(Fotos de João Roberto Ripper) – Mais de 40 comunidades tradicionais do Norte de Minas estão ameaçadas pela grilagem de terras, pela exploração da monocultura do eucalipto, pelas barragens de mineradoras e outros grandes empreendimentos, envolvendo corporações nacionais e estrangeiras. Entre essas comunidades estão os quilombolas de Lapinha, no município de Matias Cardoso, os geraizeiros de Riacho dos Machados e populações tradicionais de Grão Mogol e Padre Carvalho.
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Veja o que já enviamosNa última semana de setembro, representantes dessas comunidades participaram, na Unimontes, a Universidade Estadual de Montes Claros, do VI Colóquio Internacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Indígenas, quilombolas, geraizeiros, veredeiros, pescadores artesanais e representantes de comunidades de atingidos por barragens, entre outros povos ameaçados, reuniram-se em audiência pública, conferências, mesas redondas, oficinas e outras atividades, para debater o tema “Direitos e Bem Viver”.
Ao final do evento, os participantes divulgaram uma carta em que manifestam sua “indignação contra a violação de direitos humanos e territoriais previstos na Constituição Brasileira e em acordos internacionais”. Eles criticaram também “a escalada de violência pela criminalização e assassinato de lideranças” de movimento sociais.
Em todo o Brasil existem, hoje, seis mil comunidades quilombolas e Minas Gerais figura, ao lado da Bahia e do Maranhão, entre os estados que detêm o maior número, segundo informou, durante o colóquio, a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil, Maria Rosalina dos Santos.
[g1_quote author_name=”Leninha” author_description=”Deputada estadual” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Não é exagero falar que o Brasil de 2019 está bem próximo do Brasil de 1500. Vivemos sob um governo genocida que nunca escondeu sua intenção de tirar territórios dos povos indígenas e tradicionais
[/g1_quote]Esses grupos contam, inclusive, com o apoio da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, Quilombolas e Demais Comunidades Tradicionais no Congresso Nacional, criada em abril deste ano. Em nível estadual, essas populações também recebem apoio de deputados progressistas, ambientalistas, acadêmicos e militantes.
“Não é exagero falar que o Brasil de 2019 está bem próximo do Brasil de 1500. Vivemos sob um governo genocida que nunca escondeu sua intenção de tirar territórios dos povos indígenas e tradicionais”, afirmou, em audiência pública durante o colóquio, a deputada estadual Leninha (PT-MG), natural do Norte de Minas. Para a parlamentar, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, “a agressividade no discurso do presidente da República tem servido de combustível para a violência cometida contra os territórios e os povos originários. O resultado é o aumento de invasões e mortes Brasil afora”, critica.
Defendendo a unificação dos povos tradicionais, pelo direito à terra, à moradia e ao trabalho, a deputada estadual Andréia de Jesus (Psol-MG), destaca que “a luta é contra as mineradoras, que tomam as terras das comunidades tradicionais protetoras do meio ambiente e são criminalizadas”. Segundo ela, essas empresas “roubam as terras, os rios, as matas e os sonhos das pessoas e transformaram Brumadinho e Mariana num velório constante”.
Quilombolas da Lapinha ocupam território há quase três séculos
Remanescentes do antigo quilombo da Lapinha, que remonta ao distante Século XVIII, cerca de 110 famílias lutam, há anos, para se manter na Fazenda Casa Grande, latifúndio improdutivo localizado em Matias Cardoso. A disputa se dá com latifundiários e grileiros, e envolveu até o IEF, o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, que pretendia preservar o local como parque de reserva natural.
Na luta pela manutenção e reconhecimento de seu território, os quilombolas da Lapinha conseguiram, no final de 2018, que o governo do Estado de Minas reconhecesse a área como de interesse social. Após o acordo, o IEF se retirou do local. Contudo, tempos depois, uma liminar da Justiça voltou a favorecer os latifundiários.
Após muita mobilização, em julho, a comunidade conseguiu reabrir o espaço de discussão da Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais. Esse fórum foi instituído em Minas Gerais, no governo passado, por pressão dos movimentos sociais, com o objetivo de mediar e solucionar conflitos fundiários. Com o advento do novo governo, embora não tenha sido extinta, essa instância de discussão estava inoperante.
Sem a intervenção da Mesa de Negociação, vários despejos foram realizados no primeiro semestre do ano. Os quilombolas da Lapinha também foram ameaçados. Com a mobilização da comunidade e o apoio de entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de alguns parlamentares, o fórum de discussão foi reaberto e a liminar e o despejo suspensos.
“Mas até hoje ainda não temos uma solução definitiva”, lamenta Helena Cardoso de Almeida Batista, coordenadora da Associação Quilombola de Lapinha.
“A nossa expectativa é que a gente consiga a titularidade do território e o reconhecimento de que a Fazenda Grande nos pertence”, afirma a líder comunitária, garantindo, que existe, inclusive, laudo antropológico que atesta a ancestralidade do seu povo e o direito da comunidade ao território.
Ouro e ferro ameaçam Riacho dos Machados, Grão Mogol e Padre Carvalho
Localizado entre o Cerrado e a Caatinga, onde, na maior parte do ano, o clima seco impõe escassez de água, o município de Riacho dos Machados passou a sofrer ainda mais após a instalação de empreendimentos minerários da MRM, empresa ligada à canadense Bio Gold.
A mineradora explora ouro na região há quase uma década, abrindo poços artesianos e construindo barragens que se utilizam das águas de rios e da chuva. Com isso, as comunidades rurais, além de sofrerem com a escassez de água, temem também por sua contaminação por metais.
Ouro em Riacho dos Machados, ferro em Grão Mogol e Padre Carvalho, outros dois municípios do Norte de Minas. Nessas comunidades, a luta também é contra as mineradoras, onde a Companhia Sul Americana de Metais (SAM), de Hong Kong, quer explorar o minério de ferro.
A mineradora já obteve a licença prévia e caso o projeto seja aprovado, a população, que normalmente convive com o racionamento de água, teme enfrentar uma série de outras violações de direitos.