Em uma semana, parece que um mundo de coisas mudaram dentro de mim. Neste exato momento, estou no avião em um voo interminável de onze horas de volta ao Brasil. Já adormeci e acordei tantas vezes, mas sigo em meio ao oceano atlântico. Sigo flutuando em meio às memórias da 27ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP27) e de tudo o que eu vivi no Egito enquanto jornalista, brasileira, mulher – e mulher negra.
Eu poderia adentrar em muitos destaques, recortes e vivências para compartilhar aqui, mas a verdade é que eu já embarquei para a conferência aliviada e muito feliz com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no exato dia 30 de outubro. Para nós, ambientalistas, pessoas negras, periféricas, pobres, violadas, marginalizadas e invisibilizadas pelo (des)governo Bolsonaro, foi um sinal de esperança política e cível. Foi o ápice de um Brasil, do qual sentimos saudades, que ainda está em tempo de reconstrução.
Contudo, convenhamos. Não existe mágica. Com uma democracia em xeque e uma pandemia que voltou com força, o jogo climático é uma das principais prioridades políticas, já que nos isolamos enquanto país nesta pauta. Chegar na COP27 enquanto imprensa e sociedade civil, me fez ter ainda mais convicção do quanto perdemos nos últimos quatro anos e que, fatalmente, o novo governo ainda não será suficiente para curar tais cicatrizes.
Um exemplo clássico das nossas feridas abertas foi chegar a COP27 com representações fragmentadas do Brasil. Como disse em minha última coluna, havia três estandes do nosso país que, geograficamente, se encontraram em uma mesma esquina, embora tão distantes em público, narrativas e retratação da realidade brasileira.
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Veja o que já enviamosEnquanto o pavilhão oficial vendeu a narrativa impecável de energias verdes no Brasil, os dados de desmatamento e desmantelamento das políticas ambientais nem de longe fizeram parte da programação. É como se quisessem mostrar ao mundo “que está tudo bem” por aqui a exemplo da nossa transição energética. Afinal, 85% da eletricidade produzida no país vem de fontes renováveis. O que não contaram é que, para isso acontecer, comunidades quilombolas foram deslocadas de seus campos naturais, famílias no Nordeste, por exemplo, convivem com a poluição sonora das torres eólicas e a pergunta que não foi respondida é: energia limpa para quem? Aliás, racismo energético foi tema de um dos principais debates no Brazil Hub.
Na última semana, eu estava elétrica e eufórica após encontrar o Lula pessoalmente. Foi um daqueles encontros relâmpagos da vida, que só acontecem porque você estava num lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas. Eu fui em um jantar em um hotel de luxo, que era exatamente o hotel onde o presidente estava hospedado. Havia burburinhos sobre isso, mas honestamente eu não tinha a expectativa de encontrá-lo por acaso. Seria sorte demais. Mas não é que, seja por sorte ou acaso, isso aconteceu? Enquanto eu e alguns ativistas caminhávamos para o jantar, uma movimentação no lobby de um dos edifícios me chamou a atenção. “O que de mais grave pode acontecer se formos lá? Corremos algum risco de sermos presos, algo assim?”, perguntei ao meu amigo Iago Hairon.
Felizmente o mais grave que poderia ter acontecido se não tivéssemos subido os degraus daquelas escadas para espionar aquela movimentação seria ficar sem o abraço apertado do presidente Lula um dia antes do seu discurso internacional, na COP 27. Sim, era ele ali, a pouquíssimos metros de mim, cercado de flashes fotográficos e de brasileiros eufóricos.
Eu nunca havia cruzado com um presidente tão perto fisicamente, tampouco o meu presidente. Antes que a pequena multidão de eleitores atraísse mais pessoas, minha estratégia foi me apresentar e agradecê-lo em sete segundos por todas as políticas de inclusão que beneficiaram a mim – e aos meus – durante seus anos de governo. Eu disse a ele que me tornei uma grande jornalista e ouvi de volta, no meu ouvido, que “o mérito foi todo meu”. Apenas chorei e tive certeza de que nunca esqueceria aquele momento.
Confesso que nem consegui dormir na noite seguinte. Contei imediatamente essa mesma história para os meus pais, meu companheiro, meus amigos e amigas mais próximos. Aquela cena, aquela resposta, aquele abraço. Tão singelos, potentes e – de novo – relâmpagos – para mim. Entretanto, como todo feitiço e encantamento dura pouco, o dia seguinte para mim foi bastante frustrante.
O tão esperado discurso do presidente no país desértico, no dia 16 de novembro, lotou. O local reservado foi exatamente ao lado da sala de imprensa, o media center, e tinha capacidade para apenas 300 pessoas – sendo a delegação do Brasil composta por 574. Representantes da imprensa internacional acompanharam o tumulto pela sala de vidro com seus celulares e câmeras bem posicionadas.
Atrasado por questões logísticas, o discurso de aproximadamente 32 minutos começou e terminou sem mencionar a população negra, periférica e os quilombolas. Não mencionou a palavra justiça climática, por exemplo. A população índígena foi representada, o que é crucial, mas fiquei desapontada com o discurso. Senti-me invisibilizada, mesmo após a experiência tão marcante que tivemos no dia anterior.
Embora o dia seguinte tenha sido outra história, outra narrativa e outro discurso, esse desapontamento apenas me situou entre minhas próprias expectativas e realidades sobre o novo governo. A reconstrução política de um país também passa por um crivo narrativo. Quando um discurso presidencial, em meio à cúpula do clima, nem menciona o maior grupo populacional do Brasil é (mais um) alerta grave de invisibilidade e apagamento da nossa história. Um atestado de epistemicídio de 56% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Participei intensamente de 14 dias da COP 27 consciente de que espaços globais de negociações climáticas podem ser metaforicamente circos ou palanques eleitorais. A cúpula do clima finalizou, com dois dias de atraso, com um acordo histórico sobre perdas e danos. A criação de um fundo exclusivo e específico para países mais vulneráveis é – sim! – algo a ser celebrado. O Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh é um reconhecimento de responsabilização histórica dos países que mais emitem gases de efeito estufa (GEE) e financiamento por reparação de danos. Outro ponto crucial que apareceu no plano – e também no discurso de Lula na COP 27 – foi o combate à fome e a luta pela segurança alimentar, uma vez que os sistemas agrícolas são negativa e demasiadamente impactados pela crise climática.
Retorno da minha terceira conferência global do clima animada ao combate, mas também desconfiada. Há muito trabalho, pouco tempo e pessoas gritando por justiça climática no Brasil e no mundo. Entre os cartazes e manifestações da juventude na COP27, as mensagens diziam “chega de promessas vazias ou de soluções falsas”. É sobre isso! Que as horas e noites de negociações climáticas não sejam em vão e saiam minimamente do papel!