Um estudo realizado por universidades chinesas e publicado na revista “Science of the Total Environment” apontou que a exposição de peixes da espécie Danio rerio (popularmente conhecido como paulistinha) ao composto orgânico geosmina indicou aumento de alterações como “suicídio celular” e perturbação endócrina durante a fase embrionária. Com 70% do genoma semelhante ao de humanos, o paulistinha tem sido uma das espécies de peixes mais utilizadas como organismos-teste em ensaios de toxicidade. Pesquisadores sublinham, porém, serem necessários mais testes para avaliar impactos nocivo na ingestão da geosmina em seres humanos e os efeitos acumulativos. O composto ficou famoso na Região Metropolitana do Rio no início do ano, quando a água distribuída pela Cedae na Estação do Guandu chegou às torneiras com odor de barro (geosmina, do grego, significa “aroma de terra”).
“A maioria dos estudos avaliou concentrações relativamente altas de geosmina, excedendo em muito os níveis reais no ambiente”, diz Adriana Sotero, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz. “É preciso avançar em novas avaliações, para sabermos dos impactos da ingestão nos humanos”.
O artigo científico é assinado por pesquisadores da Universidade de Xiangtan e pela Academia Chinesa de Ciências. Foram utilizados peixes reproduzidos pelo Instituto de Hidrobiologia da Academia Chinesa de Ciências, em Wuhan, numa incubadora bioquímica. Os ovos foram fertilizados naturalmente. As análises incluíram um grupo-controle (apenas com água), um grupo com solvente e três grupos com exposição à geosmina, em diferentes concentrações. Os resultados mostraram ausência de morte dos peixes, mas verificaram que a geosmina “desencadeia estresse oxidativo e ativa as enzimas antioxidantes”. Causa ainda apoptose (suicídio celular programado) e aumenta o comprimento do corpo do Danio rerio, alterando importantes funções relacionadas à geração de energia e ao funcionamento de hormônio.
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Veja o que já enviamosSe o estudo não é conclusivo para ligar o alerta sobre o consumo humano da geosmina, ele deixa em aberto a possibilidade de o composto orgânico estar associado a efeitos menos graves, mais crônicos, caso fôssemos expostos diretamente à substância. Daí a importância da sequência de novas avaliações sobre os efeitos endócrinos/hormonais em vertebrados, algo ainda incipiente.
“Da mesma forma que é prematuro afirmar que tem problema o consumo da geosmina por humanos, é extremamente impróprio assegurar que não haja. Embora, no estudo em questão, as análises in vitro não demonstraram mortes dos peixes, nas fases embrionárias e adulta, concentrações não tão altas causaram problemas endócrinos”, comenta o biólogo Rafael Oliveira, que trabalhou anos com avaliações de toxicidade no Danio rerio.
Presença de cianobactérias caiu pós-crise
A crise da geosmina começou no dia 6 de janeiro, quando moradores da capital fluminense e da Zona Oeste começaram a se queixar de odor e gosto estranhos na água. A Cedae informou, então, tratar-se de geosmina, composto decorrente da cisão de membranas celulares de cianobactérias. A origem foi uma floração dessas algas na lagoa de captação da Estação de Tratamento de Água do Guandu, em Nova Iguaçu. A pedido do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público do Rio de Janeiro, houve uma série de análises da qualidade do manancial pela Fiocruz. Em março, o portal ((o))eco mostrou que a cianobactéria de gênero Planktrhotricoides foi apontada como a responsável pelo problema.
A boa notícia é que, se durante a crise as análises mostraram a presença de 22 cianobactérias (análise em 13 de janeiro) potencialmente geradoras de hepatotoxinas, no relatório do pós-crise (9 de março) houve redução para cinco gêneros. Isso indica que, ao menos por ora, os 9,5 milhões de habitantes que recebem água do Guandu estão livres da geosmina. Mas, enquanto o manancial da Cedae conviver com esgoto in-natura diariamente, o problema sempre estará à espreita. Na captação do Guandu, a quantidade de coliformes termotolerantes e Escherichia coli está sempre superior ao limite preconizado pela lei.
“Eventos similares tendem a se tornar mais frequentes e críticos no futuro, especialmente em caso de escassez hídrica. Portanto, medidas e ações de gestão nos recursos hídricos precisam urgentemente ser adotadas”, adverte a pesquisadora Adriana Sotero.