Plásticos: da benção à maldição

Explosão de consumo do insumo durante a pandemia da Covid-19 agrava crise ambiental. Bioplásticos não solucionam problema, diz pesquisa da Fundação Heinrich Böll

Por Liana Melo | ODS 11ODS 12 • Publicada em 7 de janeiro de 2021 - 09:33 • Atualizada em 11 de janeiro de 2021 - 12:49

A epidemia de plástico: a mergulhadora Sahika Encumen recolhe lixo do mar em Istambul, na Turquia

Até os abraços foram plastificados em 2020. Muitas pessoas vestiram capa de plástico para romper o distanciamento social e abraçar pais, filhos, avôs, parentes, amigos… O aparato de plástico virou uma espécie barreira de proteção contra o Coronavírus. Foi um ano marcado pelo uso de máscaras e por encontros virtuais, lives, home office e delivery. Se antes da pandemia nossa vida já era mediada pelo uso intensivo dos diferentes tipos de plásticos, presente das embalagens aos computadores, passando pelos celulares e os painéis de carro; com a Covid-19, o consumo explodiu. Com a pandemia, para cada doente infectado, os hospitais foram obrigados a produzir, em média, 7,5kg de plástico por dia.

Contato físico com doente com Covid. Foto de Sylvain Lefevre/ AFP
Durante a pandemia, familiares inovaram o contato físico usando aparato de plástico para se proteger de paciente infectado com Covid. Foto de Sylvain Lefevre/ AFP
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É contraditório pensar que ao mesmo tempo em que o contato com nossos entes queridos diminuiu, mais contato tivemos com plásticos de todos os tipos

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“É contraditório pensar que ao mesmo tempo em que o contato com nossos entes queridos diminuiu, mais contato tivemos com plásticos de todos os tipos”, resume Marcelo Montenegro, coordenador de Programas e Projetos de Justiça Socioambiental da Heinrich Böll, responsável pelo Atlas do Plástico. O estudo é, um raio-X da cadeia do plástico, produzido pela entidade em parceria com o movimento Break Free From Plastic (liberte-se do plástico, em tradução livre).

Só no Brasil, são mais de 11 milhões de toneladas de plástico consumidos anualmente, o que coloca o país na quarta posição do ranking mundial dos grandes produtores de lixo plástico no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Índia. O percentual de reciclagem é irrisório: 1,28%.

Se, na metade do século XX, a descoberta de que um produto residual da indústria petroquímica poderia ser usado para fazer PVC foi considerada revolucionária; nos tempos atuais, o plástico virou uma verdadeira de maldição devido a sua durabilidade pós-uso. O que torna o plástico útil é exatamente o que o torna prejudicial: ele persiste. E ainda é onipresente: o plástico está na roupa que vestimos, nos produtos de higiene e até no peixe que consumimos.  Uma camisa de poliéster, por exemplo, pode emitir entre 3,8 e 7,1 quilogramas de CO2. É uma matéria-prima que polui em todos os estágios de seu ciclo de vida, desde quando o petróleo e o gás são extraídos para produzi-lo até quando é descartado indevidamente, depositado em aterros, reciclado de maneira equívoca ou queimado.

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[g1_quote author_name=”Maureen Santos” author_description=”Autora de um dos capítulos do Atlas do Plástico” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Existe uma suposição de que os plásticos feitos de matérias-primas renováveis são ecologicamente corretos. Eles se degradam mais rapidamente – pelo menos, de acordo com seus patrocinadores corporativos. Um exame mais atento, no entanto, aponta para a geração de um novo conjunto de problemas

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Tudo que envolve a cadeia de produção do plástico é superlativo. A começar pelo primeiro elo da cadeia, dominado por gigantes da indústria de petróleo. “Existe uma suposição de que os plásticos feitos de matérias-primas renováveis são ecologicamente corretos. Eles se degradam mais rapidamente – pelo menos, de acordo com seus patrocinadores corporativos. Um exame mais atento, no entanto, aponta para a geração de um novo conjunto de problemas”, chama atenção Maureen Santos, autora do capítulo “A onda de biodegradáveis no Brasil”.

O Atlas chama atenção para o fato de que o prefixo “bio” não significa que o plástico é mais ecológico. Existem dois tipos de bioplásticos: o de base biológica, produzido a partir de matérias-primas como milho, cana de açúcar e outras commodities, por exemplo, e o biodegradável. À primeira vista, a substituição de matérias-primas fósseis foi considerada a solução para a crise do plástico. Um olhar mais atento, no entanto, desvenda uma problemática bem mais complexa. “Se considerarmos o crescimento previsto da produção de plásticos em relação ao uso de terra arável, uma coisa fica clara: a pressão sobre a área cultivada aumentará ainda mais”. A conclusão a que Maureen chega é que “expandir o cultivo de produtos agrícolas para uso como matéria-prima não é uma opção para produzir plásticos ecológicos”.

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Os bioplásticos apenas desviam o problema e a atenção das soluções

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Os plásticos biodegradáveis, por sua vez, foram projetados para serem degradados por microrganismos sob condições específicas. Segundo Maureen, 90% do plástico deve ser degradado após 12 semanas a 60 graus Celsius. Só que não. É que a maioria das plantas de compostagem permite que o resíduo apodreça por quatro semanas e prorrogar este prazo não faz sentido, do ponto de vista econômico. Ao final do processo, complementa, apenas água, dióxido de carbono e aditivos minerais permanecem, sendo que nenhum destes materiais forma húmus. A conclusão é que a tentativa de simular ciclos biológicos não será suficiente para conter o fluxo de resíduos plásticos. “Os bioplásticos apenas desviam o problema e a atenção das soluções”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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