Já não é surpresa que a grande mídia não mobilize a mesma força-tarefa para recursos e narrativas de impacto sobre a situação do Acre. Enquanto isso, 17 dos 22 municípios acreanos estão em estado de emergência desde a última segunda-feira (26/02), devido ao transbordamento massivo dos rios e igarapés. Vamos à matemática da crise climática: de acordo com os dados do governo acreano, 11,2 mil pessoas deixaram suas casas. Essa conta se divide na soma entre 5.578 pessoas desabrigadas e 5.703 desalojadas. É muita gente.
Entenda o contexto geográfico. O rio Acre é um dos mais famosos na região Norte do país e, além de ter sido o grande protagonista na história da Revolução Acreana, entre 1902 e 1903, o curso de suas águas têm nascente no Peru e deságua no Brasil — atravessando todo o estado. O mesmo rio atingiu a margem de 16,20 metros em Rio Branco, capital do Acre, ontem (27/02). Dois dias antes, o Diário Oficial da União já reconheceu e anunciou a situação de emergência.
Leu essa? Previsão de cheia histórica bota Amazonas em alerta
O fato mais problemático é que, de acordo com as medições realizadas, o manancial ultrapassou a cota de transbordamento. Quanto mais centímetros acima do normal, mais risco às famílias e à infraestrutura urbana isso representa. Soma-se a isso, as previsões seguem assustadoras: o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu um alerta laranja para chuvas intensas acima de 50 milímetros por dia em toda a região Norte até a próxima segunda-feira (4/3).
Receba as colunas de Andréia C. Louback no seu e-mail
Veja o que já enviamosNão importa muito se você está lendo o texto dessa coluna enquanto a tragédia anunciada acontece ou se ela já passou. Histórica e sistematicamente, o estado do Acre sofre diferentes tipos de violações socioambientais e expressiva invisibilidade midiática. Comentários irônicos como “o Acre existe” não é de todo infundado, uma vez que nós, sudestinos, mal sabemos sobre o contexto geográfico, político e cultural do estado.
Vamos olhar para trás. No mesmo ano em que nasceu a Constituição de 1988, Chico Mendes, um dos maiores ambientalistas, sindicalistas, seringueiros e símbolos da luta pela preservação da Amazônia, foi assassinado. No final de janeiro deste ano, seu assassino e réu confesso, Darci Alves Pereira, condenado em 1990 a 19 anos de prisão, assumiu a presidência do Partido Liberal (PL) de Medicilândia, cidade interiorana com aproximadamente 32 mil habitantes no oeste do estado do Pará. O presidente nacional do partido se pronunciou essa semana que “não tinha conhecimento que Darci era “o mesmo indivíduo acusado pelo assassinato de Chico Mendes”. Graças à imprensa e, especialmente à jornalista Cristiane Prizibisczki, do ECO, o absurdo veio a público e deu-se o afastamento.
Por que resgatar um crime do passado para reforçar uma narrativa sobre um crime ambiental do presente? Primeiro porque o Acre foi o estado mais bolsonarista do país. Depois, porque,na lista dos municípios prioritários para o combate ao desmatamento, as cidades Feijó, Sena, Madureira, Rio Branco, Tarauacá, Manoel Urbano ocupam os primeiros lugares do ranking da Amazônia Legal, de acordo com o balanço do relatório Política Climática por Inteiro 2023, do Instituto Talanoa. Por fim, a gestão ambiental torna-se um ponto crítico à medida que a retórica bolsonarista — tantas vezes — negligencia necessidades de políticas de adaptação e mitigação, priorizando apenas interesses econômicos de curto prazo.
Ou seja: uma crise nunca é pontual e isolada. Entre os nove estados da Amazônia Legal, incluindo o Acre, há os que implementaram sistemas de monitoramento ambiental para rastrear as mudanças climáticas, como alterações nos padrões de temperatura, precipitação e eventos climáticos extremos. Contudo, não foi suficiente, tanto em produção de conhecimento quanto em formulação de políticas públicas, para alavancar a formulação de estratégias de adaptação.
Enquanto não aprendemos com os erros do passado, o Acre precisa de ajuda emergencial. O estrutural envolve monitoramentos e pesquisas científicas sobre como ainda há tempo de frear a crise climática na região e quais são ps novos caminhos para a formulação de políticas de adaptação específicas – no longo prazo e em contexto de emergência. Precisamos de muitas alternativas multissetoriais, eu sei, mas investir em uma infraestrutura mais resiliente é crucial para lidar com eventos climáticos extremos, sobretudo as recorrentes inundações e secas. Enquanto não chegarmos a esse estágio, que é responsabilidade do governo local, deixo o meu apelo nacional de solidariedade com a população acreana. Entre as possíveis formas de colaborar, há alguns caminhos possíveis neste link. Compartilhem, por favor, pois o Acre existe!