Por Henrik Selin e Adil Najam (*)
Após quatro anos de trabalho de parto, o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas nasceu no último sábado. Sua muito antecipada vinda à luz foi rapidamente seguida por copiosas autocongratulações dos muitos pais reunidos numa sala em que quase todos explodiam de orgulho e alegria.
Louvor a recém-nascidos deve ser temperado com um grão de sal. “Histórico” é uma palavra muito batida e uma “nova era” não se inicia toda vez que burocratas passam algumas noites em claro. Apesar disso, o que nasceu em Paris claramente marca uma nova direção para a cooperação global sobre o clima.
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Veja o que já enviamosDesejamos felicidades ao recém-nascido, mas após alguma reflexão, torna-se claro que o Acordo de Paris é motivo tanto de esperança quanto de cautela. Alguns desdobramentos políticos são bons e bem-vindos. Outras mudanças são más. E algumas omissões propositais podem ser muito feias.
O bom: mudança climática volta ao centro
O Acordo de Paris sinaliza que a mudança climática está de volta ao centro da agenda política global, pelo menos por enquanto. Um imenso peso foi retirado das costas dos muitos delegados que, nos últimos seis anos, lutavam para se recuperar do fiasco de Copenhague em 2009. A tristeza de Copenhague foi substituída pela euforia de Paris. Os hóspedes franceses merecem muito crédito.
As duas semanas que precederam o nascimento do tratado ajudaram a injetar vida nova e muito necessária no processo multilateral de formular uma estratégia global para mudanças climáticas, mitigação e adaptação. Uma participação sem precedentes de líderes mundiais, incluindo os presidentes dos EUA, Barack Obama, e da China, Xi Jinping, além de outros chefes de Estado, ajudou a dar o tom que permitiu aos delegados nacionais adotarem os compromissos necessários.
O Acordo de Paris significa um muito bem-vindo retorno ao multilateralismo. Grande parte da conferência foi agradavelmente transparente; a tentativa de ser inclusiva foi honesta. Como resultado, uma nova ambição coletiva – “deter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC acima dos níveis da era pré-industrial e fazer esforços para limitar o aumento da temperatura a 1.5ºC sobre os níveis pré-industriais” – foi incluída no texto.
Um dos pontos altos de Paris foi a participação quase universal e a aceitação de responsabilidades. É um enorme progresso em relação ao Protocolo de Kyoto, de 1997, que exigiu apenas mitigação de um número limitado de países industrializados, responsáveis pela maior carga de emissões em termos históricos. É também um importante passo à frente em relação ao Acordo de Copenhague, de 2009. Sob ameaça de fracasso total, ele foi fechado freneticamente por um pequeno grupo, deixando a maioria dos países marginalizada.
O mau: vago e incerto
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, de 1992, estabeleceu uma ampla estrutura legal para cooperação global para a qual acordos futuros deveriam contribuir, tornando-a mais específica. Paris nada fez a respeito.
Em vez disso, o novo acordo introduziu um novo, e preocupante, modelo de voluntárias “contribuições nacionais determinadas” pelos governos. Muitos dos resultados deverão ser obtidos através da mágica dos mercados e de tecnologia revolucionária ainda não disponível comercialmente.
Por diferentes razões, este novo modelo de medidas nacionais voluntárias se ajusta aos interesses de muitos atores-chave, incluindo Estados Unidos, China e Índia. Ele deixa o cronograma futuro de redução real de emissões nas mãos dos maiores poluidores, sem um sistema coletivo para exigir que, individualmente, os países cumpram metas claras.
O sucesso do sistema depende demais da boa vontade dos líderes mundiais. Muitos governantes que investiram capital político para tornar o Acordo de Paris uma realidade – por exemplo, o presidente Barack Obama – não estarão no cargo para supervisionar sequer sua implementação inicial. O interesse daqueles que os sucederão não está assegurado.
O feio: sem garantia não há compromisso
Em ambas as questões que mais importam – redução de emissões e investimentos – não há metas numéricas explícitas para cada país, nem mecanismos significativos para assegurar que sejam cumpridas.
O Acordo de Paris não ousa usar, em qualquer parte, as palavras “garantia” ou “compromisso”. Tão avesso é o acordo a qualquer coisa que pareça obrigatório que seu anúncio foi adiado até o último minuto porque os EUA insistiram em substituir a palavra “shall” (indicativa de futuro, como deverá) por “should” (indicativo de condicional, como deveria) em relação à responsabilidade dos países industrializados para mitigar os efeitos da mudança climática.
O resultado é um instrumento repleto dos sons e a da fúria das boas intenções, mas pouco mais que isto. É reconfortante, por exemplo, que tenha adotado a meta de 1,5º C. Mas não incorporou qualquer indicação de como isto poderá ser alcançado. O que está no papel sugere que não será. Da mesma forma, é bom que o Artigo 7, sobre adaptação à mudança climática (perene preocupação dos países em desenvolvimento) esteja entre os mais longos do texto. Mas não há nada concreto nesta seção, especialmente sobre o apoio financeiro.
A inclusão da expressão “perdas e danos” para lidar com custos potencialmente irreversíveis da mudança climática em países em desenvolvimento vulneráveis (Artigo 8) é um passo na direção correta. Mas o capítulo Decisão, anexado ao Acordo, deixa claro que o artigo “não envolve ou provê uma base para qualquer responsabilização ou compensação” (Parágrafo 52).
O resultado torna necessário que continuemos falando sobre as mesmas questões que temos repetido já por cerca de um quarto de século. Enquanto isso, a realidade da mudança climática piora.
(*) Henrik Selin, professor da Faculdade de Estudos Globais Frederick S. Pardee da Universidade de Boston
(*) Adil Najam, reitor da Faculdade de Estudos Globais Frederick S. Pardee da Universidade de Boston
(*) Tradução: Trajano de Moraes