Hospital flutuante na Amazônia

Projeto Saúde e Alegria

Por Kelly Lima | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 14 de novembro de 2016 - 09:06 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:20

Eugenio, do projeto Saude e Alegria. Foto de divulgacao
Eugenio, do projeto Saude e Alegria. Foto de divulgacao
O médico sanitarista Eugênio Scannavino, fundador do projeto Saúde e Alegria, recebe pacientes  a bordo do hospital-navio. Foto de divulgação

Mais conhecido pela resistência à construção de hidrelétricas e pelas belezas naturais de Alter do Chão – que já levou o título de Caribe Brasileiro, do jornal inglês The Guardian –, o Rio Tapajós guarda em suas beiras iniciativa exemplar no quesito desenvolvimento econômico regional. Batizado de Saúde e Alegria, o projeto de uma ONG que completa 30 anos em 2017 atua onde os governos se ausentaram. Além de oferecer atendimento médico,  a instituição instala centros educacionais regionais, leva água e energia para comunidades isoladas.

A saúde era o principal mote dos empreendedores sociais Eugênio Scannavino Netto (médico sanitarista) e Márcia Silveira Gama (arte-educadora), contratados em 1983 pela Prefeitura de Santarém, Pará, para dar assistência à população das comunidades ribeirinhas. A dupla encontrou um cenário em que o mais urgente era a prevenção, já que muitas doenças poderiam ser evitadas com medidas simples, pesquisas, treinamento de voluntários e educação, para melhoras as condições de higiene e reduzir os altos índices de desnutrição e mortalidade infantil.

Hospital a bordo

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Hospital flutuante. Foto de Divulgação

Foi assim que surgiu a ONG, com sede e Santarém, mas com equipe itinerante, que percorre a região, visitando as comunidades ribeirinhas, em um barco de madeira de dois andares, equipado com consultório médico. A trupe formada por médicos e voluntários – em assistência social, saúde e educação – chega aos vilarejos levando música, show de palhaço, treinamento e consultas médicas.

Palhaço. Foto de Divulgação

Ao longo das décadas, no entanto, o Projeto Saúde e Alegria (PSA) foi agregando muito mais do que apenas inciativas de prevenção e saúde comunitária. A experiência se consolidou, gradualmente, numa proposta de desenvolvimento comunitário integrado, iniciada em 16 comunidades piloto e que, a partir dos anos 2000, começou a se multiplicar de forma horizontal, expandindo-se para novas áreas, com a gestão compartilhada com os próprios moradores das comunidades.

“Nós entendemos que nada adiantava chegar na comunidade e ditar regras, implementar programas sociais ou aplicar assistência para curar doenças. Era preciso ouvir o que a população queria, entender a fundo o problema de cada uma delas e agir após a identificação desse foco. Foi dessa maneira que conseguimos diminuir em grande parte a mortalidade infantil ou o número de vítimas de doenças ligadas a saneamento”, conta Scannavino,  criador do projeto e principal coordenador da ONG, atualmente ao lado do irmão Caetano.

Hoje, o PSA atua diretamente em quatro municípios da região oeste do Pará – Santarém, Belterra, Aveiro e Juruti, beneficiando cerca de 30 mil pessoas, distribuídas em mais de 150 comunidades ribeirinhas. E se tornou referência como instituição fomentadora de programas de desenvolvimento sustentável.

A mais recente dessas ações – que não se restringem apenas às comunidades instaladas na beira do Rio Tapajós, mas também em um de seus principais afluentes, o Rio Arapiuns – foi a instalação do sistema de abastecimento de água potável para uso doméstico na Aldeia Solimões, comunidade indígena com 44 famílias e 278 pessoas, sendo 57 crianças de até 11 anos, e 44 jovens, entre 12 e 18. É o 36º microssistema de abastecimento e gestão comunitária feito com mutirões de moradores e apoio técnico do Projeto Saúde e Alegria. Pelo projeto, desde 1996, já foram instalados 130 quilômetros de encanamento hidráulico subterrâneo, beneficiando 2.288 famílias e cerca de 12 mil moradores.

Água boa

Na região do Baixo Tapajós, na Amazônia, onde vivem essas famílias, o consumo inadequado de água do rio – contaminada por diferentes fontes – é responsável pela grande incidência de doenças primárias e pela mortalidade infantil por viroses e diarreias agudas. Não há serviço público de abastecimento de água potável encanada para uso doméstico aos povos da floresta, muito menos coleta de esgoto e lixo. A instalação desse sistema de abastecimento – viabilizada pelo Saúde e Alegria, com parcerias de universidades, instituições e investidores – foi possível também por conta de outro projeto da ONG: o acesso à energia limpa. Nos primeiros microssistemas de abastecimento de água planejados pelo Saúde e Alegria, a utilização de diesel para bombear a água dos poços era a única saída. Mas avanços tecnológicos permitiram que os mais novos sistemas passassem a  utilizar energia solar.

Em parceria com o Instituto de Energia e Ambiente — IEE/USP e Usinazul, o microssistema de Solimões é o primeiro feito na Amazônia usando um modelo solar flexível que dispensa a necessidade de baterias, mas garante uma alternativa de uso de diesel em caso de necessidade. Além da assessoria técnica do IEE/USP, a PHP Solar doou componentes elétricos difíceis de encontrar no mercado na região amazônica. Detalhe: toda a instalação desses sistemas foi participativa, integrando as comunidades. “Criar um modelo de construção participativa, além de baratear o custo, envolve e engaja a comunidade”, comenta Carlos Dombrovski, coordenador de saneamento do PSA.

Kelly Lima

Kelly Lima é paulista, mas há 14 anos no Rio já se considera um pouco carioca. Formada em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializou-se em economia, atuando na cobertura da área de energia por mais de uma década na Agência Estado. Mais recentemente, trabalhou na área de desenvolvimento econômico e social do BNDES e do Governo do Estado do Rio. É sócia da Alter Comunicação, que produz conteúdo informativo para instituições e empresas, entre elas o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

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