O aquecimento global e a crise climática, que já são uma realidade, colocaram a Petrobras numa encruzilhada. Criada em 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas, a companhia vem se misturando, há pouco mais de sete décadas, com a história do país. Uma trajetória que começou com a campanha do “Petróleo é nosso”, passou pela ditadura militar, se adequou à gestão neoliberal, abrindo seu capital nos anos 1990, até descobrir uma bacia gigante de pré-sal em 2006. É inequivocamente um símbolo nacional. Virou uma das dez maiores petroleiras do mundo, mas precisa dar uma guinada e liderar os esforços para abandonar progressivamente os combustíveis fósseis.
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Essa é a conclusão a que chegaram dois estudos lançados nessa terça 16: “A Petrobras de que precisamos” e “Questões-chave e alternativas estratégicas para descarbonização do portfólio de investimentos da Petrobras”. O primeiro foi produzido pelo Grupo de Trabalho em Energia do Observatório do Clima (OC), sob a coordenação de Suely Araújo, Shigueo Watanabe Júnior e Délcio Rodrigues; o segundo, foi escrito por dois professores do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, os economistas Carlos Eduardo F. Young e Helder Queiroz Pinto Jr. Complementares, ambos mostram que seguir o caminho da descarbonização é imperativo e que cabe a Petrobras liderar um debate sobre transição energética justa que o governo brasileiro tenta postergar.
A Petrobras, e o setor de petróleo e gás natural como um todo, não podem ser considerados como meros instrumentos de solução para o problema macroeconômico que abarca a questão fiscal no país
Na COP28 de Dubai, em 2023, ficou acordado que os países signatários da ONU fariam uma transição para longe dos combustíveis fósseis começando nesta década. Ainda que tenha se comprometido com uma meta climática (NDC) para 2035 ambiciosa, na prática o país está indo de encontro a essa estratégica. O Brasil expandiu fortemente sua produção de óleo e gás, e vem se tornando cada vez mais dependente economicamente da exportação de óleo cru, tendo tirado da soja o posto de principal produto exportado pelo país. O óleo cru responde por 13% do total das vendas brasileiras ao exterior.
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Veja o que já enviamosOs dois estudos propõem o congelamento da expansão da extração em novas fronteiras, como a Foz do Amazonas. Defendem também que a concentração da produção seja restrita em áreas já em produção, como o pré-sal, onde novas descobertas continuam a ser feitas – a britânica BP, por exemplo, fez neste ano, na bacia de Santos, sua maior descoberta em 25 anos em qualquer lugar do mundo. Os efeitos colaterais dessa metamorfose levarão, segundo conclusão do OC, a geração de emprego, redução de riscos oriundos do fato de a empresa ter uma presença extremamente significativa na balança comercial brasileira e, por fim, ajudaria o país a perder o posto, nada honroso, de ser um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, graças a combinação de desmatamento e player importante na cadeia global de combustíveis fósseis.
Seu plano de negócios pode e deve ser ousado na perspectiva da diversificação de atividades, com destaque para investimentos em energias de baixo carbono e na transição energética
“A Petrobras, e o setor de petróleo e gás natural como um todo, não podem ser considerados como meros instrumentos de solução para o problema macroeconômico que abarca a questão fiscal no país”, defendem os economistas Young e Queiroz. Não obstante a importância dos recursos financeiros arrecadados com royalties, impostos e demais participações governamentais chamarem a atenção para o fato de que é importante “recordar o risco associado à dependência das administrações públicas (federal, estaduais e municipais) posto que a atividade petrolífera é caracterizada pela extração de recursos esgotáveis e cujos preços são extremamente voláteis”, comentam os dois.
Young diz que é razoável imaginar que o Brasil ainda precisará de petróleo por algum tempo, mas que “não faz sentido” que o óleo tenha se tornado a principal commodity de exportação do Brasil. Defende que a empresa use seus dividendos para financiar a mitigação – na forma do controle do desmatamento – e a adaptação. “É preciso aumentar o investimento em transição energética e também em mitigação. Uma Petrobras mais ativa no combate ao desmatamento e também na adaptação climática”. A transição energética seria uma forma de sobrevivência econômica, dado que estudos da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) apontam para uma redução da demanda por combustíveis fósseis no curso das próximas três décadas.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do OC e uma das autoras de “A Petrobras de que Precisamos”, Suely Araújo, a Petrobras precisa internalizar a crise climática com muito mais vigor do que fez até agora. “Seu plano de negócios pode e deve ser ousado na perspectiva da diversificação de atividades, com destaque para investimentos em energias de baixo carbono e na transição energética”, defende, acrescentando que a empresa não deve perder a sua relevância para o mercado e para o país, mas precisa assumir o papel de agente de transformação no setor de energia, o que significa pautar-se pela “inovação tecnológica e pela descarbonização e considerando as devidas salvaguardas socioambientais.”
Em 2024, a Petrobras produziu 3,4 milhões de barris por dia, encerrando o ano como oitavo maior produtor global, responsável por cerca de 4% de toda a produção mundial de petróleo. A receita foi de mais de US$ 91 bilhões, tendo obtido um lucro líquido de US$ 7,5 bilhões. Apesar dos números grandiosos da empresa, o estudo do OC aponta que não é mais possível deixar a Petrobras alheia à crise climática, ainda que parte relevante das emissões de gases de efeito estufa oriunda da empresa, devido as exportações, ocorre fora do território brasileiro.
“O problema é que a estratégia de futuro da Petrobras vem se mostrando descolada dos compromissos globais já assumidos, dos próprios objetivos do Brasil em reduzir suas emissões e da previsão de pico da demanda global por petróleo para 2030, com queda posterior, feita pela Agência Internacional da Energia (AIE)”, diz o estudo do OC. E, por fim, defende que a Petrobras apresente um cronograma de alinhamento de sua política energética e seu planejamento estratégico ao Acordo de Paris, tendo como horizonte a limitação do aumento da temperatura média global em 1,5°C em relação ao período pré-industrial e a neutralidade de carbono até 2050.