Apesar de acumular dívidas com funcionários, prestadores de serviço e fornecedores, o governo do Estado do Rio aceitou abrir mão de R$ 1,6 milhão em impostos para ajudar a erguer a tenda do Cirque du Soleil, que iniciará a temporada carioca do espetáculo ‘Amaluna’ no dia 28, no Parque Olímpico.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]A lei 7.023, de junho de 2015, que fez duas emendas à Lei de Incentivo à Cultura, determinou um teto de 10% do salário mínimo regional para o valor do ingresso em eventos apoiados. Como o piso estadual é de R$ 1.136,56, os ingressos deveriam custar, no máximo R$ 113,65. Mas, para ver o Cirque du Soleil no Rio, será preciso desembolsar entre R$ 125,00 (valor da meia entrada para os lugares mais baratos) e R$ 700,00
[/g1_quote]No dia 3 de outubro, o Diário Oficial publicou a concessão do incentivo fiscal ao grupo – o valor será abatido do ICMS (imposto que incide sobre a circulação de mercadorias a serviços) que será pago por um dos patrocinadores da série de apresentações, a rede de lojas Riachuelo.
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Veja o que já enviamosA lei 7.023, de junho de 2015, que fez duas emendas à Lei de Incentivo à Cultura, determinou um teto de 10% do salário mínimo regional para o valor do ingresso em eventos apoiados. Como o piso estadual é de R$ 1.136,56, os ingressos deveriam custar, no máximo R$ 113,65. Mas, para ver o Cirque du Soleil no Rio, será preciso desembolsar entre R$ 125,00 (valor da meia entrada para os lugares mais baratos) e R$ 700,00. Na interpretação do governo (ver abaixo), uma outra lei excluiu o limite de preço de entradas para espetáculos de grande porte.
A concessão do benefício foi autorizada, em caráter excepcional, pelo então secretário de Cultura, o deputado estadual André Lazaroni (PMDB). Além do R$ 1,6 milhão, o grupo empresarial investirá mais R$ 400 mil nos shows, o que corresponde a um patrocínio de R$ 2 milhões – a lei autoriza isenção de até 80% de todo o valor aplicado em eventos.
Em 2006, o Ministério da Cultura permitiu que os organizadores da turnê do Cirque du Soleil no Brasil captassem até R$ 9,4 milhões junto a patrocinadores. Pelas regras da Lei Rouanet, as empresas teriam direito a abater a soma em impostos. A repercussão negativa foi tão grande que, em suas vindas posteriores ao país, a trupe não recebeu esse benefício do governo federal.
Fundado em 1984, no Canadá, o grupo, segundo a revista ‘Fortune’, faturou US$ 845 milhões em 2014, o equivalente, hoje, a R$ 2,8 bilhões. No ano seguinte, o controle da empresa foi adquirido por um valor estimado em US$ 1,4 bilhão, o que representa R$ 4,6 bilhões – muito acima dos R$ 2,9 bilhões que o governo do Rio pegou emprestado para conseguir quitar suas dívidas com os servidores.
O estado ainda não pagou o décimo terceiro de 2016, milhares de funcionários, aposentados e pensionistas também estão sem receber gratificações e os salários de setembro, outubro e novembro. O dinheiro do empréstimo ainda não foi liberado.
O Diário Oficial mostra que a rede de lojas pulverizou os investimentos e o consequente recebimento dos benefícios fiscais. Há apenas um processo relativo ao apoio aos shows do Cirque du Soleil, mas o investimento foi dividido em 17 itens que apresentam diferentes valores. O patrocínio total foi repartido entre filiais das Lojas Riachuelo no estado – cada uma tem seu próprio registro no CNPJ, Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.
Artigo incluído na Lei de Incentivo à Cultura pela Lei 7.004, de 2015, determina que planilhas detalhadas com os orçamentos de projetos contemplados por incentivos fiscais terão que ser divulgadas na Internet, nos sites da secretaria responsável pela concessão do benefício e do próprio projeto. Planilhas relativas ao Cirque du Soleil e a outros espetáculos não estão disponíveis.
O espetáculo ‘Amaluna’ é definido como uma história épica e emocional de amor” entre a filha da rainha de uma ilha e um “bravo jovem pretendente”. O show, que ficará em cartaz até o dia 21 de janeiro, inclui números de trapezistas, bailarinos, acrobatas e palhaços.
Explicações do governo
A Secretaria de Cultura defendeu o investimento no Cirque du Soleil mesmo diante da crise do estado. Afirmou que o fim dos benefícios “prejudicaria uma política pública já instalada, causando resultados devastadores, os quais serviriam para agravar a crise”. Ressaltou que o patrocinador fará uma doação de R$ 368.927,72 para o Fundo Estadual de Cultura e destinará 1.200 ingressos para alunos da rede pública.
Ex-secretário de Cultura, André Lazaroni foi na mesma linha. Segundo ele, as apresentações integram o calendário turístico do estado e darão aos cofres públicos um retorno superior à renúncia fiscal.
Lazaroni disse que o caráter excepcional da autorização se deu por conta do valor do benefício, alto para os padrões do governo. Em casos assim, de acordo com ele, cabe ao próprio secretário determinar a concessão do incentivo.
Em resposta ao questionário enviado pelo Projeto #Colabora, a Secretaria de Cultura também falou no “caráter excepcional” e no porte do evento para justificar o não cumprimento do limite para o preço dos ingressos. Segundo o órgão, o apoio ao Cirque du Soleil “se utilizou, não só da Lei Estadual, mas de diversas formas de investimento bem como de outras leis de incentivo”.
Superintendente da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, a advogada Carla Pretti detalhou a explicação: para ela, o artigo 47 da lei 7.035, de julho de 2015, elimina a exigência de teto no preço de ingressos para eventos classificados como de grande porte pela área técnica da Secretaria.
O artigo diz que o governo “fará cumprir o que determina a Lei nº 7.023 de 16 de junho de 2015, quanto aos incentivos para as produções culturais de pequeno e médio porte.” A 7.023, tem um artigo específico sobre estes projetos, trata de uma cota de 20% dos incentivos para atividades culturais.
A advogada afirmou que, a cada quatro meses, a Secretaria de Cultura publica dados sobre os projetos apoiados, mas admitiu que nunca houve a publicação de orçamentos detalhado, como prevê a lei.
Segundo a Secretaria de Cultura, projetos de incentivo aprovados em 2016 e em 2017 representaram uma renúncia fiscal de, respectivamente, R$ 45,5 milhões e de R$ 40 milhões (este, um valor aproximado).