Alícia Lobato e Bruna Mello*
Dos sete estados da Região Norte, o Acre foi o que registrou o maior índice de crime de feminicídio entre os meses de março e abril deste ano, durante a pandemia do novo coronavírus. Os dados foram levantados pelo monitoramento da violência doméstica da série de reportagens especiais Um vírus e duas guerras, que tem com base as informações envidas pelas secretarias de segurança pública de 20 estados. O Acre lidera os crimes com uma taxa de 0,88 feminicídios por 100 mil habitantes mulheres. O Mato Grosso tem uma taxa de 0,69, o Maranhão com 0,39, e o Pará com 0,23. Esses estados estão acima da média para os 20 estados, que é de 0,21. O Amazonas e Roraima tiveram queda na taxa por 100 mil.
A série Um vírus e duas guerras é resultado de uma parceria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, no Ceará; #Colabora, no Rio de Janeiro; Portal Catarinas, em Santa Catarina; e Ponte Jornalismo, em São Paulo.
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Veja o que já enviamosO monitoramento, que vai até o final deste ano, acompanha os casos de feminicídios e de violência doméstica durante o isolamento social da população das cinco regiões brasileiras. O objetivo é visibilizar esse fenômeno silencioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil.
A população feminina do estado do Acre é de 453 mil mulheres, segundo dados do IBGE de 2020.
Confira as outras reportagens da série “Um vírus e duas guerras”
A pandemia do novo coronavírus foi decretada no mundo em 11 de março pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Como não existe ainda uma vacina ou remédio que cure a doença e para evitar o colapso nos hospitais, a OMS sugeriu a quarentena e isolamento social da população como melhor forma de combater a incidência do vírus.
O Acre decretou a situação de emergência por causa da pandemia em 17 de março. Já foram registrados 10.339 casos de Covid-19 e 281 mortes até esta quarta-feira (17 de junho). No quadrimestre de janeiro a abril deste ano, o Acre registrou seis feminicídios. A OMS alertou sobre o aumento da violência doméstica na pandemia.
Confinadas com o agressor
K.L, de 23 anos, foi morta a facadas pelo companheiro na noite de 25 de março, no bairro Caladinho, em Rio Branco. A Polícia Militar do Acre afirma que, no momento em que ela foi atacada, ela estava com o filho no colo.
Em abril, a jovem C.M.S., de 25, morreu a golpes de faca pelo ex-companheiro, em Tarauacá, no interior do estado. O assassino é policial militar, que foi preso após fugir da cena do crime. Os dois crimes estão sendo investigados como feminicídios.
A Secretaria de Segurança Pública também registrou um aumento dos casos de homicídios entre os meses de março e abril em relação aos anos de 2019/2020: de 4 para 7 mortes. No período da pandemia, o órgão diz que recebeu 10 ocorrências de lesão corporal dolosa em março.
Lidianne Cabral, atuante do movimento feminista da capital, Rio Branco, e integrante do Departamento de Políticas para Mulheres na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, disse que o aumento da violência doméstica no período da pandemia foi uma preocupação do órgão. Uma central de atendimento foi montada na Casa Rosa Mulher, que conta com profissionais de assistência social, apoio jurídico e uma psicóloga.
Um dos principais agravantes da situação, segundo ela, é a dificuldade de acesso para se denunciar tanto para a mulher que está vivendo com o seu abusador nas cidades quanto para as mulheres que moram nas áreas rurais. Em muitos municípios do Acre, não há organizações de políticas para mulheres ou delegacias especializadas.
No período da pandemia do novo coronavírus, a feminista relata que observou que as mulheres estão acessando muito menos esses serviços. “Muitas vezes é por conta do medo, se esta mulher está confinada em casa com o possível agressor ou abusador, que muitas vezes não é só o marido, é o filho, pai, irmão”, diz.
“Tudo que as nossas instituições conseguem fazer, o que está ao nosso alcance nós estamos tentando, justamente por saber que o Acre é um dos maiores estados com o maior índice de violência doméstica, feminicídio, a gente está nessa busca incessante para que possamos quebrar esse alto índice de violência e morte de mulheres, na cidade e no estado”, finaliza Lidianne Cabral.
Um crime devastador
Dias antes de iniciar o isolamento social por causa da pandemia do novo coronavírus, um crime provocou comoção e incertezas no Acre. E.C.M, de 35 anos, foi morta no dia 11 de março com um tiro de pistola na cabeça disparado pelo companheiro, o policial Quenison Silva de Souza. O feminicídio aconteceu na residência do casal em Rio Branco, onde os dois moravam juntos havia seis anos. No momento do assassinato, o filho dela de 13 anos, que vivia na casa há um mês, viu o policial atirar contra sua mãe.
Policial do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC), Quenison Silva de Souza foi preso em flagrante pelo assassinato e disse à polícia que o tiro foi acidental, segundo a investigação.
A família de E.C.M não acredita nesta versão. “É um caso típico de feminicídio, em que o ciúme prevalece. Temos muitas provas e já tem um pedido de audiência em aberto”, disse o assistente de acusação, o advogado Armyson Lee.
Desde a prisão do policial penal Quenison Silva de Souza, acusado de matar E.C.M, sua defesa ingressou duas vezes com pedido de habeas corpus, mas a Justiça negou. Ele também foi internado no Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac) após avaliações psicológicas de um profissional do Tribunal de Justiça do Acre. Depois, a Justiça determinou que o policial retornasse ao presídio, onde permanece até o momento.
O Ministério Público Estadual do Acre o denunciou o policial à Justiça pelo crime de feminicídio. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dele.