Milton: mais um furacão incomum de uma temporada bizarra

Enquanto a Flórida conta vítimas e prejuízos, meteorologistas afirmam que crise climática torna eventos extremos cada vez mais imprevisíveis

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 11 de outubro de 2024 - 11:22 • Atualizada em 15 de outubro de 2024 - 10:16

Ventos, chuva e ondas provocados por Milton atingem a costa da Flórida: Milton: mais um furacão incomum de uma temporada bizarra, provocada pela crise climática (Foto: Bryan R. Smith / AFP)

Incomum, estranho, bizarro, inusitado, anômalo, atípico, anormal: meteorologistas e climatologistas estão ficando sem adjetivos para os furacões desta temporada – e da própria temporada – após a passagem de Milton, que passou da categoria 1 (ventos até 150 km/h) para a categoria 5 (ventos acima de 250km/h) em menos de 10 horas, e tocou o solo no estado da Flórida na categoria 3, com ventos de 200 km/h, deixando um rastro de destruição provocado por tempestades, enchentes e tornados, além da força dos ventos.

Os tornados que vimos se desenvolver com Milton foram realmente meio que supercarregados em comparação aos tornados típicos que você vê em um ambiente de furacão. Esses tornados tinham vida mais longa. Eles eram mais poderosos. Havia mais deles

Michael Brennan
Diretor do National Hurricane Center (EUA)

Foi o terceiro furacão em 2024 a atingir o estado, que, na manhã, desta sexta, ainda contava os estragos: pelo menos 16 mortos, quase 100 feridos e mais três milhões de imóveis (residências, lojas e empresas) sem energia, e rodovias, pontes e aeroportos sendo reabertos. Há duas semanas, o furacão Helene – também considerado atípico pela quantidade de chuva e pela longa distância percorrida – deixou 20 mortos na Flórida; foram mais de 230 vítimas fatais na passagem do tempestade que atingiu outros cinco estados.

A água quente do Golfo do México alimentou uma intensificação incrivelmente rápida do furacão Milton, explicou o meteorologista Phil Klotzbach, pesquisador de furacões da Universidade do Colorado, ao explicar o alarme causado pela aceleração do furacão que tocou o solo na Flórida na noite de quarta-feira (09/10).

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Dois dias antes, Milton havia passado da categoria 1 para a categoria 5, surpreendendo os especialistas – foi a primeira vez que uma tempestade atingiu esta categoria na fase final da temporada – a temporada de furacões começa no início de junho e vai até o fim de novembro, com o pico entre final de agosto e final de setembro. Na sua trajetória até a costa oeste da Flórida, em dois dias, Milton baixou para a categoria 4, voltou para 5 e enfraqueceu um pouco até 3 ao tocar o solo. Milton foi rebaixado à categoria 1 ao atravessar à Flórida – 11 horas depois o furacão já havia cruzado o estado e estava sobre o Atlântico.

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A aceleração relâmpago e a época para um tempestade tão violenta não foram as únicas características inusitadas do furacão. O caminho percorrido por Milton, para o leste através do Golfo do México, é tão incomum que a tempestade comparável mais recente foi em 1848. A cidade de Tampa, a área metropolitana mais populosa em seu caminho geral, não foi atingida diretamente por uma grande tempestade em mais de 100 anos – Milton tocou o solo em Siesta Key, 80 quilômetros ao sul de Tampa. O caminho “não é inédito, mas é bastante raro”, disse à agência AP o climatologista Brian McNoldy, pesquisador de furacões na Universidade de Miami. “E daqueles que fizeram esse caminho, este é de longe o mais intenso”, acrescentou.

Autoridades dessa área da costa oeste da península da Flórida temiam a força de Milton já que moradores da região não tinham experimentado uma tempestade desse tipo. “É um furacão incomum de várias maneiras. E vai trazer muita chuva “, disse o cientista climático da Universidade de Princeton, Gabriel Vecchi, em entrevista a uma emissora de TV pouco antes de Milton atingir o solo. “Esta tempestade provavelmente será muito diferente de qualquer tempestade que alguém já tenha experimentado na costa oeste da Flórida”. Geralmente, as tempestades no Golfo do México começam no leste e vão para o oeste ou mais para o norte (como Helene), mas Milton seguiu diretamente para o leste, para atingir diretamente a costa oeste da Flórida e atravessar a península onde fica o estado.

A cientista atmosférica Kristen Corbosiero destacou que as mudanças climáticas estão direcionando grandes tempestades de forma diferente. “Com mais tempestade e cada vez mais fortes tempestades, as chances de um grande furacão atingir os EUA aumentam”, afirmou a pesquisadora da Universidade de Albany à PBS. “As águas do Golfo do México estão anormalmente quentes – o combustível para furacões como Milton está lá”, acrescentou. Kristen Corbosiero também disse ser totalmente incomum esta trajetória para uma tempestade tão poderosa, especialmente em outubro, quando há menos tempestades fortes no Golfo e as furacões mais terríveis são registrados no Caribe.

Quanto mais quentes ficamos, pior isso vai ficar”, disse Bernadette Woods Placky. “Há uma conexão direta entre os danos que estamos vendo em comunidades por toda parte e a quantidade de gases de efeito estufa que colocamos na atmosfera

Bernadette Woods Placky
Meteorologista-chefe da Climate Matters

O furacão Milton se formou na Baía de Campeche, no sudoeste do Golfo do México. Por um tempo, os meteorologistas não acreditavam que aquela massa de ar instável fosse se transformar em uma tempestade tropical – muito menos em um furacão de categoria 5. Mas, explicaram os especialistas, foi impulsionado pela água quente e conseguiu evitar ventos cruzados de alto nível, que geralmente cortam a força de tempestades, especialmente no outono. À medida que Milton se aproximou da Flórida, o furacão atingiu esses ventos, chamados de cisalhamento, que reduziram sua força.

Além da aceleração incomum, da trajetória estranha e da quantidade de água inusitada, os meteorologistas também alertam para a quantidade anormal de tornados provocados pelo furacão Milton. “Os tornados que vimos se desenvolver com Milton foram realmente meio que supercarregados em comparação aos tornados típicos que você vê em um ambiente de furacão”, disse o diretor do National Hurricane Center, Michael Brennan, à CNN na quinta-feira (10/10). “Esses tornados tinham vida mais longa. Eles eram mais poderosos. Havia mais deles”, acrescentou.

As cinco primeiras mortes confirmadas na Flórida foram provocadas por um destes tornados que se espalharam pelo estado – ele se formou na costa leste, no Condado de St. Lucie há quase 250 quilômetros do local, no litoral oeste, onde Milton tocou o solo. O Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA emitiu mais de 100 alertas de tornado no esforço para manter a população segura e evitar vítimas já que os tornados pipocaram em pontos da Flórida onde não estavam previstos maiores impactos do furacão e não houve ordens de evacuação, como em St. Lucie.

Bombeiro em trabalho de resgate na cidade alagada de Clearwater, no litoral oeste da Flórida: pelo menos 16 mortos, dezenas de feridos e milhões sem energia com a passagem do furacão Milton (Foto: Bryan R. Smith)
Bombeiro em trabalho de resgate na cidade alagada de Clearwater, no litoral oeste da Flórida: pelo menos 16 mortos, dezenas de feridos e milhões sem energia com a passagem do furacão Milton (Foto: Bryan R. Smith)

Temporada estranha com furacões esquisitos

De acordo com os cientistas veteranos na observação de furacões, Milton foi apenas o mais recente sistema bizarro a aparecer do que está sendo chamada de a temporada de tempestades mais estranha em um século. Antes do início desta temporada de furacões no Atlântico, os meteorologistas disseram que tudo se alinhava para ser um ano monstruoso e movimentado, e começou assim quando Beryl foi a primeira tempestade a atingir a categoria 5 registrada.

E, depois, a região ficou surpreendentemente tranquila.. De 20 de agosto — o início tradicional da temporada de pico de furacões — a 23 de setembro, foi uma calmaria recorde. E, de repente, cinco furacões surgiram entre 26 de setembro e 6 de outubro, mais que o dobro do antigo recorde de dois para a época. Em dois dias, houve três furacões em outubro ao mesmo tempo. “Isso nunca aconteceu antes”, disse o meteorologista Phil Klotzbach, pesquisador da Universidade do Colorado, à agência AP.

Em apenas 46 horas, o furacão Milton passou de apenas uma tempestade tropical com ventos de 70 km/h para um furacão de categoria 5, com ventos de acima de 230 km/h. “Eu estava olhando para os registros do Atlântico e não há realmente nenhuma boa analogia para esta temporada, apenas o quão neurótica ela tem sido”, acrescentou Klotzbach. “E, obviamente a temporada ainda não acabou. Veremos o que aparece depois de Milton.”

Antes do início da temporada de furacões em 1º de junho, meteorologistas e especialistas do governo federal observaram os oceanos com recordes de calor e um resfriamento embrionário de La Niña em partes do Pacífico – o que deveria trazer ventos e outras condições que promovem formações de furacões. As previsões eram de uma temporada extremamente movimentada.

Quando Beryl se tornou um furacão de categoria 5 no início de julho e parecia que os prognósticos estavam certos. Mas veio agosto, já na temporada de pico, e nada de significativo aconteceu, apesar de o Golfo do México, o Caribe e partes do Atlântico registrarem temperaturas recordes ou quase recordes. Entretanto, os meteorologistas observaram que o ar também estava esquentando em um grau incomum e mais do que a temperatura da superfície do mar. A diferença entre as temperaturas da água e do ar é a mais determinante para o aparecimento dos furacões e essa diferença estava atipicamente baixa.

Também estavam tornando a temporada estranha um fenômeno climático natural que empurrou o ar de cima para baixo sobre o Atlântico, o que tornou mais difícil a formação de furacões e até a poeira do Saara estava avançando demasiadamente sobre o Atlântico e interferindo no desenvolvimento dos sistemas que poderiam se tornar furacões. “Achei encorajador que não estivéssemos vendo tantos furacões. Mesmo que isso tenha quebrado um pouco as previsões; é claro, não queremos ver essas tempestades devastadoras, disse Bernadette Woods Placky, meteorologista-chefe da Climate Matters, que analisa eventos climáticos em busca de impressões digitais de mudanças climáticas causadas pelo homem

Um mês atrás, meteorologistas e climatologistas estavam sendo obrigados a dar entrevistas para explicar as falhas nas previsão. Mas, no fim de setembro, tudo mundo: o ar superior ficou mais frio, o ar descendente se afastou e, no Golfo do México, o Giro Centro-Americano — um sistema climático abrangente e giratório — dominou a região Em duas semanas, o furacão Helene se formou – seguido por Isaac, Kirk, Leslie e agora Milton.

Helene – categoria 4 ao tocar o solo – foi uma das maiores tempestades em tamanho nas últimas décadas, reunindo mais umidade do Golfo do México e avançando para o interior até atingir as montanhas da Carolina do Norte, o que causou ainda mais chuva – e mais mortes. O golfo mais quente fez chover mais e as mudanças climáticas causadas pelo homem tornaram as águas mais quentes mais de 300 vezes mais prováveis. Quando Milton chegou, ganhou força em um ritmo ainda mais alto, quadruplicando a velocidade do vento em menos de dois dias. Milton se tornou a sétima tempestade nos últimos 20 anos a ganhar pelo menos 130 km/h na velocidade do vento em apenas 24 horas. “Quanto mais quentes ficamos, pior isso vai ficar”, disse Bernadette Woods Placky. “Há uma conexão direta entre os danos que estamos vendo em comunidades por toda parte e a quantidade de gases de efeito estufa que colocamos na atmosfera”

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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