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Cria da Rocinha no expresso São Conrado-Tijuca

Viagens e reflexões de um carioca nascido na favela e a caminho de um bairro tradicional

ODS 11 • Publicada em 24 de maio de 2024 - 09:02 • Atualizada em 24 de maio de 2024 - 15:07

Para além do período em que circulei pelo Rio de Janeiro, numa série aqui mesmo no #Colabora, por onde naveguei pelos pontos turísticos e históricos da cidade, até então desconhecidos e possíveis de visita por meio de transporte públicos, me coloco a ser um viajante. Não que seja o tal personagem da música de Luiz Gonzaga, mas é por missão.

Assim, curtir desbravar cada ponto, honrar suas histórias e ressignificar memórias. Como fiz há dois anos, quando mudei – literalmente – para o bairro de São Conrado, refazendo os laços com aquele que seria o local que, muitas vezes, nem mesmo queria que houvesse minha existência. Ainda assim, me coloquei no jogo e reexistir.

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Sendo um morador de CEP “nobre”, dichavei sobre como a Rocinha, lugar em que cresci, era visto por quem morava no asfalto, bem perto. E mais: sobre como eu poderia ver, mais “crescidinho”, o bairro vizinho, muito além do que apenas tê-lo como paisagem na corrida. E vou te falar: que paisagem…

Refiz minhas feridas. Mas não, não desfiz o trauma do medo policial e tudo aquilo que pode acontecer sendo eu, negro, e tendo abaixo da minha casa uma viatura. Nem mesmo sobre quando poderia correr, sem nunca estar sem minha identidade – apesar de ser um bairro “salvo”.

Passarela liga Rocinha a São Conrado: depois de viver nos dois bairros, colunista Edu Carvalho pega o expresso para a Tijuca (Foto: Fernando Maia / Riotur - 27/01/2022)
Passarela liga Rocinha a São Conrado: depois de viver nos dois bairros, colunista Edu Carvalho pega o expresso para a Tijuca (Foto: Fernando Maia / Riotur – 27/01/2022)

Nesse reencontro com a história, perambular por essa quebrada me fez outro ser. Refleti sobre meu lugar no mundo, de tudo que já criei e que quero. Num divã sem fim, me coloquei a pensar: que ser humano seria se não nascesse na Rocinha? E se não existisse São Conrado?

Entre moradores próximos racistas e padarias caras, sobreviver com a visão de ver, bem de longe, o céu no chão: a Rocinha acesa em todas as tardes, cintilantes, e quanto mais próxima estivesse, mais a sensação de que poderia me engolir, tamanha minha pequenez. E de que um sem o outro não existe, que nem arroz e feijão, Buchecha e Claudinho, eu e…você?

Mas agora o papo é outro. Deixo “Sanca”, jeito maroto em que apelidou, para o outro lado do morro. Desaguo na Tijuca, um dos mais célebres bairros do Rio, que também exprime, a seu modo, suas qualidades e contradições. Serei vizinho, por exemplo, do quartel da Polícia do Exército, onde “nasceu” a música Aquele Abraço.

Terei a honra de correr em volta do Maraca, tomar um suco no Baródromo, passear pela Varnhagem, pousar sobre o tempo na Praça dos Cavalinhos, montar meu próprio circuito de bares e restaurantes que atendem o bairro, além de flanar pela Saenz Peña.

Como carioca, estou pronto para pular de cabeça no expresso São Conrado x Tijuca.

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