Com incêndios e seca, Brasil tem perda recorde de florestas em 2024

Monitoramento internacional mostra que, depois de redução significativa, país tem pior ano desde 2016, com devastação impulsionada pelas queimadas

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 21 de maio de 2025 - 01:01

Brigadistas do PrevFogo combatem fogo na Amazônia: quase 2 milhões de hectares de florestas perdidos para incêndios no Brasil com a seca extrema de 2024 (Foto: Mayangdi Inzaulgarat / Ibama)

A perda global de florestas atingiu níveis recordes em 2024, impulsionada por um aumento alarmante nos incêndios, de acordo com dados divulgados nesta quarta (21/05) na plataforma Global Forest Watch (GFW) do World Resources Institute (WRI). O Brasil perdeu 2,8 milhões hectares de florestas; dois terços da perda no país (66%) foram causados por incêndios alimentados pela pior seca já registrada na Amazônia — um aumento na área devastada por queimadas de mais de seis vezes em relação a 2023.

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De acordo com a plataforma do WRI, alimentada por dados do Laboratório GLAD da Universidade de Maryland (EUA), a perda de florestas primárias tropicais no mundo atingiu 6,7 milhões de hectares, quase o dobro do registrado em 2023 – área próxima a do território do Panamá – a uma taxa de 18 campos de futebol por minuto. Pela primeira vez desde o início das medições do GFW, os incêndios — e não a agropecuária — foram a principal causa da perda de florestas primárias tropicais em todo o mundo, representando quase 50% de toda a destruição.

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No Brasil, além dos incêndios provocados pela seca extrema, a perda de floresta primária por outras causas também aumentou em 13%, principalmente devido à agricultura em larga escala para soja e gado, embora ainda em patamar inferior aos picos observados no início dos anos 2000 e também durante o governo Bolsonaro. “O Brasil progrediu no governo Lula, mas a ameaça às florestas ainda persiste. Sem investimentos sustentados na prevenção de incêndios florestais, fiscalização mais rigorosa nos estados e foco no uso sustentável da terra, conquistas arduamente conquistadas correm o risco de serem desfeitas”, afirmou Mariana Oliveira, diretora do Programa de Florestas e Uso da Terra do WRI Brasil, na apresentação dos dados.

A Amazônia experimentou sua maior perda de cobertura arbórea desde 2016, enquanto o Pantanal sofreu a maior porcentagem de perda de cobertura arbórea do país. Em termos de extensão perdida, o Brasil lidera novamente, por ser o país com a maior área de floresta tropical, respondendo por 42% de toda a perda de floresta primária tropical no mundo em 2024. “Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30, tem uma oportunidade poderosa de colocar a proteção florestal em primeiro plano no cenário global”, acrescentou a diretora do WRI Brasil.

A plataforma Global Forest Watch apontou que, em 2024, a perda total de florestas primárias no Brasil foi de 2,8 milhões de hectares – os incêndios foram responsáveis pela devastação de 1,8 milhão de hectares. “Depois de uma sequência de anos, desde 2016, com taxas altas de desmatamento, o Brasil conseguiu uma redução significativa na perda de florestas em 2023, graças a políticas públicas para combater o desmatamento e o reconhecimento de terras indígenas”, afirmou a pesquisadora Sarah Carter, que analisou os números do Brasil e destacou que a crise climática, responsável pela seca extrema e os incêndios, não é o único problema brasileiro. “Esse progresso também está ameaçado pela expansão agropecuária e por legislações estaduais, em Mato Grosso e Rondônia, que enfraquecem os controles ambientais”, acrescentou.

Plataforma Global Forest Watch apontou que, em 2024, a perda total de florestas primárias no Brasil foi de 2,8 milhões de hectares – os incêndios foram responsáveis pela devastação de 1,8 milhão de hectares (Arte: GFW)

As consequências da perda florestal em 2024 foram devastadoras tanto para as pessoas quanto para o planeta. Globalmente, os incêndios emitiram 4,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa — liberando mais de 4 vezes as emissões de todas as viagens aéreas em 2023. Os incêndios pioraram a qualidade do ar, sobrecarregaram o abastecimento de água e ameaçaram a vida e os meios de subsistência de milhões de pessoas. “Este nível de perda florestal é diferente de tudo que vimos em mais de 20 anos de dados”, destaca Elizabeth Goldman, diretora do Global Forest Watch do WRI. “É um alerta vermelho global — um chamado coletivo à ação para cada país, cada empresa e cada pessoa que se preocupa com um planeta habitável. Nossas economias, nossas comunidades, nossa saúde — nada disso pode sobreviver sem florestas.”

Embora os incêndios sejam naturais em alguns ecossistemas, em florestas tropicais eles são em sua maioria causados pela ação humana, frequentemente iniciados em terras agrícolas ou para preparar novas áreas para o cultivo. “2024 foi o pior ano já registrado para a perda florestal impulsionada por incêndios, quebrando o recorde estabelecido apenas no ano passado. Se essa tendência continuar, poderá transformar permanentemente áreas naturais críticas e liberar grandes quantidades de carbono, intensificando as mudanças climáticas e alimentando ainda mais incêndios extremos. Este é um ciclo de feedback perigoso que não podemos nos dar ao luxo de desencadear ainda mais”, explicou o professor Peter Potapov, pesquisador da Universidade de Maryland e um dos diretores do Laboratório de Análise e Descoberta de Terras Globais (GLAD).

Em 2024, as condições extremas alimentadas pelas mudanças climáticas e pelo El Niño tornaram esses incêndios mais intensos e difíceis de controlar. Embora as florestas tenham a capacidade de se recuperar do fogo, a pressão combinada da conversão de terras e de um clima em mudança pode dificultar essa recuperação e aumentar a probabilidade de incêndios futuros. Os pesquisadores ressaltaram ainda que a perda de florestas primárias tropicais impulsionada por outras causas também aumentou em 14%, o maior aumento desde 2016.

Para atingir a meta global de deter a perda florestal até 2030, o mundo deve reduzir o desmatamento em 20% a cada ano, começando imediatamente. Em contraste, 2024 marcou um aumento de 80% na perda de floresta primária tropical. “Os incêndios florestais e o desmatamento estão elevando as emissões, enquanto o clima já está mudando mais rápido do que as florestas podem se adaptar. Essa crise está levando inúmeras espécies à beira da extinção e forçando povos indígenas e comunidades locais a abandonar suas terras ancestrais. Mas isso não é irreversível — se governos, empresas e indivíduos agirem agora, podemos deter o ataque às florestas e seus guardiões”, frisou Rod Taylor, diretor de Florestas e Conservação da Natureza do WRI.

Perda Florestal na América Latina

A plataforma do WRI apontou ainda que a perda de floresta primária na Bolívia disparou 200% em 2024, totalizando 1,5 milhão de hectares. Pela primeira vez, o país sul-americano ficou em segundo lugar na perda de floresta primária tropical (atrás apenas do Brasil), ultrapassando a República Democrática do Congo, apesar de ter menos da metade de sua área florestal. Mais da metade da perda foi devido a incêndios, frequentemente iniciados para limpar terras para soja, gado e cana-de-açúcar, que se transformaram em megaincêndios devido à forte seca.

Os pesquisadores afirmaram que políticas governamentais para promover a expansão agrícola agravaram o problema. “Os incêndios que devastaram a Bolívia em 2024 deixaram cicatrizes profundas — não apenas na terra, mas nas pessoas que dependem dela. Os danos podem levar séculos para serem desfeitos. Em todos os trópicos, precisamos de sistemas de resposta a incêndios mais fortes e uma mudança nas políticas que incentivam o desmatamento perigoso, ou esse padrão de destruição só vai piorar”, explicou pesquisador boliviano Stasiek Czaplicki Cabezas.

Na Colômbia, a perda de floresta primária aumentou em quase 50%. No entanto, ao contrário de outras partes da América Latina, os incêndios não foram a principal causa. Em vez disso, a perda não relacionada a incêndios aumentou em 53%, devido à instabilidade decorrente do rompimento das negociações de paz, incluindo mineração ilegal e produção de coca. “Em 2023, a Colômbia viu a maior queda na perda de floresta primária em 20 anos, provando que quando o governo e as comunidades trabalham juntos, mudanças reais são possíveis”, afirmou Joaquin Carrizosa, conselheiro do WRI Colômbia . “O aumento na perda de floresta primária em 2024 é um revés, mas não deve nos desanimar. Precisamos continuar apoiando economias locais baseadas na natureza — especialmente em áreas remotas — e investir em soluções que protejam o meio ambiente, criem empregos e promovam a paz”, acrescentou.

África e Ásia em direções opostas

Na África, a devastação das florestas também bateu recordes. Em 2024, a República Democrática do Congo (RDC) e a República do Congo (ROC) registraram os maiores níveis de perda de floresta primária já registrados desde o começo do monitoramento. Na ROC, a perda de floresta primária disparou 150% em comparação com o ano anterior – incêndios, agravados por condições de calor e seca incomuns provocadas pela crise climática, causaram 45% dos danos.

Assim como a Amazônia, a Bacia do Congo desempenha um papel crucial como sumidouro de carbono, mas o aumento dos incêndios e da perda florestal agora ameaça sua função vital. “Estamos vendo uma perda florestal sem precedentes devido a incêndios nos poucos países restantes de ‘Alta Floresta, Baixo Desmatamento’, como a República do Congo. Essa nova dinâmica está fora das estruturas políticas ou capacidades de intervenção atuais e testará severamente nossa capacidade de manter florestas intactas em um clima de aquecimento”, advertiu o professor Matt Hansen, pesquisador da Universidade de Maryland.

Na RDC, a pobreza, a dependência das florestas para alimentação e energia e o conflito armado no país alimentaram a instabilidade e levaram ao aumento do desmatamento, impulsionando ainda mais a perda florestal. “As altas taxas de perda florestal na RDC refletem as duras realidades que nossas comunidades enfrentam: pobreza, conflito e uma profunda dependência das florestas para a sobrevivência”, lamentou Teodyl Nkuintchua, líder de Estratégia e Engajamento para a Bacia do Congo do WRI África.

Na Ásia, a principal boa notícia veio da Indonésia, que reduziu a perda de floresta primária em 11%, revertendo um aumento constante entre 2021 e 2023. Os esforços para restaurar terras e conter incêndios ajudaram a manter as taxas de incêndio baixas, mesmo em meio a secas generalizadas. Da mesma forma, a Malásia registrou uma queda de 13% e pela primeira vez saiu da lista dos 10 países líderes em perda de floresta primária tropical. “Estamos orgulhosos de que a Indonésia seja um dos poucos países do mundo a reduzir a perda de floresta primária. Mas o desmatamento continua sendo uma preocupação devido às plantações, à agricultura de pequena escala e à mineração — mesmo dentro de áreas protegidas”,afirmou Arief Wijaya, diretor-geral do WRI Indonésia.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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