Cara, ineficiente e esvaziada

Coleta seletiva no Rio não passa de 1,6%. Em São Paulo, é de 1,4%

Por Emanuel Alencar | ODS 11 • Publicada em 15 de dezembro de 2015 - 06:10 • Atualizada em 15 de dezembro de 2015 - 10:33

Crise provocou queda nos preços do material reciclado e dificultou ainda mais a vida dos catadores
Crise provocou queda nos preços do material reciclado e dificultou ainda mais a vida dos catadores
Crise provocou queda nos preços do material reciclado e dificultou ainda mais a vida dos catadores

Depois de 16 anos trabalhando debaixo de chuva e sol, Ana Carla Listaldo, de 40 anos, passou a se dedicar, em 2012, a coordenar uma cooperativa de catadores do Rio, no bairro de Maria de Graça, na Zona Norte da cidade. O galpão recebe hoje cerca de 200 toneladas de materiais recicláveis por mês, entre papéis, plásticos, garrafas de vidro, metal e alumínio. Descartada separadamente do lixo orgânico por domicílios cariocas, a matéria-prima chega à cooperativa em caminhões da Comlurb, a empresa pública da limpeza urbana da cidade. Ana Carla trabalha hoje com 27 catadores do setor de triagem da Cooperativa Popular Amigos do Meio Ambiente Ltda., a Coopama. O contingente é menos da metade do que havia há três anos, quando o fechamento do lixão de Jardim Gramacho, o maior da América Latina, motivou uma corrida por emprego dos antigos catadores.

– A crise veio com força, mas vamos conseguindo nos manter, com cada cooperativado tirando cerca de R$ 800 por mês. Em 2012, tínhamos três turnos e 70 trabalhadores. Hoje são 27, em apenas um turno. Não dá para manter aquela quantidade de trabalhadores, ou o negócio não se sustenta – diz Ana Carla.

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O esvaziamento das cooperativas, atingidas pela queda do preço do material reciclável no mercado, é uma constante no Rio e em São Paulo. Além da queda do número de cooperativados, trabalhadores relatam um desperdício de cerca de 20% do material em cada centro de triagem. Na carioca Coopama, por exemplo, 40 toneladas/mês são rejeitos, ou consideradas inservíveis. Abastecidas por sistemas de coleta seletiva que patinam em números pífios há anos, as políticas de reciclagem oficiais das maiores cidades do país não decolam.

Acordo divide opiniões

Há duas semanas, o anúncio do acordo setorial para a reciclagem das embalagens, firmado em Brasília, levantou a poeira que estava debaixo do tapete: é possível avançar com os modelos atualmente vigentes, baseados nas cooperativas? Ou os sistemas de recuperação das embalagens devem ser financiados pela indústria, como ocorre em países europeus? A questão colocou em campos opostos o Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre) e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

O Cempre capitaneou a formatação do acordo polêmico, agora referendado pelo governo federal. É uma entidade formada por pesos-pesados da indústria nacional, como Coca-Cola, Nestlé e Ambev, além de mais de mil empresas. Defende o fortalecimento de cooperativas e a regulamentação dessas entidades para alavancar a logística reversa – o retorno das embalagens no pós-consumo ao início da cadeia produtiva, como matéria-prima. Em resumo, o Cempre acredita que o aperfeiçoamento de um modelo já vigente no país, com a indústria ajudando na implantação de pontos de entrega voluntária de recicláveis e comprando o material das cooperativas, é o melhor caminho.

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Queremos um modelo que gere inclusão social e econômica. O país tem altos percentuais de reciclagem. É um mercado totalmente informal e invisível. Podemos triplicar as cooperativas e aumentar em 20% a coleta seletiva no país em dois anos

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Já a Abrelpe representa mais de 40 empresas que atuam no setor de limpeza urbana. Na avaliação da entidade, a proposta do Cempre não vai alavancar os números da coleta seletiva por não mexer numa questão central: o financiamento do sistema, que continuaria a cargo das cada vez mais combalidas prefeituras. O setor que representa as indústrias de vidro também se opôs ao Cempre e defendeu um modelo semelhante ao aplicado em países europeus. Foi voto vencido.

Os números, no entanto, têm sido favoráveis a quem defende o modelo europeu. Um exemplo é o a Sociedade Ponto Verde de Portugal, fundada em 1996. A entidade é formada por indústrias – muita delas multinacionais –, que custeiam a coleta seletiva. A taxa de resíduos paga pelos lisboetas serve para cumprir com custos da coleta indiferenciada, de matéria orgânica e lixo não reciclável. Cada empresa responde pela embalagem que colocou no mercado. A lógica é simples: cerca de 1,5% do preço de uma garrafa d’água é destinado a garantir a sua reciclagem. Em Lisboa, os índices oficiais de coleta seletiva da prefeitura atingem 11% do total gerado diariamente pelos domicílios. No Rio, esse percentual não passa de 1,6%, e em São Paulo fica no 1,4%.

– O acordo firmado no Brasil passou anos em discussão, recebeu contribuições de diversos players e teve por base estudos e análises bem elaborados. Mas apesar disso o resultado final é insatisfatório. Há completa ausência de interlocução e relacionamento com os municípios (titulares dos serviços de limpeza urbana) e uma meta pífia foi estabelecida, que representa alcançar menos de 2% de reciclagem – critica Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe.

Instituições e empresas ligadas ao Cempre sequer quiseram levar em conta a possibilidade de adoção de um sistema europeu. No fundo, temem ter que pagar sozinhas uma conta muito salgada – fazer coleta seletiva custa até quatro vezes mais do que não fazer. Presidente do Cempre, Victor Bicca explica que as realidades são diferentes, e por isso não faz sentido pensar em modelos semelhantes.

– Por que não criar um modelo europeu aqui? Porque não dá certo. Queremos um modelo que gere inclusão social e econômica. O país tem altos percentuais de reciclagem. É um mercado totalmente informal e invisível. Podemos triplicar as cooperativas e aumentar em 20% a coleta seletiva no país em dois anos. Portugal é um país pequeno. Uma sociedade Ponto Verde aqui viraria uma Lixobrás – rebate Bicca. – As empresas estão sim engajadas em fazerem as coisas acontecerem. Nos comprometemos a comprar todo o material que for triado pelas cooperativas, com o melhor preço de mercado. Se em dois anos a gente chegar à conclusão de que o nosso modelo não deu certo, a gente revê. Mas tenho a convicção de que estamos no caminho certo.

 

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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