Para o alto e avante

Carros voadores estão saindo da ficção e, tecnicamente, em breve já poderão cruzar os céus das cidades. Será que isso é mesmo bom?

Por Henrique Koifman | Mobilidade UrbanaODS 12 • Publicada em 21 de fevereiro de 2019 - 08:25 • Atualizada em 21 de fevereiro de 2019 - 13:10

O bilionário dono do Google, Larry Page, conseguiu uma autorização recente das autoridades da Nova Zelândia para desenvolver e testar no país um sistema de táxis voadores. Foto Divulgação
O bilionário dono do Google, Larry Page, conseguiu uma autorização recente das autoridades da Nova Zelândia para desenvolver e testar no país um sistema de táxis voadores.
O bilionário dono do Google, Larry Page, conseguiu uma autorização recente das autoridades da Nova Zelândia para desenvolver e testar no país um sistema de táxis voadores. Foto Divulgação

O dia está lindo, o Centro apinhado de gente e, nas ruas, carros e ônibus se arrastam em um anda-e-para desanimador e você tem um compromisso daqui a meia hora do outro lado da cidade. Sem sequer franzir a testa, você tira o smartfone do bolso, abre o aplicativo e solicita um carro. Em seguida, entra no edifício da esquina, vai até a cobertura e, cinco minutos depois, embarca ali em um eVTOL (Veículo Elétrico de Pouso e Decolagem Vertical, na sigla em inglês). Viajando pelo céu, você chega ao destino com tempo suficiente até para um cafezinho antes da sua reunião. Ficção? Se levarmos em conta a quantidade de empresas que, hoje, investem seriamente no desenvolvimento de veículos voadores com perfil semelhante ao descrito na ceninha acima, ela pode deixar de ser fictícia em poucos anos. O que falta para isso acontecer?

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O bilionário e mestre da inovação Larry Page (do Google) conseguiu recentemente das autoridades da Nova Zelândia permissão para desenvolver e testar naquele país insular um sistema de táxis voadores. Se tudo der certo, esse poderá ser o primeiro serviço comercial regulamentado desse tipo e, quem sabe, definir alguns dos parâmetros que depois poderão ser seguidos em outras partes do mundo

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Nos primeiros dias deste ano, no CES, – maior evento anual de tecnologia do mundo, que acontece em Las Vegas, nos EUA –, carros voadores como recurso para a mobilidade e suas implicações foram tema de um seminário com especialistas. Entre eles, Davit Rottblatt, diretor de desenvolvimento de negócios da EmbraerX, braço da companhia brasileira (ou ex-brasileira, a esta altura) dedicado a tecnologias inovadoras para a mobilidade e que também trabalha no desenvolvimento de um veículo desse tipo (veja o vídeo abaixo). No pavilhão de exposições, alguns protótipos foram mostrados ao público, mas, na prática, bem mais complicado do que produzir pequenas máquinas voadoras para passageiros é tornar seu uso em massa seguro e sustentável, para que, num futuro próximo, elas não sirvam simplesmente para ampliar o caos urbano – estendendo aos ares os engarrafamentos com seu barulho, poluição e acidentes de trânsito.

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Em 1842, antes mesmo do surgimento do primeiro avião, um inventor de teares inglês chamado William Henson requereu a primeira patente de uma “carruagem aérea”. Reprodução

Em escala menor e contexto um pouco diferente, São Paulo já oferece hoje uma boa mostra da encrenca que pode vir por aí nos céus urbanos. A capital paulista é a cidade com a maior frota de helicópteros em atividade no mundo – superando Nova York, que ocupa o segundo lugar. Com uma média diária de um pouso de helicóptero a cada 45 segundos, a Pauliceia era permanentemente sobrevoada em 2013 (ano do último levantamento oficial), por 411 aeronaves desse tipo registradas, com um movimento de 2.200 pousos e decolagens diários – números que, a despeito da crise econômica, devem ser um pouco maiores hoje. Tamanho enxame exigiu que a cidade criasse o primeiro serviço de controle aéreo específico para helicópteros no mundo – sendo seguida, depois, pela Cidade do México.

Não podemos esquecer que, atualmente, o helicóptero é utilizado como meio de transporte principalmente por uma elite, formada em grande parte por executivos – ou seja, gente que pode pagar o alto custo desses atalhos aéreos para fugir dos congestionamentos em terra. Se o serviço fosse mais acessível – e esse é o objetivo da grande maioria dos projetos em desenvolvimento hoje –, esses números poderiam ser exponencialmente maiores. Como controlar um tráfego aéreo dessa magnitude e garantir que seja seguro e não ameace a qualidade de vida nas cidades? Não é demais lembrar que foi um trágico e recente acidente de helicóptero, em São Paulo, que matou o jornalista Ricardo Boechat. Assim, como incluir e coordenar mais tantas aeronaves, rotas, pousos e decolagens em sistemas já tão saturados como os das grandes metrópoles?

Essa preocupação fundamental já está na pauta da FAA – Federal Aviation Administration, responsável pela área nos EUA, que parece ser o personagem mais realista de todo esse enredo futurista e tem sinalizado com um posicionamento no mínimo crítico. O órgão público já começou a discutir o assunto internamente e com especialistas e empresas de inovação. A solução não parece ser nada simples e muito provavelmente demandará toda uma nova regulamentação, que pode levar até mais tempo do que todo o desenvolvimento tecnológico necessário para que as máquinas se tornem viáveis.

Tempo que, talvez, o bilionário e mestre da inovação Larry Page (do Google) não precise esperar. Correndo por fora dos continentes, ele conseguiu recentemente das autoridades da Nova Zelândia permissão para desenvolver e testar naquele país insular um sistema de táxis voadores. E isso quer dizer que, se tudo der certo, esse poderá ser o primeiro serviço comercial regulamentado desse tipo e, quem sabe, definir alguns dos parâmetros que depois poderão ser seguidos em outras partes do mundo.

Sonho antigo. Carros voadores não são exatamente uma novidade, pelo menos em conceito. Em 1842, antes mesmo do surgimento do primeiro avião, um inventor de teares inglês chamado William Henson requereu a primeira patente de uma “carruagem aérea”, fundando junto a startup Aerial Transit Company. Movido a vapor, sua máquina “mais pesadíssima” que o ar jamais saiu do papel. E, já nos anos 1920, Henry Ford sonhava em colocar nos céus veículos tão populares e acessíveis quanto seus carros Modelo T, chegando a investir em um protótipo chamado Flivver nos anos 1920. Ford nunca tirou a ideia da cabeça e, até perto de morrer, em 1947, afirmava que automóveis voadores logo se tornariam comuns.

Aero táxi autônomo da Bell, mostrado na CES 2019. Foto Divulgação

Na verdade, já existem carros voadores “operacionais” (que efetivamente funcionam) há pelo menos 70 anos. Os motivos para que eles ainda não tenham decolado até hoje são muitos, mas tudo indica que finalmente estão sendo superados. Para começar, a insistência em oferecer uma combinação de veículo de passeio para o asfalto com avião pequeno invariavelmente resultava em máquinas que eram medíocres rodando em terra e sofríveis quando ganhavam os ares. Além disso, quase todas as engenhocas desse tipo fabricadas até bem pouco tempo necessitavam de uma pista para decolar e pousar ou utilizavam grandes hélices (como helicópteros), além de produzirem um barulhão, o que restringia muito o seu uso em áreas urbanas, por exemplo.

Hoje, o senso comum é de que, para serem viáveis nas cidades, esses veículos têm de decolar e pousar na vertical, no menor espaço possível. Assim, a maioria dos protótipos se assemelha mais a pequenos helicópteros – ou grandes drones – do que a carros de passeio ou aviões. E, para torná-los mais amigáveis ao meio ambiente – e aos vizinhos –, quase todos eles têm propulsão elétrica, algo que se torna cada vez mais viável com o desenvolvimento de baterias mais leves, duráveis e sustentáveis.

O piloto vai sumir. Mas os complicadores não param por aí. Hoje, alguém que queira conduzir um veículo desses é obrigado a ter um brevê de piloto com Licença e Habilitação para Piloto privado de avião – o que é caro e complexo. Na Europa, já se discute uma categoria de habilitação à parte, específica para isso, com formação simplificada para veículos aéreos semiautomatizados. E outra solução para contornar essa limitação seria a automatização total das máquinas voadoras, nos mesmos moldes do que já começa a acontecer com os automóveis terrestres.

Não por acaso, muitos dos projetos em desenvolvimento atualmente – como o financiado pela Uber – têm como objetivo exatamente criar veículos parcial ou totalmente controlados pela inteligência artificial, dispensando ao máximo o “componente humano” ou, pelo menos, tornando desnecessária uma formação completa de piloto para poder conduzi-lo. A automação, portanto, reduziria custos e poderia trazer, também, recursos para facilitar o tráfego e aumentar sua segurança: funcionando em rede, os táxis voadores automatizados teriam seus percursos totalmente controlados por sistemas de inteligência artificial, que garantiriam não apenas que uns não colidissem com os outros, como também mantivessem rotas seguras em relação a outras aeronaves, edifícios etc.

Anúncio futurista dos anos 50. Reprodução

Além de tudo, claro, quando se trata de qualquer coisa que se pretende fabricar em massa, o preço é um fator decisivo. Até recentemente, uma máquina dessas custava praticamente o mesmo (ou até mais) que o de um pequeno avião ou um helicóptero mais simples. Hoje, boa parte dos projetos prevê a utilização de vários motores elétricos pequenos – em vez de somente um, maior, mais pesado e mais caro – e construção simplificada. Características que, uma vez que se alcance um volume de produção razoável tendem a fazer com que seu custo caia – ou melhor, se reduza, pois os verbos voar e cair não combinam lá muito bem em uma mesma frase.

Também por conta da viabilidade de custos, grande parte dos projetos desenvolvidos atualmente tem como incentivadores empresas que oferecem (ou pretendem oferecer) serviços de compartilhamento de veículos e/ou sua operação por meio de aplicativos, nos moldes da Cabify e da já mencionada Uber – que prevê o início de operação desses serviços, ainda que em cidades regiões restritas, já para 2023. Ou seja, a tal ceninha fictícia descrita no primeiro parágrafo pode estar mais perto de acontecer do que parece.

Veja a seguir 10 projetos de carros voadores, alguns deles parecendo estar bem perto de uma decolagem real, outros nem tanto:

1 – Vahana da Airbus – https://www.airbus-sv.com/projects/1 . A empresa já demonstrou interesse em implantar um serviço em São Paulo (onde mais?).

2 – Passenger Drone – https://passengerdrone.com e https://youtu.be/V3pi4HfQ0Gc

3 – Táxis voadores da Uber – https://www.digitaltrends.com/cool-tech/uber-elevate-flying-cars/  vídeo de divulgação – https://youtu.be/JuWOUEFB_IQ e https://www.uber.com/br/pt-br/elevate/uberair/  “Seus deslocamentos urbanos não serão mais em apenas duas dimensões”

4 – Aero táxi autônomo da Bell, mostrado na CES 2019 (fabricante de helicópteros) – https://www.bellflight.com/company/innovation/air-taxi

5 – O táxi voador de Larry Page – https://youtu.be/zcmHXvR-W1c

6 – eHANG, chinês pequenino e autônomo – http://www.ehang.com/ehang184/

7 – BlackFly – Personal Aerial Vehicle (PAV) – Pequeno e acessível – https://www.opener.aero

8 – Lilium Aviation – esse sim se parece com um carro esporte –  https://lilium.comhttps://youtu.be/bQSDKmVoaIo

9 – Aston Martin Volante Vision – e por falar em carro esporte, em breve, James Bond vai chegar voando… –  https://youtu.be/xOaMDhxSnMw

10 – Terrafugia – à moda antiga, com motor a explosão e capacidade para rodar em estradas – https://terrafugia.com

Henrique Koifman

É carioca e jornalista com passagem por jornais e revistas da grande imprensa. Sócio da Rebimboca Comunicação, dedicada à produção de conteúdo, é apaixonado por carros desde pequeno. Pilota o blog Rebimboca on-line, no portal do jornal O Globo e é apresentador do programa de TV Oficina Motor (canal +Globosat).

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