Da Amazônia para o mundo: por um lugar de fala na COP30

Da Amazônia para o mundo: por um lugar de fala na COP30

Por Conexão UFF UFPA ODS 13

Por meio das vozes de indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a floresta fala nesta série especial, às vésperas da conferência do clima da ONU

Publicada em 4 de novembro de 2025 - 00:20 • Atualizada em 4 de novembro de 2025 - 00:48

(Adriana Barsotti e Elaide Martins*) – A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), de 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém (PA), promete ecoar as vozes e dar visibilidade inédita às comunidades tradicionais da Amazônia. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas devem ocupar um papel central nas discussões sobre preservação ambiental, justiça climática e desenvolvimento sustentável.

A escolha da capital paraense como sede da COP30 tem forte significado simbólico: é no coração da Amazônia que se concentram algumas das populações mais afetadas pelas mudanças climáticas e pelo avanço do desmatamento. Essas comunidades vivem há séculos em equilíbrio com a floresta e são reconhecidas por seu conhecimento sobre manejo sustentável dos recursos naturais — um saber que agora ganha espaço nas negociações internacionais. O MapBiomas 2023 é revelador dessa sabedoria: o levantamento mostrou que as terras indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2023 enquanto o desmatamento alcançou 28% das terras privadas.

Leu essas? Todas as reportagens da série especial Vozes da Amazônia na COP30

Para garantir a perpetuação de saberes tradicionais, entretanto, é necessário assegurar uma educação indígena de qualidade, que permita que os territórios se fortaleçam para garantir um futuro resiliente frente às mudanças climáticas. “A gente vive diretamente com a floresta. É dela que tiramos comida, remédio, sabedoria. Aprendemos desde pequenos a manejar a terra, a cuidar do que plantamos, a respeitar o que colhemos. Isso é educação, mas não entra na escola”, diz Fernanda Baniwa, estudante de psicologia na UFPA e atleta, na reportagem sobre o Amazonas, uma das sete desta série especial sobre as dores e os encantos dos estados da Região Norte, às vésperas da COP30. Ela foi produzida por alunos de jornalismo da UFPA e da UFF nas disciplinas Seminários de Práticas Inovadoras em Comunicação e Oficina de Webjornalismo.

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Em Roraima, a transmissão dos saberes entre as gerações pode ficar ameaçada já que a própria sobrevivência indígena corre risco. O estado liderou, em 2023, o número de assassinatos de indígenas no Brasil, com 47 casos registrados. Além da violência física, essas populações enfrentam constantes ameaças a seus territórios, como invasões, garimpo e desmatamento. “Nosso povo está sendo morto, espancado dentro do seu próprio território. O mercúrio contamina nossos rios e a água não é mais própria para o consumo”, diz Amarildo Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima. O Tocantins vive situação parecida, com rios e córregos desviados por fazendeiros e a água contaminada por agrotóxicos. “A água não está só sumindo, está sendo envenenada. O rio Araguaia está contaminado por agrotóxicos”, alerta o pesquisador Fernando Silva, doutorando na Universidade Estadual Paulista.

No Acre, um paradoxo chama atenção: enquanto a fome afeta quase um terço dos domicílios do estado, a produção agrícola do estado cresceu 101% nos últimos seis anos. O cultivo, entretanto, não garante o abastecimento interno e a segurança alimentar. Os ganhos têm priorizado o mercado externo e a lógica do agronegócio de exportação. É o que aponta o professor Silvio Simione, da UFAC. “O modelo atual, adotado pelo governo, segue a lógica nacional de expansão do agronegócio, mas beneficia apenas uma minoria, excluindo a maior parte da população”.

No Pará, sede da COP30, a insegurança alimentar provocada pelas mudanças climáticas não compromete apenas a nutrição dos povos originários. A cultura e a identidade também estão abaladas. Festas tradicionais, como a do milho e a da mandioca, estão sob  ameaça, à mercê das estiagens. Coordenador executivo da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FIPA) e integrante da liderança indígena do povo Manayer, Ronaldo Manayer, indaga: “Como vamos fazer a festa do milho se não conseguimos produzir o milho?” A situação se agrava no chamado Arco do Desmatamento, reforçando o aquecimento climático e as mudanças no ecossistema da floresta.

A falta de saneamento básico é outro problema crônico na região. Em 2025, a média de esgoto tratado nas capitais da Região Norte era de apenas 23,4%, enquanto a média nacional era de 51,8%. No Amapá, de acordo com o IBGE, apenas 12,06% dos domicílios estão conectados à rede de esgoto, o índice mais baixo entre os estados brasileiros. Nos territórios quilombolas, o problema é crítico. A falta de uma coleta regular de lixo leva muitas comunidades à queima dos detritos , prática ainda muito presente nesses territórios.

Não é somente as áreas rurais que vêm sofrendo. Rondônia vive hoje um processo alarmante e silencioso de êxodo rural, no qual populações tradicionais têm sido empurradas para fora de seus próprios territórios. O destino? Porto Velho, a capital mais desigual do país segundo o ranking do Instituto Cidades Sustentáveis,  divulgado em 2024. A cidade abriga milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade, boa parte delas migrantes internos vindos do interior do estado. “A questão que a gente viveu em 2024 foi a seca. Não passou nem cinco meses, a gente se enfrentou com a cheia. Fiquei morando numa balsa até secar”, lamenta a agricultora Simone Alves, líder da comunidade Brasileira, entre o Rio Madeira e o Jamari.

Apesar dos percalços, Simone não vai engrossar as estatísticas de êxodo rural. “A gente chama essa terra de abençoada, porque tudo que a gente planta, tudo a gente colhe. Tem essas mudanças climáticas, mas a gente é brasileiro, a gente luta até o final. Não desiste nunca”. Enquanto líderes mundiais estiverem debatendo soluções na COP30 em Belém, mulheres como Simone estarão cultivando resistência e esperança. O futuro do clima pode estar nas decisões tomadas nos gabinetes, mas a sabedoria para cuidar da terra continua nas mãos de quem nunca deixou de semeá-la.

*Adriana Barsotti, jornalista e professora da UFF, e Elaide Martins, jornalista e professora da UFPA, orientaram e supervisionaram a produção desta série de reportagens realizadas pelos alunos do cursos de Jornalismo das duas universidades

 

Conexão UFF UFPA

O Conexão UFF – UFPA é um projeto que reúne alunos dos cursos de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal do Pará para a produção de reportagens especiais, sob a coordenação das jornalistas e professoras Adriana Barsotti (UFF) e Elaide Martins (UFPA).

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