#RioéRua: até que enfim é segunda-feira

Moacyr Luz e o Samba do Trabalhador numa segunda-feira no Renascença: dia útil para a boemia (Foto: Oscar Valporto)

Das madrugadas do Baixo Gávea ao fim de tarde do Samba do Trabalhador: as provas de que o primeiro dia útil da semana tem alma boêmia

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 27 de julho de 2020 - 09:01 • Atualizada em 3 de agosto de 2020 - 10:16

Moacyr Luz e o Samba do Trabalhador numa segunda-feira no Renascença: dia útil para a boemia (Foto: Oscar Valporto)

Só os mais antigos devem lembrar: Segunda Sem Lei era o título de uma sessão de filmes da TV Bandeirantes (muito antes de virar Band) lá em meados da década de 1980. Eram exibidos, nas noites de segunda-feira, desde clássicos do western como “Três Homens em Conflito” (The Good, The Bad and The Ugly) e “Matar ou Morrer” (High Noon”, a sucessos do gênero realizados nos Estados Unidos (“Bravura Indômita”, “Sem Lei e Sem Alma”) e na Itália (“O Dólar Furado”, “Duas Pistolas para Ringo”). O western já tinha passado de moda – talvez por isso os filmes fossem exibidos na Bandeirantes e na segunda-feira – mas o título da sessão era tão bom que saiu da televisão e hoje batiza de bloco de carnaval em São Paulo a grupo de pagode.

Mas a Segunda Sem Lei veio parar aqui neste #RioéRua porque chegou a notícia do fechamento do Hipódromo, pioneiro bar do Baixo Gávea, onde, quase uma década depois da sessão de western na TV, ficou famosa na nossa cidade, sua Segunda Sem Lei – certamente, na época, o lugar mais movimentado do Rio neste desvalorizado dia da semana para quem não é da boemia. O jornalista Paulo Thiago de Melo, historiador dos botecos cariocas e autor dos guias Rio Botequim, atesta que o bar existia ali desde 1937 – os obituários oficiais falaram de 1945. De qualquer forma, estava ali naquela esquina da Praça Santos Dumont, muito antes da Segunda Sem Lei, quando os jovens boêmios tomavam não apenas as mesas dos bares mas os bancos da praça; muito antes da própria designação de Baixo Gávea. termo que surgiu no começo dos anos 1980, no rastro do Baixo Leblon, ponto boêmio já famoso.

No começo, o Baixo Gávea – sempre com o Hipódromo e seus 240 lugares à frente – reunia bares que tinham na clientela uma maioria de artistas e intelectuais, reflexo possivelmente da inauguração do shopping na Marquês de São Vicente que abrigava quatro teatros, além de galerias e lojas de antiguidades. O filme Baixo Gávea – com Lucélia Santos e Louise Cardoso – é de 1985 e as personagens principais eram exatamente uma diretora de teatro e uma atriz envolvidas na montagem de uma peça baseada em Fernando Pessoa. Só na década seguinte, quando o Hipódromo já tinha ganho a companhia do BG e do Braseiro, é que a juventude, boa parte da também vizinha PUC, virou maioria e as noites – especialmente a da Segunda Sem Lei – ficaram mais longas. Até 1999, quando a prefeitura, atendendo aos moradores, baixou decreto determinando que os bares fechassem até 1h.

Como já não era tão jovem na década de 1990 e os bares do Baixo Gávea, também com o Hipódromo à frente, não tinham maiores atrativos, frequentei muito pouco essas Segundas Sem Lei. Segunda-feira era uma ótima noite para ir ao Bracarense: menos gente mesmo no auge da popularidade e aquela garantia de ser bem tratado. E, em caso de querer esticar porque o Braca fechava até um pouco mais cedo, era sempre melhor caminhar até o Jobi do Paiva, do que trocar o Leblon pela Gávea. A noite de segunda tem o seu valor para quem é da noite: menos movimento, tanto que alguns bares até fecham, menos maus bebedores, menos gente mais interessada em aparecer do que em beber e conversar.

O Hipódromo Bar e Restaurante, veterano da boemia do Baixo Gávea, engolido pela crise provocada pela pandemia: Segundas Sem Lei agitavam a região (Foto: Divulgação)
O Hipódromo Bar e Restaurante, veterano da boemia do Baixo Gávea, engolido pela crise provocada pela pandemia: Segundas Sem Lei agitavam a região (Foto: Divulgação)

Neste século, as segundas-feiras do Rio ganharam uma nova e poderosa atração: o Samba do Trabalhador, estabelecido desde 2005 na quadra do Clube Renascença, no Andaraí. Fui lá pela primeira em 2006, quando Moacyr Luz e seu grupo receberam o grande Luiz Carlos da Vila na roda de samba sob a caramboleira do clube  Estava lotado e o estoque de cerveja acabou – foi preciso buscar mais. Era um sucesso improvável: o clube abre às 16h, a roda começa às 17h, em plena de segunda-feira, horário de trabalho para a maioria. Mas o negócio se chama Samba do Trabalhador exatamente por isso: é o dia em que os trabalhadores da música, em geral, tem direito a uma folguinha. Eu mesmo tinha horários naquela época que dificultavam sair do Centro para o Andaraí mesmo depois do fim do expediente. Mas, 15 anos depois, o samba de Moa e sua turma (Gabriel Cavalcanti, Nego Álvaro, Mingo Silva, Daniel Neves, Nilson Visual, Luiz Augusto, Junior Oliveira, Alexandre Nunes) continua lotando o Rena todas as segundas.

Ou melhor, continuava – estamos em tempos em que lugar lotado é ameaça à saúde. Logo agora quando, neste 2020, os cariocas da Zona Sul começaram a lotar também – e também às segundas-feiras – a Casa da Tata para acompanhar o Samba da Gávea, roda acústica, liderada pelo violonista Luiz Filipe de Lima, no pequeno estabelecimento da Rua Manoel Ferreira. Logo agora que tinha também samba na Gávea no Dumont Arte Bar – às quintas. Mas tudo isso vai passar. O Samba do Trabalhador está se preparando para voltar em agosto; desde maio, eles fazem lives – separadamente – todas às segundas a partir das 17h. Na próxima segunda, 03/08, o grupo vai se reunir no Renascença, sem público, para uma apresentação especial, só pela internet.  E, enquanto o samba não volta, recomendo a versão século 21 da Segunda Sem Lei com a Sessão Bang Bang do Telecine Cult. Durante a pandemia, já vi “Era uma Vez no Oeste”, “O Homem que Matou o Facínora”, “A Marca da Forca” e, novamente, “Três Homens em Conflito” e “Matar ou Morrer”. Sempre às segundas-feiras, naturalmente.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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