Dia do Cinema Brasileiro: projeto itinerante leva filmes e sustentabilidade pelo país

CineSolar tem estação móvel com placas fotovoltaicas para gerar energia limpa e já promoveu mais de 2.300 sessões em cerca de 700 cidades

Por Ana Carolina Ferreira | ODS 12ODS 7 • Publicada em 19 de junho de 2024 - 10:50 • Atualizada em 25 de junho de 2024 - 09:34

Exibição de filme pelo CineSolar em Belo Oriente (MG): dois furgões com placas fotovoltaicas no teto e sistema conversor de energia para levar cinema ao interior do Brasil (Foto: Pedro Cerqueira / Cine Solar – 20/03/2023)

Ir ao cinema vai muito além de apenas sentar e ver um filme: o espectador primeiro escolhe o gênero de sua preferência, compra os ingressos, e enquanto aguarda a sessão, garante guloseimas e pipoca. Depois chega à sala, encontra seu lugar e, enfim, pode assistir ao filme em grupo, uma experiência de emoções compartilhadas que podem variar entre gargalhadas, lágrimas e gritos de susto. Entretanto, nem todos no Brasil têm direito a esse lazer: de todos os municípios do país (5.570), apenas 9% tem cinemas — e a maior concentração é no Sudeste, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). Mas e se as telonas fossem até as pessoas? 

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Essa é a pergunta que guia o CineSolar, primeiro cinema itinerante brasileiro movido a energia solar, que circula pelo Brasil há 11 anos e tem como causa a democratização da cultura e promoção da sustentabilidade. “Sempre tive vontade de partilhar  as produções dos filmes brasileiros super contemporâneos que eu tinha acesso na universidade e apresentar para as pessoas o que estava acontecendo no cenário brasileiro”, explica Cynthia Alario, produtora cultural e idealizadora do projeto. 

Defendemos a importância da experiência coletiva: assistir com o outro a filmes é muito mais legal do que assistir sozinho! Para nós, o poder do encontro se apresenta muito por onde atuamos, e é nesse poder do filme com o seu público que acreditamos

Cynthia Alario
Produtora cultural e criadora do CineSolar

Priscila Lima de Oliveira, 30 anos, manicure da cidade de Ibiúna, em São Paulo, ficou animada com o projeto, mas ainda mais feliz pela alegria de suas sobrinhas. Era dia 10 de maio do último ano, quando estava indo para aula de dança acompanhada das meninas e se deparou com uma sala de cinema ao ar livre, o CineSolar. “Para a gente ir ao cinema, precisamos nos deslocar até a cidade vizinha, então elas ficaram doidas, porque não têm muitas oportunidades de sair. A experiência é muito legal, ainda mais sendo gratuita, com filme e pipoca, que toda criança gosta. Ficaram super animadas, não queriam ir embora. Já eu gostei muito dos curtas-metragens brasileiros, diferentes do que a gente costuma ver, filmes comerciais e internacionais”, relata. 

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Por outro lado, a manicure também teve a oportunidade de aprender sobre energia limpa e sustentável: “quanto à sustentabilidade e até da própria energia que chega em casa, a gente não costuma ter muito conhecimento e curiosidade de saber de onde vem. Achei muito válido conhecer o furgão, saber sobre a energia solar, mais sustentável. Volto para casa bem reflexiva, pensando que a gente tem que dar um pouco mais de valor para as coisas sustentáveis, mais consciente sobre a importância da sustentabilidade na nossa vida.”

Para causar esse impacto em mais pessoas e mitigar a situação de escassez no acesso à cultura, Cynthia promoveu o projeto para circular por estados brasileiros e comunidades carentes deste lazer, democratizando este direito. “Como a pessoa vai ao cinema se não tem sala na sua cidade? Sem contar que ir ao cinema é um programa caro para a família brasileira — do valor do ingresso até a pipoca. Claro que existem outras formas de se assistir a filmes, mas entendemos que o filme só vira cinema quando ele é visto e defendemos a importância da experiência coletiva: assistir com o outro a filmes é muito mais legal do que assistir sozinho! Para nós, o poder do encontro se apresenta muito por onde atuamos, e é nesse poder do filme com o seu público que acreditamos”, conta. 

CineSolar exibe filme em Aracoiba da Serra (SP): projeto já realizou mais de 2.300 sessões em 700 cidades do Brasil, com público de 341 mil pessoas (Foto: Pedro Cerqueira / Cine Solar - 01/06/2023)
CineSolar exibe filme em Aracoiba da Serra (SP): projeto já realizou mais de 2.300 sessões em 700 cidades do Brasil, com público de 341 mil pessoas (Foto: Pedro Cerqueira / Cine Solar – 01/06/2023)

Com esse propósito, dois furgões equipados com placas fotovoltaicas no teto e um sistema conversor de energia, Cynthia e sua equipe viajam o Brasil levando não apenas a experiência cinematográfica, mas também conhecimento sobre tecnologia e ciências. Os veículos levam cadeiras para o público, sistema de som, projeção e telão, que, após retirados, se transformam numa sala de aula com uma exposição permanente. Os dois furgões foram batizados: “Tupã”, em  homenagem aos povos tradicionais indígenas brasileiros, e “Mahura”, que conta as histórias dos antepassados vindos da África. Esse último, no entanto, foi perdido quando estava estacionado em Porto Alegre, após as enchentes no Rio Grande do Sul.

Ao longo de uma década desde sua criação, o CineSolar já realizou mais de 2.300 sessões em cerca de 700 cidades do Brasil, atingindo um público de 341 mil pessoas. Ao incorporar a energia limpa e renovável, economizou mais de 3,5 milhões WATTS — o equivalente a sete casas com um casal, funcionando durante um ano. Além disso, com mais de 250 mil km rodados, realiza compensação de carbono a partir do plantio de 262 árvores em áreas de preservação e certificação de créditos de carbono. O projeto faz parte do Solar World Cinema, rede internacional de cinemas itinerantes movidos a energia solar, e conta com parcerias com instituições como Mercedes-Benz.

Oficina do CineSolar em Campo Bonito: atividade com crianças e jovens para produção audiovisual e conhecimento de sustentabilidade e energia limpa (Foto: Danilo Ramos / CineSolar – 15/09/2023)

Oficina de cinema com crianças e jovens para produção de produtos audiovisuais faz parte das atividades oferecidas pelo CineSolar. Através do encontro, os participantes aprendem a trabalhar com fotografia, enquadramento e roteiro para produção de um curta-metragem sobre problemas locais e ações sustentáveis, guiados pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). 

“As oficinas complementam as atividades do cinema ao ar livre. Nos encontros tratamos o tema da sustentabilidade e energias renováveis mais aprofundado, instigando as crianças e os jovens a fazerem uma reflexão sobre a sua comunidade, a partir das discussões locais e tendo como referência as grandes soluções globais. Além disso, incentivamos o empoderamento desses participantes, que ficam à frente da câmera, protagonizando o curta que será projetado na tela do CineSolar para todos”, diz Cynthia.

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Para as jovens de 12 anos Thaissa Vitória dos Santos e Sara Antunes da Costa, do município Salto de Pirapora, em São Paulo, a experiência vivida em maio do ano passado foi inédita e pode abrir portas para a carreira profissional no futuro. “Eu nunca tinha feito uma animação, foi bom aprender sobre cinema e colocar a mão na massa, uma experiência muito legal. Agora tenho feito uns curtas pelo aplicativo, em casa. Fiquei inspirada e queremos transformar a história do curta que produzimos em uma peça de teatro”, conta Thaissa. Sara compartilha de um sentimento similar: “adorei entender um pouco mais sobre essa tecnologia dos vídeos, montando as fotos, a cada passo que fazia, acho que isso foi muito legal e uma surpresa que vou levar para a minha vida, quem sabe um dia eu faça como profissão. Nós não estamos pegando energia de outro local e sim da natureza, isso é muito bonito de ver”.

A produtora Cybthia Alario com a van do CineSolar e suas placas fotovoltaicas: cinema com energia limpa e renovável (Foto: Divulgação)

Encontro entre a sétima arte, a tecnologia, o sol e a vida

“O CineSolar é para crianças de 0 a 80 anos”, conta Cynthia, que costuma encontrar em comunidades quilombolas ou indígenas e até nas grandes capitais, pessoas de todas as idades que nunca foram ao cinema ou assistiram a um filme. Há mais de uma década circulando pelo país, já reuniu diversos relatos que a marcaram em sua vida profissional e pessoal. Passamos a palavra a própria Cynthia.

“Certo dia, estávamos numa comunidade quilombola, quando chegou um senhor maravilhoso. Ele estava bem ressabiado e ficou num cantinho parado. Parava, olhava, parava e olhava novamente. Depois de um tempo, começou a dar voltas em torno do furgão, como se estivesse procurando algo. Olhou profundamente em meus olhos e disse: 

— Venha cá, minha fia… Isso funciona mesmo? Essa tal de energia vinda do sol, é de verdade? Não é possível que não tenha uma tomada aqui. 

Retribuí o olhar, fitei seus olhos e encontrei lá dentro um ser curioso e muito encantado, querendo entender como era possível o sol gerar eletricidade. Começamos a conversar e expliquei para ele todo o caminho da energia — mostrei as placas fotovoltaicas, apresentei a tomada ligada nas baterias, que foram carregadas pela luz do sol. Apontei os cabos, o inversor e conversor. Ficamos um tempo juntos e eu explicava como tudo acontecia. Ao final, ele fez cara de entendido e agradeceu. Mas, ainda sim, deu uma piscadinha e saiu com um ar de magia no ar. É fascinante essa ponte entre a magia, a tecnologia e a luz do sol: tão presente em nossas vidas!

Outra história que eu gosto muito é a do Ezequiel, um menino morador de uma pequena comunidade rural no interior de Goiás. Ele chegou ao final de uma oficina de educação ambiental numa escola. A mãe estava com ele nesse momento, chegou perto de nós e perguntou:

— Desculpem atrapalhar vocês, mas o Ezequiel saiu agora da oficina e pediu para voltar para ele fazer mais uma pergunta. Ele é muito curioso, quer saber de tudo, mas é um pouco tímido. Por isso, voltei com ele.

Rapidamente, me abaixei para ficar na altura de Ezequiel e disse que já estávamos curiosos para ouvir a sua pergunta. Então ele respirou e nos disse:

— De onde vocês tiraram essas ideias todas? Foi da cabeça de vocês?

Por alguns instantes parei para entender a profundidade daquela indagação: o que estaria por trás dessa pergunta tão ingênua e complexa? Disse a Ezequiel que sim, havíamos tirado das nossas cabeças, mas também dos nossos corações cada uma daquelas ideias. Pensamos, sentimos e inventamos atividades que agora ele e outras crianças estavam vivenciando. Ezequiel parou, pensou mais um pouco e trouxe mais um questionamento:

— E eu também posso tirar as ideias que eu tenho na minha cabeça para colocar no mundo?

Acho que essa foi a pergunta mais genial e esperançosa que ouvi nos últimos tempos. Então respondi: ‘Ezequiel, você deve fazer isso. As boas ideias existem em nossas cabeças e corações para que possam nascer, através das nossas mãos e palavras, para a gente poder transformar o nosso mundo’.

Costumo dizer que o mundo não é o jeito que é, ele está do jeito que está e esse estar é transformador, já que podemos transformar as nossas realidades, assim como a energia do sol. Na certeza de que mais garotos e garotas, assim como o Ezequiel, possam ensolarar nosso Brasil, para que as ideias das cabeças e dos nossos corações sejam materializadas no nosso dia a dia”, conclui Cynthia.

BikeCine: exibição de filmes com energia limpa, gerada pelo público ao pedalar (Foto: Maurício Noro / BikeCine)

Dos mesmos produtores de CineSolar: cinema movido a bicicletas e drive-in

Idealizado pelo sócio de Cynthia, Marco Costa, o BikeCine une entretenimento, sustentabilidade e esporte, pois funciona apenas com energia limpa, gerada pelo público ao pedalar. O público pode escolher de onde assistir aos filmes; acomodados na plateia de cadeiras ou nas estações de bicicletas, possibilitando a exibição do filme. Não é obrigatório possuir bicicletas — há 12 fixas, além de quatro bases para acoplar as trazidas pelo próprio público, estações que captam a energia gerada pelos ciclistas. Também é possível gerar energia pelo pedal de mão, ideal para crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida.

A energia gerada é consumida no momento e, quanto mais rápidas forem as pedaladas, maior é a energia produzida. Um sinalizador exibe a carga de energia em tempo real e avisa se for preciso pedalar mais. Se baixar, os ciclistas são estimulados ou convidados ao revezamento durante as sessões. “Cultura, entretenimento, bem-estar, mobilidade, sustentabilidade, conscientização e inclusão estão entre os temas que queremos destacar e discutir com o BikeCine”, explica Marco Costa, idealizador do BikeCine. 

Há também o Cine Autorama, o primeiro cinema drive-in itinerante do país, que funciona com uma modalidade mais conhecida, onde uma telona e projetores são posicionados ao ar livre e os participantes estacionam a céu aberto com seus carros para assistir a um filme. O Cinebike conta com apoio da Efecto Cine, Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo e Governo do Estado de São Paulo. Já o Cine Autorama é viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, apoio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Prefeitura da Cidade de São Paulo, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Ana Carolina Ferreira

Estudante de jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF). Gonçalense, ou papa-goiaba, apaixonada pelas possibilidades de se contar histórias na área da comunicação. Foi estagiária na Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal e da UFF. Amante da sétima arte e crítica amadora do universo geek.

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