Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Na Baía de Guanabara, uma piscina que virou ancoradouro

Quadrado da Urca, construído para os Jogos Sul-Americanos de 1922, hoje guarda pequenos barcos, usados para passeio e pesca

ODS 11 • Publicada em 20 de maio de 2025 - 08:46 • Atualizada em 20 de maio de 2025 - 12:58

Quem acompanha as andanças deste #RioéRua sabe que o colunista gosta de flanar pela Urca, pequeno bairro num canto da Zona Sul. É uma viagem pela história, pois foi por aqui que os portugueses fundaram a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, lá no século XVI, e porque foi um bairro literalmente construído pelos cariocas do século XX, com suas vias e imóveis assentados sobre um aterro sobre o mar, feito com pedras e terra do desmonte do Morro do Castelo, onde o centro administrativo da cidade ficou durante dois séculos. E a Urca, recentemente centenária, é um ótimo lugar para caminhar sem pressa, para contemplar o cenário da Baía de Guanabara, para tomar uma cerveja com a mureta servindo de mesa.

Leu essa? A praia ainda invisível, aos pés do Pão de Açúcar, onde a cidade nasceu

Portanto, achei ótima a ideia de um amigo de nos encontrarmos para almoçar em um bar do bairro – na Avenida Portugal, a via construída exatamente junto ao mar, por onde um século atrás a Urca começou a ser aterrada. Chego cedo e aproveito para perambular por ali – e acabo sentado nos degraus de acesso a um pequeno ancoradouro de barcos de pesca, a poucos metros do restaurante, saboreando a vista da Baía de Guanabara, com a praia de Botafogo e o Cristo Redentor, do Corcovado.

Barcos no Quadrado da Urca: espaço, criado para ser piscina com as águas da Baía de Guanabara 100 anos atrás, virou ancoradouro (Foto: Oscar Valporto)

No fim do almoço, fui pesquisar a história do ancoradouro, hoje conhecido como Quadrado da Urca – tudo no bairro tem história – e descobri que aquela área (na verdade, retangular) foi construída para ser a primeira piscina de água salgada para competições do Brasil, instalada neste canto da baía para a disputa dos Jogos Sul-Americanos de 1922. Os degraus onde sentei para contemplar a paisagem eram, um século atrás, as arquibancadas onde o público acompanhou as partidas de polo aquático e algumas provas de saltos e natação.

Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail

Veja o que já enviamos

A natação começou a ser praticada como esporte em meados do século XIX – os britânicos, sempre pioneiros esportivos, organizaram as primeiras competições registradas: em 1837, em Londres, onde já existiam piscinas construídas. Mas, na maior parte do mundo, as competições de natação começaram e se popularizaram nas águas do mar e dos rios. Em 1896, quando foram disputados os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, a natação já estava no programa: foram quatro provas, só para homens, todas disputadas no mar. Somente nos Jogos Olímpicos de 1908, em Londres, as provas de natação passaram a ser disputadas em piscinas fechadas, com o atual comprimento de 50 metros.

No Brasil, as competições de natação começaram na virada do século XIX para o século, sempre em mar aberto. No Rio de Janeiro, capital do país, as disputas eram nas águas calmas da enseada de Botafogo, na Baía de Guanabara (bem perto do futuro bairro da Urca). O primeiro campeonato brasileiro (em 1898) constava de apenas uma prova, exatamente nas águas da Baía de Guanabara. Só perto da década de 1920, os clubes começaram a ter piscinas – o Fluminense foi o primeiro; em 1935, o Clube de Regatas Guanabara construiu a primeira piscina olímpica.

Antes disso, a história da cidade e do esporte passaram pela Urca. A criação do bairro foi uma encomenda do prefeito do Distrito Federal, Carlos Sampaio; a Sociedade Anônima Empresa da Urca ganhou a concessão para aterrar a área e fazer o loteamento dos terrenos. A concessão tinha algumas exigências: a principal era a construção de um hotel de luxo para receber os visitantes esperados para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, marcada para 1922, com a presença de delegações do mundo inteiro. Outra exigência era a construção da piscina competitiva, usada para as disputas do Jogos Sul-Americanos, também parte das celebrações do do Centenário da Independência.

Degraus da antiga arquibancada construída para o público acompanhar polo aquático e natação nos Jogos Sul-Americanos de 1922: Quadrado da Urca abriga hoje pequenas embarcações usada para passeios e pescarias (Foto: Oscar Valporto)

Durante alguns anos, o Quadrado da Urca ainda abrigou competições, mas logo foi trocado pelas piscinas dos clubes, fechadas e mais saudáveis – a água da Baía de Guanabara já começava a sofrer com a poluição. Aos poucos, a pequena área abrigada virou ancoradouro de pequenos barcos, principalmente de pescadores, que já estavam ali quando começou a ser construída nos anos 1930, a sede do Iate Clube do Rio de Janeiro, na vizinha área da Praia da Saudade, que foi ocupada pelo novo clube, seus elegantes sócios e seus iates.

Neste século 21, apesar de os pescadores baseados no Quadrado da Urca, fazerem parte da colônia de pesca Z-13, sediada em Copacabana, os proprietários dos barcos estacionados na Urca não vivem da venda de peixes. A maioria das pequenas embarcações, algumas já maltratadas pelo tempo, é alugada para passeios pela baía. Os barqueiros levam visitantes pelas águas da Guanabara:  muitos são turistas interessados apenas em conhecer as ilhas e outras belezas; outros tantos são adeptos da pesca como apenas como hobby ou esporte.

A simplicidade dos barcos da Quadrado da Urca contrasta com o luxo de alguns dos iates ancorados na marina do Iate Clube ao lado – mas, assim, são o Rio de Janeiro e o Brasil, este mar de exemplos de desigualdade.  A centenária mureta de toda a Urca, que vai do começo do Avenida Portugal até a Fortaleza de Santa Cruz, onde a cidade nasceu, é tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional); o Quadrado, mais modesto, é tombado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), municipal. E, assim, naquele canto retangular das águas da Guanabara, onde uma piscina virou ancoradouro, o tempo parece passar mais devagar.

Apoie o #Colabora

Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile