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A margem desigual

Não é obra do acaso que as mulheres negras estejam sobre-representadas em número desproporcional nos piores indicadores, tendo dificuldades para adquirir renda

ODS 10 • Publicada em 5 de abril de 2024 - 10:34 • Atualizada em 5 de abril de 2024 - 15:01

Desde que a primeira mulher negra pisou em território brasileiro, sua condição econômica foi estabelecida na ordem das desigualdades. Contudo, quando se trata das agendas centrais para o movimento negro raramente analisamos a forma com que o racismo e o sexismo sistêmicos alicerçam o sistema econômico, prejudicando de forma severa as mulheres negras que ainda estão na extremidade socioeconômica. Não é obra do acaso que estejam sobre-representadas em número desproporcional nos piores indicadores, tendo dificuldades para adquirir renda.

Leu essa? Exaustão da mulher negra

No contexto brasileiro, as mulheres negras enfrentam desafios significativos no mercado de trabalho. São frequentemente relegadas a empregos informais e mal remunerados, enfrentando discriminação racial e de gênero. As taxas de desemprego são mais altas para as mulheres negras em comparação com outros grupos demográficos, e elas têm acesso limitado a oportunidades de educação e avanço na carreira. A média salarial das mulheres negras no Brasil é significativamente mais baixa em comparação a outros grupos demográficos. De acordo com o IBGE, as mulheres negras enfrentam disparidade salarial em relação aos homens brancos e mulheres brancas. 

Os recentes dados do Painel do Relatório da Transparência Salarial, lançado em março de 2024 em parceria do Ministério das Mulheres com o Ministério do Trabalho, deixa evidente o que mulheres negras vêm diagnosticando há décadas: a profunda desigualdade salarial que as atinge desproporcionalmente. A remuneração média é de pouco mais de R$ 3 mil, enquanto a dos homens não negros é quase o dobro. A menor participação no mercado de trabalho bem como as altas taxas de desemprego e informalidade são responsáveis por este cenário, decorrência da estrutura racista e patriarcal que configura a sociedade brasileira.

Os salários mais baixos e as perspectivas limitadas de avanço na carreira são resultados diretos de fenômenos sociais que justificam ideologicamente esse cenário, como é o caso das imagens de controle e do impacto das micro agressões no mercado de trabalho. Além disso, as mulheres negras são desproporcionalmente representadas em setores de emprego informal e precário, como o trabalho doméstico e a venda ambulante. Esses setores oferecem renda instável, falta de proteção social e condições de trabalho exploratórias. Como resultado, as mulheres negras brasileiras estão presas em um ciclo de pobreza, lutando para sobreviver apesar de seu trabalho árduo e resiliência.

O trabalho de cuidado também contribui para a precariedade, pois o acúmulo de responsabilidades familiares sustentadas pelas ideologias de gênero, aquelas que perpetuam ideias arcaicas sobre o lugar da mulher na sociedade, são centrais na exploração do trabalho de mulheres negras. A relação entre trabalho e família possui contornos distintivos em nossa experiência, as quais historicamente o feminismo negro busca analisar, por meio da teoria interseccional. As políticas desenvolvidas no interior do feminismo negro reconhecem que a luta por equidade necessariamente precisa desafiar o racismo e o sexismo sistêmicos, principais responsáveis pela perpetuação de desigualdades na contratação, promoção e remuneração.

As noções tradicionais de família e também precisam ser desafiadas, por manter expectativa sociohistórica de que mulheres negras cumpram os deveres de cuidado de forma não remunerada dentro de suas próprias famílias e de forma mal remunerada na sociedade. Muitas vezes às custas de suas próprias aspirações pessoais e profissionais.  

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Nesse sentido, o feminismo negro brasileiro tem se dedicado cada vez mais a valorizar e reconhecer estruturas familiares e arranjos de cuidado distinto, que fogem da lógica da família nuclear, justamente porque excluem e marginalizam as configurações de família historicamente experimentadas pela negritude, como de famílias estendidas, monoparentais e escolhidas. As experiências de mulheres negras moldam a forma com que a exploração do trabalho irá atingi-las. Logo, é necessário ouvi-las para elaborar políticas públicas efetivas que promovam melhores condições de trabalho, relações familiares menos sobrecarregadas e organização de ações coletivas que possibilitem eliminar as dinâmicas de exploração da mão de obra delas.

Mobilizar cada vez mais esforços para a construção de instalações de cuidado infantil e geriátrico acessíveis, bem como sistemas de apoio emocional para mães solo, por exemplo, são políticas centrais para aprimorar as oportunidades econômicas disponíveis a mulheres negras, eliminando assim o ciclo de pobreza e marginalização.

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