A enorme dor de uma perda

A galinha Anitta, que morava no metrô do Flamengo com o galo Chico e seus pintinhos

Em plena crise política, alguns pensamentos vagos sobre filhos, democracia e assassinatos de jovens

Por Simone Marinho | ArtigoODS 11 • Publicada em 30 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 30 de março de 2016 - 15:31

A galinha Anitta, que morava no metrô do Flamengo com o galo Chico e seus pintinhos
A galinha Anitta, que morava no metrô do Flamengo com o galo Chico e seus pintinhos
A galinha Anitta, que morava no metrô do Flamengo com o galo Chico e seus pintinhos: pauta da fotógrafa em dia triste

A morte de um filho é a experiência mais trágica com que uma mãe pode se deparar. Quando minha licença-maternidade acabou, depois do nascimento da minha segunda filha, tinha a ajuda de uma pessoa doce, forte, batalhadora, mãe de três filhos, que trabalhava na minha casa como doméstica para que eu pudesse retomar minha carreira profissional.

Nessa época, em um dia como outro qualquer, ela arrumou minha casa, fez o almoço da família, deu banho nos meus filhos, conversou, se despediu, demorou 2 horas no transporte público para chegar em casa e lá começou uma nova jornada. No dia seguinte, às 5 da manhã, me ligou contando que o filho adolescente tinha sumido e que estava com medo do que pudesse ter acontecido. Eu disse que ela não precisava trabalhar e que me mantivesse informada, fiquei preocupada também.

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Senti também raiva da desigualdade que mata crianças, mulheres, homens, mais pobres que ricos, mas mata a todos, e um pedaço de mim morreu junto.

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Fui para a redação do jornal, sou fotógrafa, tinha sido pautada para uma matéria especial sobre uma galinha e seus pintinhos que chamavam a atenção dos usuários do metrô na entrada da estação do Flamengo. No jornal, peguei meu equipamento fotográfico e tomei um táxi que me conduziu a essa incrível experiência de contato com animais. Antes de descer no meu destino, liguei para saber notícias, ela me disse aos prantos que tinham assassinado o menino. Ali, senti, através dela, a dor de quem perde um filho, a incapacidade de voltar atrás e impedir, uma impotência diante da realidade. Senti também raiva da desigualdade que mata crianças, mulheres, homens, mais pobres que ricos, mas mata a todos, e um pedaço de mim morreu junto. Ela, então, morreu por inteiro. Assim como nasce uma mãe com o nascimento de um filho, uma mãe renasce morta quando seu filho morre antes dela.
Fiz as fotos da galinha, minha cabeça nem estava ali, nem pude ter o prazer de me conectar e interagir com a fotografada, como de costume, estava flutuando na dor e na impotência diante da morte de um filho que não era meu.
Nos dias que se sucederam, continuei trabalhando e cuidando das crianças. Ela enterrou seu filho.
Tempos depois, voltou à minha casa. Nos abraçamos, choramos. Ela inerte, quase sem falar, tentou trabalhar. Eu pedi que fosse pra casa, tivesse o tempo necessário para se restabelecer, ela nunca mais voltou.
Esse episódio aconteceu há mais de 2 anos, mas nesse momento caótico em que vive o país, de uma forma enviesada, voltou a me assombrar.
Não concordo com certas atitudes de Dilma, de Lula e do PT. Mas também não concordo com Eduardo Cunha, com Renan Calheiros, com Michel Temer e com parte da oposição representada por Aécio Neves. Todos comprometidos até o último fio de cabelo. Sou a favor da igualdade, da liberdade e da justiça, de verdade.
Mas boa parte daqueles que nos representam parecem interessados em outras questões. Enquanto isso, os filhos morrem, as mães sofrem, os pais perdem suas famílias e o país entristece. O que uma coisa tem a ver com a outra? Não sei. Mas a sensação que experimentei aquele dia no táxi está de volta. Talvez seja o medo da morte da democracia.

Simone Marinho

Mestranda em Comunicação Social da PUC-Rio, formada em Jornalismo pela UFRJ, com pós-graduação em Fotografia Documental Como Instrumento de Pesquisa Social. É fotógrafa independente, trabalhou no jornal O Globo por 14 anos, recebeu o prêmio Mulher Imprensa 2008, na categoria fotografia, foi uma das finalistas, na categoria gênero, do Prêmio Abdias Nascimento de 2012 e é coautora do livro "Nos Limites da Amazônia Azul".

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2 comentários “A enorme dor de uma perda

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