Cúpula dos líderes da COP30: entre sorrisos e afagos

É a primeira vez que o encontro dos chefes de estado ocorre antes do início da Conferência do Clima; lideranças globais serão recepcionadas por um ritual indígena

Por Liana Melo | ODS 13
Publicada em 6 de novembro de 2025 - 08:04  -  Atualizada em 6 de novembro de 2025 - 08:10
Tempo de leitura: 9 min

Lula em reunião com a presidente da União Europeia, Ursula Van Der Leyden em Belém: presidente da República vai recepcionar delegações de 143 países na Cúpula de Líderes da COP30 Foto: Ricardo Stuckert / PR / Agência Brasil)

(De Belém, Pará) – A depender da cordialidade e simpatia dos presidentes na foto oficial da abertura da Cúpula dos Líderes, que começa hoje (quinta-feira, 06/11) e termina amanhã (07/11) em Belém, a COP30 será um sucesso. Só que não. As aparências contam pouco, ou quase nada, quando o que se está em jogo é limitar o aquecimento global em 1,5º C, como acordado, há dez anos, no Acordo de Paris.

Às vésperas do início da COP30, apenas 64 dos 198 países signatários da Convenção do Clima apresentaram suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (as NDCs, na sigla em inglês). A China, o maior emissor mundial, só apresentou sua meta no começo da semana, um dia antes da União Europeia, que está entre os maiores enquanto bloco.

Um certo ceticismo ronda a Conferência do Clima devido o histórico de resultados limitados das últimas COPs, mas, como diz o ditado, “o jogo só termina quando acaba”. A depender da pressão dos movimentos sociais, urbanos, rurais e periféricos, nacionais e internacionais, a disputa vai se prolongar durante as duas semanas da COP30, prevista para terminar no próximo dia 21.

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Confirmaram presença na Cúpula dos Líderes 143 delegações, entre elas 57 chefes de Estado e 39 ministros, representando o G77 e a União Europeia. Apesar de não ter caráter deliberativo, essa reunião dá a medida da disposição, ou não, dos países em firmar compromissos efetivos na COP30.

Ou, como é comum na linguagem “diplomaquês, os chefes de Estado dão o “termo de referência” para os negociadores dos seus respectivos países. Os Estados Unidos e a Argentina, países com governos que comungam da mesma visão negacionista sobre a questão ambiental, não confirmaram presença na Cúpula dos Líderes.

Inovação tropical na COP30

É a primeira vez que a reunião dos chefes de Estado ocorre fora do calendário oficial da COP, que começa na segunda 10. “Se convencionou uma tradição móvel de ser no início, meio ou final das COPs. Cada uma delas tem um sentido”, explicou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, na coletiva de balanço do encontro de alto nível, que ocorreu no fim de outubro. Nas duas últimas COPs, nos Emirados Árabes Unidos e no Azerbaijão, a Cúpula dos Líderes abriu a conferência.

A COP acontece no nosso território e é fundamental que o mundo veja nossos rostos, escute nossas vozes e entenda que a Amazônia é sujeito político e protagonistas das soluções para o clima

Walter Kumaruara
Coletivo Jovem Tapajônico

Caberá ao presidente Lula presidir as sessões temáticas previstas para ocorrer nos dois dias da Cúpula dos Líderes.  A primeira delas, marcada para à tarde desta quinta, será sobre o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) – que será anunciado num almoço, onde Lula será o anfitrião. As outras serão sobre florestas e oceano, transição energética, Acordo de Paris, metas climáticas (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDC, na sigla em inglês) e financiamento.

Nesta quarta-feira, o presidente Lula teve uma intensa agenda de reuniões preparatórias para a Cúpula dos Líderes. Ao longo da manhã, o presidente teve encontros com o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, e com o presidente de Comores, Azali Assoumani. À tarde, o brasileiro reuniu-se com o primeiro-ministro de Papua-Nova Guiné, James Marape; com a presidenta do Suriname, Jennifer Geerlings-Simons, com o vice-primeiro-ministro do Conselho de Estado da China, Ding Xuexiang, e com a presidenta de Honduras, Xiomara Castro. A maratona de encontros foi encerrado com uma reunião de Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, às 17h40.

A sessão sobre transição energética será uma espécie de prova de fogo. O acordo de transitar para longe dos combustíveis fósseis aprovado na COP28, em Dubai, continua restrito ao papel. Duas COPs depois ainda não foi implementado. , marcada para a manhã de sexta (7), será um teste de coerência. O Brasil pretende defender o compromisso “Belém 4X”, que propõe quadruplicar o uso global de combustíveis renováveis até 2035.

A lista de oradores foi organizada em ordem alfabética, começando pelo presidente Lula, e segue a ordem de precedência para os chefes de Estado, seguidos pelas delegações chefiadas por ministros e outros representantes. A lista também foi organizada levando em consideração as restrições de agenda dos Chefes de Estado e de Governo e buscando minimizar conflitos entre as sessões plenárias e temáticas.

Boas notícias e rituais

Às vésperas da COP30, duas notícias deixaram o Brasil numa posição mais confortável: as quedas do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, ambas de 11%, em 2025, e a redução das emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil que caíram 16,7% em 2024 – a maior queda em 15 anos.

Nada que tenha arrefecido, no entanto, os ânimos dos movimentos sociais de cobrarem NDCs mais ambiciosas, dinheiro para o financiamento climático e “transitar para longe dos combustíveis fósseis” como acordo em Dubai, onde ocorreu a COP28 – compromisso assinado, mas não comprido, inclusive pelo Brasil que, no último dia 20 de outubro, teve a autorização do Ibama de pesquisar petróleo na foz do Amazonas.

Os chefes de estado serão recebidos por uma cerimônia, o Ritual Gira, que está sendo organizada pelos jovens do Coletivo Jovem Tapajônicoa, da Aliança dos Povos pelo Clima — a organização é herdeira da histórica Aliança dos Povos da Floresta, criada nos anos 1980 por Chico Mendes, Raoni Metuktire e Ailton Krenak, entre outras lideranças indígenas.

A ação reúne indígenas, quilombolas, ribeirinhos, populações urbanas amazônidas e representantes de religiões de matrizes africanas e outras, reforçando a pluralidade da região e o papel central dos povos que vivem e protegem a floresta. Cerca de 800 pessoas participarão da mobilização. “A COP acontece no nosso território e é fundamental que o mundo veja nossos rostos, escute nossas vozes e entenda que a Amazônia é sujeito político e protagonistas das soluções para o clima”, afirma Walter Kumaruara, do Coletivo Jovem Tapajônico.

Pressão das bases

“A expectativa para a COP30 é tão grande quanto o tamanho do desafio que a Convenção do Clima enfrenta, mas, por enquanto, as ambições estão muito desalinhadas com os objetivos do Acordo de Paris”, analisa Martha Salomon, analista sênior do Instituto Talanoa.

Implementar a decisão aprovada na COP28, em Dubai, de transitar para longe dos combustíveis fósseis é outra expectativa grande, afinal o documento foi assinado pelos líderes globais em 2023 e até agora não saiu do papel. Os fósseis são responsáveis por 70% das emissões globais, “Uma COP na Amazônia tem um peso simbólico importante porque traz a comunidade climática global para o coração da floresta, que já está sofrendo com eventos extremos e os efeitos do aumento da temperatura”, avalia Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil.

Segundo ela, o Greenpeace não está trabalhando com a possibilidade de a COP aprovar isso ou aquilo: “São muitas as demandas e estamos trabalhando com essa e aquela decisão e não como uma ou outra”. E acrescentou que não são apenas os líderes globais que precisam mostrar ambição, o “governo brasileiro também precisa.”

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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