Kunhangue Itaty: como o futebol empodera mulheres guaranis

Equipe indígena feminina de futebol conta com atletas de diversas idades e disputa a Liga Mbyá Guarani de Santa Catarina

Por Micael Olegário | ODS 10
Publicada em 11 de setembro de 2025 - 09:43  -  Atualizada em 11 de setembro de 2025 - 10:00
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Equipe venceu primeira partida pela Liga Mbya Guarani 2025; uniforme traz grafismos guaranis (Foto: Divulgação / Kunhangue Itaty)

Ita Mirim tem a atacante Marta, eleita seis vezes como a melhor jogadora de futebol do mundo, como sua principal referência. “É um símbolo de resistência no futebol e uma inspiração para mim”, conta Ita Mirim ou Denilza Samuel dos Santos, nome não indígena da capitã da Kunhangue Itaty, equipe feminina de futebol da Tekoá Itaty, como os guaranis nomeiam a Terra Indígena Morro dos Cavalos, sobreposta ao município de Palhoça, em Santa Catarina (SC).

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A palavra “Kunhangue” quer dizer justamente mulheres em guarani. Criada entre o final de 2020 e o início de 2021, a equipe conta com 13 jogadoras, sendo dez delas da mesma família de Ita Mirim. A atleta mais nova é sua sobrinha de 13 anos e a mais velha é sua mãe de 49 anos. Diferente da rainha Marta, Ita Mirim usa a camisa número 7, porém assim como a estrela brasileira, a atleta indígena de 28 anos costuma ser artilheira.

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Na primeira rodada da Liga Mbyá Guarani de Santa Catarina, competição de futebol 7 organizada pelos próprios indígenas, Ita foi responsável por marcar quatro dos seis gols da vitória da Kunhangue Itaty por 6 a 1, em partida disputada com a equipe de Barra do Ribeiro FC, da Comunidade Mbyá Guarani de Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul (a liga reúne equipes de outros estados também).

“Espero que a gente possa chegar na final e talvez levantar a taça do campeonato que é um sonho da nossa equipe”, afirma Ita. O gosto pelo esporte começou quando ela ainda era criança, contudo, assim como muitas mulheres, a atleta guarani enfrentou resistências e preconceitos. “Era bem difícil ver as meninas jogarem, porque a maioria era contra. Até minha mãe era contra, depois de um tempo que ela começou a jogar também”, descreve a jogadora.

A cultura das mulheres guaranis também foi levada para o esporte. O segundo uniforme da Kunhangue foi desenhado com traços do Ajaka, grafismo que lembra a asa de uma borboleta e faz alusão à cestaria guarani. “A cestaria para nós é muito importante, porque carrega o símbolo da mulher guarani”, explica Ita Mirim. Além dela, fazem parte do elenco da Kunhangue Itaty: Juliana Tatai, Jurema Kerexu, Eliana Ara, Kayumy Poty, Geovana Kerexu, Ludmila Jera, Niqueli Yva, Maristela Jaxuka, Jadila Duarte, Ana Kelly, Maiara Jaxuka e Dina Martines.

Equipe foi criada no final de 2020; futebol reúne diferentes comunidades guaranis (Foto: @professor.pereira / Instagram Kunhangue Itaty)

Liga Mbyá Guarani

Na edição de 2025, a Liga Mbyá Guarani de SC conta com 12 equipes femininas, divididas em dois grupos. Na primeira fase, as seis equipes de cada grupo se enfrentam e quatro se classificam para as partidas eliminatórias. Os jogos acontecem em diversas aldeias. Além da liga tradicional, a Kunhangue Itaty também disputa outras competições locais e regionais, como a Taça Região Norte de SC.

A Liga Mbyá Guarani de SC foi criada em 2018 por jovens do curso de licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Cacique da Tekoá Itaty, Kennedy Karaí participou desse processo e é um dos organizadores da competição. Segundo ele, inicialmente os jogos foram pensados para integrar as comunidades guaranis da região de Florianópolis, com o tempo começaram a participar times de outros estados, como Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.

“Hoje a gente conta com equipes Kaingang e uma equipe Xokleng. Através do esporte estamos fortalecendo essa união dos povos”, destaca Kennedy, que joga pelo Ka’aguy Mirim, uma das equipes masculinas da Terra Indígena Morro dos Cavalos. Além das 12 equipes femininas, a edição de 2025 da liga tem participação de 26 times masculinos e outros cinco infantis.

O cacique revela que um aspecto diferencial do futebol indígena é o fato de a rivalidade ficar totalmente restrita ao momento do jogo. “A gente sempre está conversando entre as equipes aqui da comunidade, independente se estamos em times diferentes, sempre apoiamos um ao outro”, enfatiza Kennedy. A intenção dele é buscar apoio para o esporte, principalmente, para abrir oportunidades para as crianças. 

“Tem muitos atletas bons aqui, não só no masculino, mas também no feminino e no infantil, que têm capacidade de estar jogando também em equipes de fora. Quem sabe, podendo escrever uma história como atleta e carregando a história do seu povo para fora da comunidade também”, comenta Kennedy.

Jogadoras do Kunhangue Itaty em partida contra a equipe de Barra do Ribeiro; competição conta com 12 times femininos (Foto: Facebook/Liga Mbyá Guarani de SC)

Futebol e saúde mental

Cleiton Evaristo de Almeida é técnico da equipe Kunhangue Itaty e pai de uma das atletas, Kayumy Poty, de 13 anos. “Treino as meninas com um amistoso junto com os meninos”, descreve ele, sobre a rotina de treinos na aldeia. Ele também menciona a importância do esporte para trabalhar a saúde mental dos jovens. “Não tem nada melhor do que a gente sair, colocar uma camisa, jogar e ver o sorriso das crianças, a torcida gritando o seu nome”, afirma Cleiton. 

“O esporte traz alegria e envolve várias comunidades, um monte de pessoas: mulheres, crianças e idosos. É um espaço onde tem essas trocas de sabedorias também, em que cada comunidade tem as suas especificidades e, cada vez mais, a gente vai fortalecendo esses laços e também compartilhando nossas sabedorias milenares dos povos indígenas”, resume Kennedy Karai. 

Em 2023, uma das jogadoras do Kunhangue perdeu a vida para o suicídio, um problema que afeta cada vez mais comunidades indígenas. “A gente também trabalha a mentalidade dos jovens dentro do esporte, para que não tenham essa doença”, enfatiza Ita Mirim. Logo após o episódio, a equipe enfrentou dificuldades e a incerteza sobre continuar. Desde então, uma frase foi adotada pelas mulheres guaranis do Itaty: “a cada queda você aprende uma nova forma de se levantar”.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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