(Claudio Angelo* – Bonn) – Diplomatas de 196 países estão reunidos em Bonn, Alemanha, para a primeira rodada de negociações da COP28, a conferência do clima de Dubai. Em meio a uma agenda técnica cada vez mais arcana, de cuja complexidade até os presidentes da sessão reclamaram, uma questão política principal tende a ganhar espaço: precisamos falar sobre petróleo.
A COP28 não apenas ocorrerá num país cuja economia depende quase totalmente de óleo e gás, mas ela também será presidida por um executivo do setor: Sultan Al-Jaber, CEO da Adnoc, a estatal de petróleo dos Emirados Árabes Unidos. Ele vem tendo sua legitimidade questionada por políticos, ambientalistas e acadêmicos, que apontam conflito de interesses.
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A controvérsia sobre a neutralidade da presidência foi lembrada, ainda que muito obliquamente, pelo secretário-executivo da Convenção do Clima, Simon Stiell, na plenária de abertura do encontro de Bonn. “Há uma tensão entre interesse nacional e o bem comum global. Queremos que os delegados sejam corajosos e vejam que priorizar o bem comum é preservar o interesse nacional”, afirmou.
Al-Jaber já declarou que a COP precisa decidir pela “eliminação gradual das emissões de combustíveis fósseis”, o que na prática significa continuar usando óleo, gás e carvão mineral, desde que acompanhados de CCS (captura e armazenamento de carbono), algo que especialistas afirmam não ser possível fazer em grande escala e ambientalistas chamam de greenwash. Para pagar de moderno, o executivo vem defendendo a adoção de metas ambiciosas de instalação de energias renováveis: 1,5 terawatt/ano até 2030.
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Veja o que já enviamosO discurso não tem colado. No final de maio, uma centena de parlamentares dos EUA e da União Europeia pediram a cabeça de Al-Jaber numa carta a Joe Biden e a Ursula Van Der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Embora o pleito tenha zero chance de prosperar, por questões de soberania nacional – a ONU jamais se mete nas decisões dos países – a pressão sobre o país-sede tende a trazer à luz o papel do lobby petroleiro nas COPs. No ano passado, no Egito, mais de 600 lobistas do setor participaram da COP27, uma quantidade de pessoas maior que a maioria das delegações nacionais.
As ONGs, representadas pela rede internacional Climate Action Network, iniciaram em Bonn uma campanha para que a decisão da COP28 contenha a menção explícita à eliminação de todos os fósseis. Na primeira edição de Bonn de seu boletim, Eco, a CAN defendeu uma eliminação (phase-out) com quatro Fs: fast, full, fair e funded (rápida, completa, justa e financiada).
A menção à eliminação dos combustíveis fósseis está atravessada na garganta dos ambientalistas desde Glasgow, em 2021. No encerramento da COP26, por pressão conjunta de EUA, China e Índia, a frase foi eliminada da chamada decisão de capa, um preâmbulo político às deliberações técnicas. Os indianos levaram a má fama por terem sido os porta-vozes do acordo na plenária final. No ano passado, no Egito, a mesma Índia tentou reverter o desastre de relações-públicas e defendeu a inclusão do phase-out, mas, sabe como é, o Egito não era exatamente o melhor lugar para falar de eliminação de fósseis. A decisão foi adiada mais uma vez.
Agora, na COP28 em Dubai, o movimento ambientalista decidiu ir com tudo para cima dos fósseis, após uma vitória no ano passado em relação à inclusão do financiamento às perdas e danos climáticos na agenda da COP27.
Labirinto climático
Do ponto de vista técnico, as conversas em Bonn refletem o matagal impenetrável no qual se transformou a Convenção do Clima após o fechamento do livro de regras do Acordo de Paris, em 2021. Os coordenadores da sessão de Bonn, o holandês Harry Vreeuls e o paquistanês Nabil Munir, notaram que o número de eventos de negociação em Bonn é “sem precedentes” e será impossível não ter várias discussões acontecendo ao mesmo tempo – o que é um desafio especialmente para os países pobres, que têm delegações menores e precisam acompanhar tudo.
As principais discussões giram em torno de três temas: o financiamento para perdas e danos climáticos, maior resultado da COP27, que agora precisa ganhar substância; o Balanço Global (Global Stocktake), a avaliação da ambição coletiva (ou falta dela) que precisa ser apresentada na COP28, em Dubai; e, claro, o financiamento climático em geral. Uma nova agenda, a de transição energética justa, também está sendo debatida. Os conflitos de sempre entre países desenvolvidos e em desenvolvimento atormentam todos os três.
Em perdas e danos, por exemplo, os países em desenvolvimento querem que o comitê de transição formado por determinação da COP27 avance na criação de um fundo para o tema. Os ricos, por outro lado, querem levar a conversa para o sentido mais genérico de “arranjos financeiros”, que contempla as contribuições que eles já fazem em forma de ajuda externa ao desenvolvimento.
A plenária inicial começou com mais de duas horas de atraso. Os países em desenvolvimento, com o Brasil à frente, não concordaram em inserir na agenda da reunião o Programa de Trabalho em Mitigação, criado na COP de Glasgow. Conhecido pela sigla MWP, esse programa visa a dar subsídios para aumentar a ambição das metas nacionais até 2030, período crítico para limitar o aquecimento global em 1,5oC, como determina o Acordo de Paris. É um queridinho dos europeus, mas conta com o desprezo dos países em desenvolvimento, que acusam os ricos de querer empurrar mais redução de emissões para cima dos emergentes sem colocar na mesa os recursos financeiros para isso. De fato, mais uma vez, a briga em torno dos US$ 100 bilhões por ano que os países ricos prometeram em Paris e nunca cumpriram vem azedando a conversa.
Enquanto isso, o planeta esquenta e eventos extremos assolam ricos e pobres, mas fazendo mais estrago nas populações pobres de todas as nações. “Lembrem-se de que a melhor ciência disponível não arbitra quem precisa fazer o que e quem tem responsabilidade pelo quê”, disse Stiell.
*Claudio Angelo é jornalista e coordenador de Comunicação do Observatório do Clima