Os edifícios de Bahnstadt, bairro da cidade alemã de Heidelberg, consomem de 50% a 80% menos energia do que as construções convencionais. A economia se deve ao conceito de “casas passivas”, cujo isolamento térmico reforçado dificulta a entrada de calor durante períodos quentes e ajuda a manter a temperatura interna agradável em épocas frias. Todas as habitações do lugar seguem esse padrão. A ideia, agora, segundo a arquiteta e certificadora do Instituto alemão de Casas Passivas, Susanne Theumer, é expandir a experiência para outros lugares da Alemanha e do planeta.
“A melhor maneira de avançar é primeiro concretizar alguns projetos-piloto e depois apoiar a transição para melhores edifícios, através da transferência de conhecimento, do desenvolvimento de capacidades e de eventos públicos. Um exemplo disso é o Ice Box Challenge, no Paraguai: evento global, organizado em Assunção, pelo Paraguay Green Building Council e pelo Instituto Latino-Americano Passivhaus”, explica ela, referindo-se à união das duas instituições, que desafiaram padrões de construção paraguaios e buscaram conscientizar a população sobre a importância de edificações sustentáveis e da eficiência energética no combate às mudanças climáticas.
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Veja o que já enviamosO projeto de casas e apartamentos passivos de Bahnstadt é o maior do mundo atualmente e serve de exemplo para outras cidades, segundo a Secretaria de Proteção Ambiental, Supervisão Comercial e Energia. Outra cidade que está usando o bairro como modelo é a Railway City, em Gaobeidian, na China. Em 2014, Bahnstadt ganhou o Prêmio de Casas Passivas; no ano seguinte, Heidelberg levou o Global Green City Award, da ONU. A premiação foi atribuída à cidade por ter promovido a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
As casas passivas de Bahnstadt fazem parte do projeto de criação de um distrito com zero emissão de carbono, idealizado pela prefeitura de Heidelberg, que começou a construção em 2008 e, no ano seguinte, decretou que ali seria o 15º distrito da cidade. De acordo com a engenheira de planejamento sustentável urbano da Secretaria de Meio Ambiente, Supervisão de Comércio e Energia de Heidelberg, Wiebke Großkopf, a prioridade na construção de Bahnstadt foi o meio ambiente desde o começo. “Porém, muitos investidores precisaram primeiro ser convencidos de que o padrão de casa passiva faria sentido para as construções antes de financiá-las”, contou, no que avalia ser um dos maiores desafios enfrentados na realização do projeto.
Com a proposta totalmente sustentável, Bahnstadt foi planejado nos mínimos detalhes. Um deles é a exigência de que todos os edifícios construídos ali devem atender aos critérios do Passive House Standard, padrão que exige isolamento eficaz para que não seja necessário gastar energia com regulação térmica. Esse tipo de casa tem o objetivo de reduzir o uso de aquecedores por meio de um denso isolamento de paredes, telhados e janelas. O limite para uma casa ser considerada passiva é o gasto com aquecedores de 15 kWh por m2 por ano (aproximadamente 10% da demanda média de calor de edifícios na Alemanha). O resto de energia necessário a outras atividades (ver TV, por exemplo), vem de fontes renováveis.
Em 2022, cerca de 5.800 pessoas moravam em Bahnstadt e a previsão é de que esse número aumente para 6.800. Lá, a idade dos habitantes é dez anos mais nova do que a média na cidade de Heidelberg. Metade da população do bairro tem menos de 30 anos. O investimento para construir o distrito foi de mais de 2 bilhões de euros, segundo o site da prefeitura.
O que é uma casa passiva?
Ao contrário do que muitos pensam, a casa passiva não tem um estilo visual específico. O que a define são cinco princípios técnicos rigorosos:
- Isolamento térmico eficiente, que impede o calor externo de entrar no verão e conserva o calor interno no inverno.
- Ventilação mecânica com recuperação de calor, que permite a renovação do ar sem perder energia.
- Janelas de alto desempenho, que evitam infiltrações e perdas térmicas.
- Ausência de pontes térmicas e frestas, como em tomadas e luminárias.
- Alta estanqueidade do ar, comprovada pelo blower test, que verifica se a casa está devidamente vedada
Além da economia de energia, uma grande diferença das casas passivas é a qualidade do ar interior. Como o ambiente permanece seco e controlado, fungos e mofo não se desenvolvem — problema crônico em muitas residências brasileiras e questão séria de saúde pública.
Casas passivas ganham terreno no Brasil
Imagine viver em uma casa onde, durante praticamente o ano inteiro, a temperatura interna se mantém agradável, entre 20 °C e 25 °C, sem a necessidade constante de ar-condicionado. E mais: economizando até 90% de energia em comparação a uma residência convencional. Essa é a proposta das casas passivas, modelo de construção sustentável que começa a dar os primeiros passos no Brasil. Nele, um conjunto rigoroso de critérios garante conforto térmico, qualidade do ar e eficiência energética. O modelo começa a despertar o interesse de arquitetos e engenheiros brasileiros, principalmente na região Sul, onde as condições climáticas são mais compatíveis com o padrão europeu.
Mas, por aqui, os desafios são numerosos. “O brasileiro aceita o frio dentro de casa como algo natural. No inverno, se cobre com mantas. Mas no verão, corre para ligar o ar-condicionado”, analisa Eduardo Grala, arquiteto e um dos únicos profissionais no Brasil certificados para validar casas passivas. “Isso mostra como ainda não entendemos o que é conforto térmico”, completa.
Até dois anos atrás, apenas três profissionais no Brasil estavam habilitados a certificar esse tipo de construção. Entre eles, Grala, que está iniciando a construção da primeira casa passiva residencial certificada em um condomínio no Sul do país. O projeto, aprovado pelo condomínio e por órgãos de regulamentação de água, agora aguarda liberação final da prefeitura. “Durante a obra, cada etapa será documentada. No final, aplicamos o blower test para medir a estanqueidade. Se tudo estiver como projetado, o imóvel recebe a certificação”, detalha o arquiteto. O processo garante que o desempenho prometido seja realmente entregue.
Apesar do potencial, as casas passivas enfrentam diversos entraves no Brasil. O primeiro é o custo inicial mais elevado, principalmente pela necessidade de materiais específicos e mão de obra qualificada. Além disso, o país não possui fabricantes locais de sistemas de ventilação com recuperação de calor de alta eficiência, o que obriga à importação. Outro obstáculo é cultural. “Hoje, o consumidor brasileiro não compra conforto térmico. Muitas vezes, nem sabe o que é isso. As pessoas procuram imóveis pelo número de quartos ou pela metragem, não pela eficiência energética”.
Mesmo assim, há espaço para otimismo. O mercado de alto padrão — como os condomínios fechados — pode ser a porta de entrada para esse tipo de construção. Com a primeira casa certificada, espera-se abrir caminho para que o conceito se difunda e que a indústria nacional passe a produzir os equipamentos necessários.
Adaptação ao clima brasileiro
Adaptar o conceito europeu ao clima brasileiro exige alguns cuidados. No Sul, a aplicação é mais direta, mas em outras regiões é fundamental controlar a radiação solar com técnicas de sombreamento, orientação adequada do edifício e cuidado com o overheating — quando uma casa muito bem isolada acaba se tornando uma estufa ao receber sol direto sem proteção.
Para Grala, o desafio é técnico, mas também pedagógico: “Hoje, arquitetos e engenheiros trabalham com o que os clientes pedem. E ninguém exige conforto térmico. A mudança começa pela conscientização”.
O conceito de casa passiva representa uma ruptura com o modelo tradicional de construção, baseado em climatização artificial e pouca eficiência. Em um cenário de crise climática e aumento nas contas de energia, esse tipo de construção pode ser um caminho promissor para o futuro da habitação no Brasil.