que o objetivo é “alcançar melhorias extraordinárias na saúde, apoiando as mentes mais brilhantes do mundo”. Perfeito.
Mas onde será que um fundo tão antigo, com tanto dinheiro e valores tão meritórios aplica o seu dinheiro? Petróleo, carvão e gás. É isso mesmo. Um dos maiores investidores em saúde do mundo aplica parte do seu dinheiro em ações e negócios de algumas das empresas mais sujas e poluentes do planeta. Em 2015, de acordo com o jornal inglês “The Guardian”, eles venderam a participação que tinham na Shell, no valor de R$ 850 milhões. No entanto, aumentaram em 12% o número de ações da BP, antiga “British Petroleum”, em 25% da mineradora Rio Tinto e em 35% da BHP Billiton, aquela que é sócia da Vale na Samarco e uma das responsáveis pela tragédia de Mariana.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Há dois anos, uma pesquisa divulgada no Fórum Econômico Mundial, em Davos, mostrou que a procura por carvão cresceu dez vezes mais do que a de energias renováveis. Já a Agência Internacional de Energia prevê que o consumo de gás natural aumentará em 50% até 2020
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Veja o que já enviamosPara tornar essa história mais interessante, no mesmo site que fala em valores e objetivos é possível ver a “Wellcome Trust” afirmando que “as mudanças climáticas são um dos maiores desafios contemporâneos para a saúde global”. Então, qual seria a razão para essa aparente demonstração de incoerência? É simples. Apesar de tudo, investir em combustíveis fósseis continua sendo um ótimo negócio. Mesmo com o barril de petróleo custando menos de US$ 30 e com a crise financeira afetando a demanda mundial, as multinacionais do setor seguem faturando como nunca.
Na verdade, o novo valor do combustível aqueceu o mercado e tornou desigual a competição com as fontes de energia renovável. Com exceção de Venezuela e Rússia, os demais países produtores não têm muito do que reclamar. No Brasil, a exploração do pré-sal fica cada dia menos viável, mas a Petrobras ganha com a defasagem nos preços. Desta vez a seu favor.
Há dois anos, uma pesquisa divulgada no Fórum Econômico Mundial, em Davos, mostrou que a procura por carvão cresceu dez vezes mais do que a de energias renováveis. Já a Agência Internacional de Energia prevê que o consumo de gás natural aumentará em 50% até 2020. Com isso, a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial continuará rondando a casa dos 85% e tornando cada vez mais distante o sonho de uma economia de baixo carbono. Precisamos mudar essa lógica.
Se um fundo respeitado como o “Wellcome Trust”, que há 80 anos investe na melhoria da saúde mundial, continua aplicando os seus recursos em combustíveis fósseis, o que dizer de outros menos confiáveis que buscam o lucro hoje, a qualquer custo, e não estão preocupados com detalhes como saber se teremos ou não amanhã? Esta semana, no Fórum Econômico que acontece em Davos, na Suíça, um executivo do setor de seguros estimou o custo anual dos desastres naturais que vêm sendo agravados pelas mudanças climáticas: R$ 700 bilhões. Quem vai pagar essa conta?
Há menos de dois meses, em Paris, 195 chefes de estado comemoravam a assinatura de um acordo histórico que prevê a limitação do aquecimento global em torno de 1,5ºC. Em nome do consenso possível, um item fundamental ficou fora do documento final. O que estabelecia a taxação das emissões de carbono. Com o ele, o compromisso assumido ganharia contornos mais claros e poderia ser considerado alcançável. Sem ele, só nos resta contabilizar o valor das palavras.