A festa da diversidade na posse de Lula

Celebração na Esplanada do Ministério reuniu pessoas de todas as regiões do país, com as mais diversas identidades e trajetórias

Por Claudia Maciel | ODS 10 • Publicada em 4 de janeiro de 2023 - 11:41 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:52

As professoras pernambucanas Sandra e Izailde na festa da posse de Lula: dois dias e meio de viagem com esperança de dias melhores para a educação (Foto: Tatiana Reis)

Quem chegava à Esplanada dos Ministérios para a festa da posse de Lula tinha os cinco sentidos voltados à diversidade dos povos presentes, caravanas de todas as regiões do país se uniram em um só coro pela reconstrução do Brasil no primeiro feriado do ano, Dia Mundial da Paz e da Fraternidade Universal, adotado por quase todas as nações do planeta. Na multidão, misturavam-se pessoas de todos os cantos do Brasil, de diferentes trajetórias, das mais diversas profissões, de todas as idades, raças e orientações sexuais.

Por mais que tenhamos feito 36 horas de viagem, viemos em um regime de festa. As dificuldades foram suplantadas pela emoção, de ver a diversidade em Brasília novamente

João Rodrigues
Metalúrgico do Rio Grande do Sul

Odete Ribeiro, 58 anos e João Rodrigues, 60 anos, casados há 28 anos e moradores da Estância Velha no Rio Grande do Sul, a 40 km de Porto Alegre, estavam na Esplanada para acompanhar a posse. Eles enfrentaram 36 horas de viagem, do Sul do país até o Centro Oeste, junto a uma caravana de 100 pessoas que viajavam divididas em três ônibus. “Eu sou militante há 20 anos, sempre votei no Lula. Mas agora vi que a coisa está ficando difícil para todos. Não podemos plantar. Os insumos estão muito caros. Os produtores inclusive estão vendendo suas terras por conta das dificuldades”, contou Odete.

Leu essa? A pressa do povo com fome à espera dos primeiros 100 dias do governo Lula

Técnica de enfermagem, atualmente desempregada, a gaúcha disse que o casal veio a Brasília por muitos motivos, porém o mais forte é a expectativa de melhoria na educação do país. Atualmente, um de seus filhos estuda em universidade pública federal e os cortes feitos pelo governo Bolsonaro na educação têm afetado diretamente os estudos do filho. O marido, o metalúrgico João, explicou que, no Sul do país, no período eleitoral, houve intimidação aos militantes da campanha de Lula. “Teve uma pressão, uma ostensividade muito forte, sobre os trabalhadores. Muitas empresas estão com casos na justiça, no Ministério Público do Trabalho. Muitas pessoas tinham medo de colocar adesivos nos carros e nas casas porque não respeitavam e tivemos até arma apontada para nós”, relatou.

Somente Lula pode reconstruir novamente o país. Esse é o nosso ano da prosperidade e da esperança de dias melhores. Ainda na esperança do esperançar de Paulo Freire, o nosso país terá que lutar para que nunca mais volte esse desgoverno que veio para matar milhões de pessoas

Izailde Joana de Araújo
Professora de Pernambuco

Para o casal, tudo foi superado no dia em que Lula foi eleito: estar presente à posse era a comemoração de uma vitória indescritível. “Por mais que tenhamos feito 36 horas de viagem, viemos em um regime de festa. As dificuldades foram suplantadas pela emoção, de ver a diversidade em Brasília novamente. Pois fomos testemunhas da prisão do Presidente Lula por quase 600 dias. Tentaram acabar com o Partido dos Trabalhadores e com o protagonismo da classe operária do país, porém estamos de volta”, disse o metalúrgico.

João e Odete na festa da posse: alegria após 36 horas de viagem desde o Rio Grande do Sul (Foto: Tatiana Reis)
João e Odete na festa da posse: alegria após 36 horas de viagem desde o Rio Grande do Sul (Foto: Tatiana Reis)

A viagem não foi só festa. “Teve um momento em que tivemos dois banheiros para tomar banho para mais de 40 mulheres. O ônibus estacionado longe. Uma correria. Tínhamos que entrar no banheiro sem roupa para facilitar o banho para as próximas. Fazer as necessidades fisiológicas foi bem assustador. Mas foi uma viagem tranquila e com todos companheiros uns dos outros. Está valendo a pena”, contou Odete.

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Precisamos que a pauta LGBTQIAP+ seja transversal a todas as pastas e que esteja nas escolas públicas em todas as fases. Espero também que seja centralidade nas políticas públicas

Paulo Pereira Machado
Assistente social de Belo Horizonte

Assim como Odete e João, as professoras Sandra Gomes, de 56 anos, e Izailde Joana de Araújo, de 68, vieram de longe para a festa da democracia. Elas enfrentaram dois dias e meio de viagem de ônibus de Recife até Brasília com o propósito de marcar presença na data que retoma, segundo elas, a democracia e a justiça social. “Somente Lula pode reconstruir novamente o país. Esse é o nosso ano da prosperidade e da esperança de dias melhores. Ainda na esperança do esperançar de Paulo Freire, o nosso país terá que lutar para que nunca mais volte esse desgoverno que veio para matar milhões de pessoas” disse Izailde.

Elas vieram em uma caravana organizada pelo Sindicato dos Professores de Recife e estavam em um alojamento em Valparaíso de Goiás, cidade goiana vizinha. Sandra revela que foram recebidas com uma festa de réveillon que tinha como lema a esperança. “Nós que lutamos e queremos ver o país feliz temos que ajudar Lula nesse governo para que daqui há quatro anos tenhamos uma nova pessoa que não seja fascista e saiba o que é democracia”, acrescentou Izailde, frisando que imaginava o trajeto de mais de dois mil quilômetros seria pior, com mais dificuldades, mas a vontade de chegar e a felicidade pela vitória tornaram a viagem tranquila.

O assistente social e ativista Paulo na festa da posse: transversalidade para a pauta LGBTQIAP+ (Foto: Tatiana Reis)

Coordenador no Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte e ativista LGBTQIAP+, o assistente social Paulo Pereira Machado, 40 anos, estava com um grupo de amigos da prefeitura, mas veio de forma independente, estruturando a viagem com antecedência, desde a vitória de Lula em 30 de outubro. “Precisamos que a pauta LGBTQIAP+ seja transversal a todas as pastas e que esteja nas escolas públicas em todas as fases. Espero também que seja centralidade nas políticas públicas”, afirmou o assistente social.

Nós, negros contribuímos muito para o Brasil e muita coisa nos é negada até hoje. Chegar a uma faculdade, ainda hoje, é muito difícil porque não temos os privilégios que as pessoas de pele mais clara tem. Gostaria que o povo se educasse e prestasse atenção que em pleno 2023 a gente ainda tem que discutir isso

Maria das Dores Domingos
Babá, do Rio de Janeiro

Para Paulo, vir à posse significa esperança, não somente de um Brasil melhor, mas de um mundo. Do governo de Lula, espera inclusão e políticas públicas para a população LGBTQIAP+ principalmente na área da educação. O sindicalista e ativista fez campanha em Minas Gerais, com o objetivo de “contribuir para o fim do fascismo”, para candidatos progressistas. No meu Estado a política para o LGBTQIAP+ é muito ruim porque temos o Governador Zema. A lógica dele não trabalha a inclusão. É uma trajetória que marca a impunidade, como é o caso da Barragem de Brumadinho. Foi um crime em que as pessoas não foram indenizadas. Além disso, neste governo, há ataque aos servidores públicos. Isso é grave”, protestou.

Luiz Maurício e Maria das Dores na Esplanada: casal do Rio de Janeiro espera ações do governo Lula contra o racismo (Foto: Tatiana Reis)

A babá Maria das Dores Gino Domingos, 61 anos, e seu marido, Luiz Maurício Coelho Domingos, da mesma idade e técnico operacional de produção, cobram que o governo Lula se atente às pautas raciais. Eles acreditam que a população negra brasileira é inferiorizada e a todos os momentos em que tenta apontar atitudes racistas são criticados. “Nós contribuímos muito para o Brasil e muita coisa nos é negada até hoje. Chegar a uma faculdade, ainda hoje, é muito difícil porque não temos os privilégios que as pessoas de pele mais clara tem. Gostaria que o povo se educasse e prestasse atenção que em pleno 2023 a gente ainda tem que discutir isso. Se iniciarmos esse trabalho pela tenra idade, é capaz que haja mudança. Por isso, conto com o Presidente Lula” destacou Maria das Dores.

Quero políticas públicas para as pessoas com deficiência e que seja revisto tudo o que fizeram com essa parcela da população. É preciso frear o retrocesso de enviar as pessoas com deficiência para a classe especial. É preciso que o PCD tenha o direito de ser, participar e pertencer

Jô Nunes
Fundadora da Associação Brasileira de Síndrome de Williams, de São Paulo

O casal veio de ônibus e enfrentou 18 horas de viagem desde o Rio de Janeiro para prestigiar o evento, com a curiosidade de ver se a posse realmente seria como anunciada pelos noticiários. Eles lamentavam que a intolerância e o preconceito tenham aflorado e desunido familiares e amigos. Essa festa deu a eles novos círculos de relacionamentos. “Acredita que pessoas recusaram fazer trabalho pra mim achando que iria ter um golpe e que as Forças Armadas iriam entrar ou que ía ter comunismo?”, comentou Luiz Maurício. “Vamos celebrar esse dia por ser muito especial. Lula deve ter a oportunidade de mostrar que a política não se faz com ódio. Se eu pudesse, daria um abraço nele”, acrescentou o técnico de produção, dizendo acreditar que, se Bolsonaro tivesse vencido, a cena em que a deputada Carla Zambelli empunha uma arma e persegue o jornalista paulistano Luan Araújo seria corriqueira.

Não somente as pessoas que vieram de fora de Brasília tiveram dificuldades para participar da festa da posse de Lula. Benjamim Ginoux, de 37 anos, professor de francês e morador do Distrito Federal, recentemente machucou o pé e está se locomovendo por meio de uma cadeira de rodas. Ele lamentou que as cidades brasileiras não são pensadas para pedestres e muito menos cadeirantes. Nascido na França, conhece de perto cidades exemplos de mobilidade urbana. Paris, capital francesa, está implantando atualmente o projeto ‘Cidade de 15 minutos’ onde diferentes atividades e equipamentos públicos estão há 15 minutos distantes das moradias.

Jô Nunes, fundadora e presidente de honra da Associação Brasileira de Síndrome de Williams, na festa da posse: cobrança de políticas públicas para pessoas com deficiência (Foto: Tatiana Reis)

Mesmo com a dificuldade, Benjamim frisou que compareceu a posse para liberar a energia acumulada durante os quatro anos do Governo de extrema direita. “Vim manifestar a alegria e a esperança que foi renovada para reconstruir nosso país. Sou francês, mas moro há 15 anos no Brasil e já me sinto brasileiro. Minhas filhas e esposa são brasileiras. Lula propõe um projeto que pensa nas pessoas que não possuem o básico que é comida e educação. Por isso, lhe são negadas a dignidade. E ele vai além, quer consolidar a democracia e fazer um trabalho de base para politizar a população para sairmos dessa”, disse o professor.

Será um governo da reconstrução. Nós temos uma demanda muito retraída que é a regularização dos territórios indígenas. Nossa pauta principal é a terra

Sarapó Pankararu
Agente de endemias e líder indígena, de Pernambuco

Chegar à Esplanada não foi tarefa fácil, porém a cerimônia de posse foi preparada para receber pessoas com deficiência, com uma estrutura com cobertura e cadeiras para os PCDs e acompanhantes. Fundadora e presidente de honra da Associação Brasileira de Síndrome de Williams, Jô Nunes de 58 anos, veio celebrar e cobrar. “Quero que volte à pauta do Governo Lula o plano Viver Sem Limite. Quero políticas públicas para as pessoas com deficiência e que seja revisto tudo o que fizeram com essa parcela da população. É preciso frear o retrocesso de enviar as pessoas com deficiência para a classe especial. É preciso que o PCD tenha o direito de ser, participar e pertencer”, disse Jô, filha de João Nunes, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e militante pela moradia popular.

Sarapó Pankararu, agente de endemias e representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste e Espírito Santo, em Brasília: regularização dos territórios indígenas num governo de reconstrução (Foto: Tatiana Reis)

Os povos originários também estavam presentes na festa da democracia e presenciaram a posse do presidente que criou o Ministério dos Povos Indígenas e também nomeou uma mulher indígena (Joênia Wapichana) para presidir a Funai, agora rebatizada como Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Sarapó Pankararu, agente de endemias e representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste e Espírito Santo, chegou a Brasília, vindo de Pernambuco, de avião. “Será um governo da reconstrução. Nós temos uma demanda muito retraída que é a regularização dos territórios indígenas. Queremos regularizar esses territórios. Nossa pauta principal é a terra”, afirmou Sarapó, de 40 anos, pertencente ao povo Pankararu, do Estado de Pernambuco, acrescentando que Lula, desde o seu primeiro governo, promove visibilidade e esperança para os povos indígenas.

Antônia Gavião e o sobrinho Sadrak, da etnia Kaingang, de Roraima para Esplanada dos Ministérios: libertação após 522 anos de retrocesso e descaso em todos os sentidos (Foto: Tatiana Reis)

Antônia Gavião, viúva do líder e primeiro indígena formado em direito no Brasil, Ary Paliano, também estava presente na Esplanada dos Ministérios. De etnia Kaingang, do Sul do país, ela seguia correndo junto ao sobrinho Sadrak para ver o carro de Lula passando e saudando os presentes. Para ela, estar na posse é presenciar um momento histórico, um momento de libertação após 522 anos de retrocesso e descaso em todos os sentidos.

Ao ver Lula passar, ela lembrou o marido Ary que, junto a outras lideranças indígenas, deixou um projeto registrado e em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral do primeiro partido político nacional indígena, o PNI. “Meu esposo quando passou por Brasília deixou um projeto tramitando no TSE. A covid levou a maioria das lideranças do Diretório da Executiva Nacional. Essas lideranças que deixaram seu marco morreram, mas vamos levar adiante esse projeto”, prometeu.

Claudia Maciel

Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, graduanda em Serviço Social e pós-graduanda em Assessoria em Comunicação Pública, Claudia Maciel foi coordenadora de Comunicação da ‘Central Única das Favelas do Distrito Federal (CUFA DF), da Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS) e do Núcleo Juvenil Jovem de Expressão. Trabalhou por oito anos, como produtora, locutora e roteirista, no programa de rádio ‘Ação Periferia’ veiculado pela Rádio Nacional AM Brasília

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