(Teresa Anderson*) – Até os mais fervorosos negacionistas das mudanças climáticas teriam ficado perplexos com o calor extremo recentemente enfrentado na Europa, nas Américas e na Ásia. Julho de 2023 foi o mês mais quente que se há registro na História. Essa geração pode sofrer impactos severos por negligenciar uma resposta justa para a justiça climática.
Numa escala sem precedentes, um rastro de destruição vem sendo causado por secas, ondas de calor, incêndios florestais, inundações e furacões. Como é de se esperar, os mais afetados são os mais vulnerabilizados, especialmente no Sul Global, justamente os que são menos responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE).
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As temperaturas globais aumentam e as Nações Unidas lançam um alerta: os anos que vão de 2023 a 2027 serão o quinquênio mais quente já registrado. O momento de agir é agora.
O discurso sobre os fatores que agravam a crise climática se concentra nos combustíveis fósseis, como o maior contribuinte de GEE. Já o impacto da agricultura industrial tem conseguido passar despercebido pelo radar climático.
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Veja o que já enviamosO senso comum entende que a agricultura industrial é o amargo remédio para a insegurança alimentar. Mas na verdade, ela está agravando as mudanças climáticas e vem causando destruição generalizada de ecossistemas naturais, impulsionando aquisições de terras, ameaçando meios de subsistência e contribuindo para riscos graves à saúde das pessoas.
É fundamental olhar de frente para as crises climáticas, encarando os combustíveis fósseis e o agronegócio como raízes do problema, que aumentam o aquecimento global e perpetuam desequilíbrios de poder e opressão aos pobres.
Devemos pressionar as empresas de combustíveis fósseis e agricultura industrial a parar de causar tantos danos. Os governos devem atualizar as políticas de energia, agricultura e clima para limitar essa atuação destrutiva. Mas sabemos que os investimentos também têm voz ativa. E enquanto os bancos do mundo continuarem a financiar essas empresas, o problema persistirá.
De acordo com uma nova pesquisa da ActionAid, publicada no relatório “Como o financiamento flui: os bancos que estão incentivando a crise climática”, desde a assinatura do Acordo de Paris em 2016, os maiores bancos do mundo forneceram US$370 bilhões (aproximadamente R$ 1,8 trilhão) para atividades de agricultura industrial no Sul Global. No mesmo período, mais US$3,7 trilhões (aproximadamente R$ 18 trilhões) foram destinados a atividades de combustíveis fósseis também no Sul Global. Essas cifras representam 20 vezes mais investimento do que os governos do Norte Global forneceram como financiamento climático para abordar questões de perdas e danos, adaptação e mitigação.
Em outras palavras, as causas da crise climática no Sul Global valem 20 vezes mais do que as soluções. Isso é absurdo e suicida.
Na luta por justiça climática, as comunidades na linha de frente da crise precisam responsabilizar os bancos pelas decisões tomadas em suas salas de diretoria do outro lado do mundo. Os fluxos financeiros globais devem passar longe de quem impulsiona a crise climática e a destruição, e devem ser dirigidos ao futuro do planeta. É hora de demandar aos bancos que parem de financiar agronegócios prejudiciais e combustíveis fósseis. Os governos devem intensificar apoio a soluções reais e sustentáveis, como a agroecologia.
A pergunta que não quer calar: por que os governos do Sul Global têm demorado para confiar na agroecologia, que se mostrou tão potente no combate à insegurança alimentar e no empoderamento dos vulneráveis, especialmente mulheres e jovens?
Pode haver o entendimento equivocado que a agroecologia – na qual os agricultores usam técnicas inteligentes para cultivar junto com a natureza e não contra ela – é insuficiente para alimentar nações em escala industrial. Curiosamente, pesquisas mostraram que os pequenos agricultores produzem aproximadamente 80% do suprimento de alimentos na Ásia e na África subsaariana. A agricultura industrial está inclinada para exportações em vez de atender às demandas locais de alimentos. A maioria dos lucros é controlada por algumas multinacionais e não retorna aos agricultores.
Mas não podemos perder de vista que a ampliação da agroecologia requer mais apoio financeiro. É importante que o financiamento público seja direcionado para a transição para sistemas alimentares sustentáveis na forma de agroecologia. Além disso, a abordagem em relação à segurança alimentar deve enfatizar a soberania alimentar, que coloca o bem-estar dos pequenos produtores, dos solos e do meio ambiente no centro do discurso, substituindo produtos químicos prejudiciais por alternativas sustentáveis.
A ActionAid está lançando a partir de agora, em dezenas de países, sua Campanha Global de Justiça Climática para que sejam cortados os investimentos nos causadores das mudanças climáticas, ou seja, os combustíveis fósseis e a agricultura industrial. Paralelamente, o mundo deve prestar atenção e buscar alternativas sustentáveis, lideradas por mulheres, que sejam ecologicamente corretas e justas.
Este é um claro apelo para que se reflita sobre o slogan ‘Só Temos Uma Terra’, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972. Se não agirmos agora, as futuras gerações não terão muito para herdar.
*Teresa Anderson é líder global de Justiça Climática da ActionAid Internacional