Lady Gaga no Rio: histórias de ‘little monsters’ libertados pela diva pop

Fãs compartilham como a cantora se tornou símbolo de liberdade e inspiração em suas trajetórias

Por Ana Carolina Ferreira | ODS 10 • Publicada em 28 de abril de 2025 - 09:16 • Atualizada em 28 de abril de 2025 - 14:08

Rickson Moura, montado com traje inspirado na música Disease, de Mayhem, mais recente álbum de Lady Gaga: para seus little monsters, cantora significa inspiração e libertação: (Foto: João Victor Ceccon / Cortesia)

“Não importa se é gay, hétero, bi, lésbica ou transgênero. Estou no caminho certo, querida. Nasci para sobreviver” (“No matter gay, straight or bi, lesbian, transgendered life. I’m on the right track, baby. I was born to survive”). O trecho é da música “Born This Way”, da artista Lady Gaga, que se apresenta neste sábado (03/05), na praia de Copacabana, Rio de Janeiro. A estimativa, segundo a prefeitura, é que 1,6 milhão de pessoas assistam ao show ao vivo, público carinhosamente apelidado pela cantora de “little monsters”. São milhares de pessoas que veem em Gaga uma mãe (a mother monster) que acolhe a todos. Performances subversivas e músicas que se tornaram hinos – principalmente para a comunidade LGBT+ – são marcas da sua carreira.

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“Gaga é a minha fortaleza”, conta o maquiador Leonardo Menezes, 32 anos. Foi na apresentação de estreia da cantora no MTV Video Music Awards (VMA) em 2009, quando Lady Gaga performou a música “Paparazzi”, que Leonardo se tornou fã. “Naquele dia, percebi que ela é a ídola da minha vida, e a partir desse momento o amor só cresceu”, lembra Leonardo. Para ele, a diva pop não tem dimensão do quanto ajuda seus seguidores. A cantora esteve presente nos momentos mais difíceis de sua história. “Se não fosse ela, não sei se estaria vivo”.

Através do que ela falava, fui começando a me libertar. A música e o álbum Born This Way salvam vidas; foi a primeira que conheci que falava abertamente sobre ser gay. É a minha música favorita, porque diz que nascemos assim e que estamos no caminho certo. Você pode ser diferente. Isso que amo nela

Leonardo Menezes
Maquiador

Leonardo é de Santos, São Paulo, e cresceu como filho único, morando com o pai e a mãe. O processo de entender sua própria identidade como menino gay começou por volta dos 10 anos. Apesar de crescer numa família mais tradicional, diz que a mãe foi sua “primeira heroína” — sempre o incentivou nas aulas de dança, e também é uma little monster. Já o pai preferia não comentar sobre as danças e as músicas que o filho gostava. “Ele não respeitava minha orientação sexual, e por isso eu vivia com a confiança retraída”, diz.  

Leonardo com a camiseta do show de Ladey Gaga em Copacabana e CDs da cantora: “Se não fosse ela, não sei se estaria vivo” (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2015, o pai de Leonardo morreu vítima de uma leucemia — um câncer que se desenvolve na medula óssea e afeta as células sanguíneas. “Antes de falecer, ele me disse que, independentemente de eu ser gay ou hétero, ele me amava. Tenho essa conversa no meu coração”, diz, emocionado. Durante o velório, Lady Gaga tocava nos fones de ouvido e garantia que o fã suportasse a situação. Naquele dia, ao chegar em casa, se reconfortou ao ver os pôsteres, fotos e camisetas no quarto enquanto ouvia “Joanne” — canção que tratava do processo de luto da artista após a morte de um parente. 

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A cantora esteve presente na vida de Leonardo desde a infância: o ajudou a enfrentar bullying na escola por ser um menino afeminado; a passar pela depressão após a morte do pai; a largar o emprego que tinha numa loja de roupas de departamento para se profissionalizar como maquiador. “Através do que ela falava, fui começando a me libertar. A música e o álbum Born This Way salvam vidas; foi a primeira que conheci que falava abertamente sobre ser gay. É a minha música favorita, porque diz que nascemos assim e que estamos no caminho certo. Você pode ser diferente. Isso que amo nela”, conta.

O impacto do álbum foi tanto que Leonardo eternizou o título na pele, e a tatuagem acompanha outras referências como o nome da cantora, o nome do terceiro álbum da artista, “Artpop”, e ainda um símbolo em referência ao álbum “Chromatica”. “Lady Gaga me motivou a seguir em frente. Depois do curso de maquiador fui para a capital, comecei a trabalhar na L’Oréal Paris, nos quiosques da franquia Maybelline New York. Não tirava mais a maquiagem para ir embora do trabalho. Andava na rua maquiado e não tinha vergonha nenhuma, mesmo causando impacto nas pessoas. Foi a confiança que adquiri com ela”, explica.

As marcas da cantora tatuadas na pele de Leonardo: “Lady Gaga me motivou a seguir em frente” (Foto: Arquivo Pessoal)

Neste final de semana, Leonardo estará no Rio de Janeiro para presenciar seu primeiro show de Lady Gaga, acompanhado de outros fãs que se uniram desde o final do último ano, com o primeiro anúncio de que a diva pop viria ao Brasil. O fã conta que já foram muitas tentativas de ver a ídola. “Nunca fui num show antes. Eu e minha mãe tentamos ir na ‘Jazz e Piano’ — residência de concertos de Lady Gaga em Las Vegas, encerrada em 2024 —, mas não conseguimos por conta da pandemia. Depois não conseguimos porque o dólar aumentou, ficou tudo caro”. Ele também tentou, sem sucesso, estar presente no Rock in Rio 2017, quando a cantora cancelou o show por problemas de saúde. 

Mas a promessa do show em Copacabana este ano trouxe um novo entusiasmo. Com o anúncio, nasceu o “Gagacabana”, grupo no WhatsApp que reúne mais de mil pessoas, de todas as regiões do país, e que vão estar no show deste sábado no Rio. Criado por Felipe Souza, o grupo tem como administradores Leonardo Menezes, Rickson Moura, Francisco Fernandes, Diego Gomes, Leônidas Dantas e Alex Xavier. “É o primeiro grupo sobre esse show, e fui o primeiro administrador. Reunimos várias pessoas apaixonadas e eufóricas, assim como eu; por dia temos cerca de 10 mil mensagens na conversa”, conta Leonardo, que está em contagem regressiva até a data. “Falta muito pouco, vai ser um sonho realizado. Mesmo que não consiga ficar perto dela, já vai ter valido a pena”.

Inspiração para drag queen de fã do interior 

Rickson Moura, 26 anos, cozinheiro e drag queen, encontrou em Lady Gaga não apenas a artista que tanto admira, mas a inspiração para se assumir e viver livremente. Nascido no interior do Espírito Santo, no município de Vargem Alta, Rickson cresceu com pouco acesso à cultura LGBT+. Foi através da cantora que começou a conhecer e se conectar com essa realidade, quando tinha 10 anos. “Esse meu contato foi surgindo conforme conhecia a Lady Gaga, sou grato a ela por abrir essa porta para mim”, diz. 

Rickson Moura montado: inspiração em Lady Gaga do interesse por moda ao mundo drag (Foto: Arquivo Pessoal)

Até os 15 anos, Rickson acreditava que viver livremente seria um grande choque para sua família — por isso, pensava que morreria sem revelar que era um homem gay, que guardaria para sempre esse segredo. No entanto, ao ter contato com comunidades de fãs de Lady Gaga nas redes sociais, percebeu que não estava sozinho e que não havia motivo para se envergonhar de seus sentimentos. “Passei a me abrir mais e ver que existiam outras pessoas como eu, que viviam bem. Me fez perceber que o que sentia não era uma coisa exclusiva, e não era algo que eu precisasse me envergonhar ou ter medo”, lembra. 

Gostaria de dizer o quanto ela é a responsável por eu ser quem sou hoje. Lady Gaga é muito mais do que uma inspiração; é uma parte de mim. Se eu tivesse a oportunidade, diria que ela mudou minha vida

Rickson Moura
Cozinheiro e drag queen

Viver no interior trouxe desafios para Rickson, especialmente em relação à sua arte como drag queen; ele se considera a única pessoa em sua cidade a performar a arte — expressão na qual a pessoa se monta com roupas, maquiagem e performances que entretêm, provocam e desafiam normas sociais de gênero, de maneira criativa e teatral. Lady Gaga foi a grande “culpada” por despertar seu interesse por moda e vestimenta, elementos cruciais no universo drag. “Admirava muito os clipes e as roupas que ela usava. Durante a pandemia, assisti uma série sobre drags, e me apaixonei ainda mais”, conta Rickson. O little monster se refere ao famoso reality show RuPaul’s Drag Race, que inclusive já contou com a participação da cantora Lady Gaga. Ela foi jurada na nona temporada, onde também falou sobre a influência da arte drag em seu trabalho. 

A paixão de Rickson pela artista se uniu ao encantamento pelo programa de TV, o levando a iniciar sua jornada com a arte, que começou há três anos. Embora a cantora já tenha afirmado publicamente que não se considera uma drag queen, Rickson não consegue enxergar a ídola de outra maneira, porque “tudo que ela faz remete muito à arte drag. Costumo brincar com meus amigos que a minha drag é como uma carta de amor à Lady Gaga. Quem a conhece, consegue ver a influência dela no que faço”.

Além disso, as músicas também têm papel fundamental em momentos desafiadores da vida de Rickson. O álbum “Born This Way”, título que guarda no peito com uma tatuagem, foi particularmente impactante durante seu processo de descoberta e aceitação na adolescência. “Sempre que ouvia a mensagem de que não tinha nada de errado comigo e que nasci para ser quem eu quisesse ser, me dava forças. Todos os álbuns me impactam de alguma forma, mas esse foi o que gerou a mudança na minha vida”, conta Rickson. A relação com a família também passou por um processo de transformação: inicialmente, sua mãe, com quem mora e trabalha num restaurante, teve dificuldades em aceitar. Mas com o tempo e o convívio, se tornou mais flexível e hoje demonstra admiração pela arte do filho. Ele complementa: “Me assumi duas vezes: como LGBT+ e drag queen”.

Como um dos administradores do grupo “Gagacabana”, Rickson está envolvido na organização desses fãs para o show de Lady Gaga no Rio de Janeiro. Ele e outros little monsters, como Leonardo, planejam um encontro em frente ao hotel Copacabana Palace para tentar cumprimentar a cantora. A expectativa para o show é grande, e a música “Disease” do último álbum lançado, “Mayhem”, é uma das mais aguardadas por Rickson. “É um sonho de vida. Sou fã dela há 16 anos e, desde então, sonho em viver esse momento. Finalmente está acontecendo”, declara. Rickson também expressa o desejo de conseguir um ingresso VIP para o show, mas ainda que não consiga o acesso especial, a oportunidade de ver Lady Gaga ao vivo, pela primeira vez desde que se tornou fã, já representa uma vitória e a concretização de um sonho. 

Em 2012, na turnê “The Born This Way Ball”, quando a cantora se apresentou em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, Rickson tinha só 13 anos. “Fiquei desesperado ao saber que uma das pessoas que mais admiro estava aqui, e não ia conseguir ver. Eu era menor de idade e não seria possível minha mãe sair do serviço para me levar”, lembra. Em 2017, no Rock in Rio, já tinha idade para ir sozinho, mas lhe faltava dinheiro. Planejava vender o celular para pagar os ingressos, mas o comprador desistiu; quando soube do cancelamento do show, ficou aliviado. “Ainda bem que fiquei com o celular”, diz. 

Agora, a ansiedade e felicidade tomam conta de seus dias. “Se pudesse ver Lady Gaga pessoalmente, o que diria?”, pergunto. Rickson se emociona, e ressalta a profunda influência da artista em sua história. “Gostaria de dizer o quanto ela é a responsável por eu ser quem sou hoje. Lady Gaga é muito mais do que uma inspiração; é uma parte de mim. Se eu tivesse a oportunidade, diria que ela mudou minha vida”. Assim como Leonardo, a história de Rickson é um testemunho do impacto que Lady Gaga tem sobre seus fãs, oferecendo refúgio e inspiração para aqueles que buscam a liberdade de serem autênticos.

 

Ana Carolina Ferreira

Estudante de jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF). Gonçalense, ou papa-goiaba, apaixonada pelas possibilidades de se contar histórias na área da comunicação. Foi estagiária na Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal e da UFF. Amante da sétima arte e crítica amadora do universo geek.

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