Texto de Cristina Chacel (*) – A vida entra por janelas, varandas, fendas e frestas. O sol e a brisa chegam de fora para iluminar e arejar o tempo sombrio, inesperado, demolidor das velhas certezas, em que é imperativo reaprender a existir. Tudo é experiência. Amanhece, entardece, anoitece, acontece.
O tempo passa no olho de cada qual. De uma sacada o simbólico justapõe-se ao real, revelando as forças que movem a grande cidade. A mansão da escola estrangeira, o palácio da Prefeitura e a Favela Santa Marta são um tripé eloquente de um modelo desigual e injusto.
Toda janela é tela de TV. Entretenimento. Pactuados nas camadas virtuais, confinados batem panelas de indignação com o descaso à vida humana. A vida, porém, insiste. Quer mais vida. Persevera. Rotinas, gestos, sons fazem com que um dia jamais seja igual ao outro.
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Veja o que já enviamosA gente trancafiada busca explicações. Na disputa com a acumulação, o consumo, a coisificação e a falta como motor da engrenagem, a vida ganha, salvo em currais manipulados pela pior política. Na busca por ela, vida, vasculho centelhas de alegria, atrás da porta, debaixo da máquina de lavar, naquele canto em que repousa um velho vaso com terra adubada esquecido no fundo dos fundos do último ralo da casa.
A vida que pulsa só existe hoje. Amanhã é imaginação.
(*) Cristina Chacel escreveu este texto durante à pandemia de covid-19, enquanto seguia na luta corajosa contra um câncer. Ela nos deixou no dia 28 de julho.