Área verde de Nova York sem vestígios do lixão do 11 de Setembro

Maior aterro sanitário do mundo no fim do século 20, Fresh Kills recebeu destroços das torres gêmeas antes de fechar definitivamente e dar lugar a parque

Por Oscar Valporto | ODS 6 • Publicada em 11 de setembro de 2021 - 10:14 • Atualizada em 21 de setembro de 2021 - 16:06

Visitantes no Parque Fresh Kills: maior aterro sanitário do mundo, receptor do lixo dos destroços do 11 de Setembro, vira área verde em Nova York (Foto: Parque Fresh Kills/divulgação)

Em março de 2001, ao ser fechado após pouco mais de 50 anos, o aterro sanitário Fresh Kills, em Nova York, era o maior do mundo: chegava a receber 700 toneladas de lixo por dia. Seis meses depois, o lixão reabriu para ser um depósito de resíduos do 11 de Setembro, retirados dos escombros das torres gêmeas do World Trade Center, derrubadas após o ataque com aviões dos terroristas do Al Qaeda. Parte do aterro permaneceu aberto por mais um ano, enquanto o material era analisado pelo que é considerado o maior trabalho de perícia técnica da história, na busca por restos mortais de vítimas. Agora, 20 anos depois do 11 de Setembro, não há mais vestígio do aterro: Fresh Kills virou um parque que, quando estiver concluído, será três vezes maior que o Central Park.

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O Parque Fresh Kills tem apenas algumas áreas inteiramente abertas ao público, mas é possível agendar visitas para conhecer toda a região que ocupa uma área de 900 hectares no distrito de Staten Island, uma ilha ligada por pontes ao distrito do Brooklyn e ao estado de Nova Jersey. Para os quase 500 mil moradores da ilha, o parque é uma bênção – menos pela enorme área verde, que ainda não pode ser inteiramente aproveitada pelos vizinhos, e mais pelo alívio de ficar livre do lixão a céu aberto que, entre 1948 e 2001, tornou a parte noroeste do distrito uma referência em mau cheiro e poluição ambiental.

O 11 de Setembro é celebrado em Manhattan, no Ground Zero, o lugar onde ficavam as torres gêmeas. É ali que moradores da cidade homenageiam seus mortos. Em Staten Island, houve comemoração em 22 de março para celebrar os 20 anos do dia em que a última barcaça de lixo atracou no aterro sanitário para despejar o lixo de Nova York. No começo do século 21, todos os outros aterros sanitários da cidade já haviam sido fechados: todo o lixo era despejado em Fresh Kills.

Mas as duas datas de 2001 seguem se confundindo porque muitos parentes de vítimas não encontradas do 11 de Setembro acreditam que alguns restos mortais estejam sob a terra do parque – depois do fechamento definitivo do aterro, o lixo ainda remanescente, inclusive dos destroços do World Trade Center, foi coberto para a implementação do Parque Fresh Kills.

O aterro sanitário de Fresh Kills, o maior do mundo na década de 1990: 29 mil toneladas de lixo por dia 29 mil toneladas de lixo por dia (Foto: Fresh Kills Aliance)
O aterro sanitário de Fresh Kills, o maior do mundo na década de 1990: 29 mil toneladas de lixo por dia (Foto: Fresh Kills Aliance)

O maior aterro sanitário do mundo

Fresh Kills era uma área de riachos de maré e pântanos costeiros. O nome vem da palavra holandesa kille, que significa “leito do rio” ou “canal de água”. Em 1948, a Prefeitura de Nova York instalou um aterro sanitário naquele estuário de água doce na parte oeste de Staten Island, com a promessa de que seria uma instalação provisória: a área aterrada serviria, depois de alguns anos, para a construção de residências. Isso não aconteceu: em 1955, Fresh Kills já era o maior aterro sanitário do mundo; em 1961, sua área foi ampliada. Em 1991, depois que os lixões a céu aberto nos distritos de Queens e do Bronx foram fechados, Fresh Kills se tornou o único aterro sanitário ativo na cidade de Nova York. Nesta fase, chegou a receber 29 mil toneladas de lixo por dia e a empregar quase 700 pessoas em sua operação.

Desde a década de 1980, os moradores de Staten Island e seus representantes já atuavam junto à Prefeitura de Nova York pelo fechamento do lixão. Quando todo o lixo da cidade passou a ser concentrado em Fresh Kills, eles moveram uma ação contra a Prefeitura, o departamento de saneamento da cidade e o estado de Nova York, com base na Lei do Ar Limpo, alegando graves problemas de saúde causados à população da ilha pela poluição causada pelo lixo. O processo não prosperou mas, em 1996, a cidade aprovou legislação determinando o fechamento do aterro sanitário até 31 de dezembro de 2001.

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Quando o processo de fechamento do aterro começou, Fresh Kills tinha quatro montes, resultados de mais de 50 anos de despejo no aterro de resíduos sólidos urbanos. Em 1997, dois montes – Norte e Sul – foram fechados e cobertos com uma tampa de argila espessa e impermeável. Depois os montes foram cobertos por seis camadas adicionais: geoposto, camada de ventilação para o gás metano criado pelo lixo, geotêxtil , geomembrana, material de proteção de barreira, preenchimento de aterro e, finalmente, no topo das camadas, terra para plantio: caminhões e mais caminhões de terra saudável foram levadas para cobrir os montes de Fresh Kills.

As coberturas dos montes Leste e Oeste estavam previstas para acontecer somente depois do fechamento do aterro – o que formalmente aconteceu quando a última barcaça desejou lixo em Fresh Kills em 22 de março de 2021. Os planos para a cobertura estavam sendo desenvolvidos quando houve o ataque terrorista de 11 de Setembro. O aterro sanitário foi reaberto e a área do Monte Oeste recebeu os destroços das torres gêmeas. O nivelamento e a cobertura do Monte Leste só foram iniciadas em 2007; o trabalho no Monte Oeste só começou em 2014.

Trabalhos nos destroços das torres destruídas no 11 de Setembro, no aterro de Fresh Kills, com Manhattan ao fundo: the Fresh Kills: meses de pesquisa não conseguram identificar restos mortais entre os escombros: (Foto: Don Emmert / AFP – 14/01/2002)

A maior – e mais cara – investigação forense dos EUA

No dia seguinte ao 11 de Setembro, bombeiros, policiais, especialistas e voluntários encarregados do resgate conseguiram retirar 21 pessoas vivas dos escombros. Mas ninguém mais foi encontrado depois. As autoridades decidiram levar os destroços e os restos mortais que estavam misturados lá para Fresh Kills, em área vizinha ao Monte Oeste.

O aterro tornou-se o palco da maior e e mais cara investigação forense da história dos Estados Unidos, envolvendo identificação por DNA de ossos destruídos e análise estatística de perfis parciais. No meio de computadores derretidos, aço corroído, vidros quebrados, cinzas e poeira, analistas e peritos do FBI (a Polícia Federal dos EUA), da polícia de Nova York e do Departamento de Gestão de Emergências trabalharam durante um ano nos escombros levados para o aterro mas não conseguiram identificar e separar sistematicamente restos mortais humanos do lixo arquitetônico.

Com o fracasso da investigação forense para identificar restos mortais, a indústria de sucata comprou os restos dos edifícios da cidade de Nova York: eles foram revendidos para mercados de metais usados da China e da Índia. Inconformadas, famílias das vítimas desaparecidas no ataque às torres gêmeas entraram na Justiça acusando as autoridades municipais de manejarem indevidamente os restos mortais. Pilhas de lixo orgânico e não orgânico dos escombros das Torres Gêmeas haviam sido, eles argumentaram, deslocadas às pressas para Fresh Skills e enterradas indistintamente junto com fontes convencionais de lixo. Mas a justiça deu ganho de causa à Prefeitura de Nova York e o processo de implantação do Parque Fresh Kills, que já estava em andamento seguiu adiante.

Visitantes passeiam de caiaque no Parque Fresh Kills com planta de purificação de gás metano da decomposição do lixo no antigo aterro sanitário: lixo enterrado serve para produzir energia para 20 mil casas (Foto: Divulgação)

O maior parque criado em Nova York em um século

A partir do fim da primeira década do século 21, a implantação do parque foi acelerada: toneladas de terra completamente tóxicas tiveram que ser removidas; caminhões com toneladas de terra rica em ferro chegaram para recuperar as terras; árvores foram plantadas, lagos artificiais criados, aquedutos construídos para transportar água da chuva para longe dos montes onde o lixo permanece enterrado. O parque tem ainda um sistema de captura e tratamento de gases tóxicos subterrâneos – projeto ainda do tempo do aterro sanitário – que garante o aquecimento de 20 mil residências em Staten Island.

O sistema é garantido pelas seis camadas que cobrem o lixo nos montes. Essas camadas estabilizam os resíduos depositados nos aterros, separam os resíduos do meio ambiente e dos visitantes do parque e evitam o lançamento de gás na atmosfera. O lixo em decomposição no subterrâneo produz gás metano suficiente a cada dia para aquecer as casas: os responsáveis pelo sistema acreditam que, por pelo menos mais 10 anos, o lixo em decomposição continuará a produzir energia.

A recuperação da natureza é o maior desafio do Parque Fresh Kills, mas a enorme área de 900 hectares (900 campos de futebol) vai ficando cada vez mais verde enquanto as autoridades municipais vão, aos poucos, abrindo novos espaços. Em 2012, foi aberto o Shmul Park, bem na entrada de Fresh Kills, com playground para crianças, quadras de handebol e basquete, gramados para tomar sol e fazer piquenique e áreas de plantações nativas. No ano seguinte, foram inaugurados três campos de futebol (soccer mesmo). Em 2015, um caminho verde para pedestres e ciclistas ao longo da área de pântano já recuperada. O parque abriga ainda atividades esportivas – caiaque, mountain bike, hipismo – nas áreas do parque abertas.

Programas de pesquisa e educação ambiental também funcionam ali. Nos últimos anos, foram reaparecendo pássaros pequenos como cliff swallow, um tipo de andorinha, e sedge wren (Cistothorus platensis), e ninhos de águia-pescadora, uma ave de rapina de porte médio. Mais uma grande parte (o Parque Norte) deve ser aberta ao público até o fim deste ano, mas a implantação total de todos caminhos, vias aquáticas e áreas de lazer e observação da natureza de Fresh Kills só deve estar concluída em 2035.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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