Os exemplares estão diante dos nossos olhos, praticamente em todos os lugares. De tão integrados à paisagem, já nem nos damos conta de como são agressivos. Podem ser os bancos públicos inclinados, ondulados, estreitos ou com divisórias. Tem ainda os espetos metálicos ou as grades pontiagudas presas às soleiras das portas e vitrines. Há também a pavimentação irregular, as imensas pedras pontiagudas sob viadutos e por aí vai… Quem nunca viu algo do gênero?
[g1_quote author_name=”Pedro da Luz Moreira” author_description=”Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Uma arquitetura que isola também é hostil e potencializa a violência. Em tese, uma cidade deve acolher pessoas diferentes. Devemos nos acostumar com a presença do outro, com generosidade. Essa é a função de uma cidade, bem diferente de um clã fechado. Mas quando ela passa a não ser amistosa, perde o sentido.
[/g1_quote]Pois esses elementos presentes nos centros urbanos passaram a ser identificados como “arquitetura hostil” e vêm sendo alvo de polêmica, diante das críticas disparadas por arquitetos e urbanistas, que consideram os espaços públicos como áreas amistosas e de integração. Mas há também quem defenda o uso do “design” para afastar o comportamento “antissocial” e, consequentemente, a violência, no caso do Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo.
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Veja o que já enviamosEsses truques urbanos, é fato, têm a função de manter à distância os grupos “indesejáveis”. No Brasil, os mais visados são, obviamente, os moradores de rua, mas também podem ser skatistas, grupos de adolescentes, praticantes de parkour, casais de namorados ou simplesmente alguém cansado em busca de um espaço para se sentar…
Ao criar um mobiliário urbano desconfortável, é possível manter a área livre desses “inconvenientes”. Não por acaso, os bancos dos pontos de ônibus cariocas são bem inclinados, estreitos e sem encosto: incômodos para quem gostaria de ficar sentado por mais tempo. Tem ainda os bancos longos em áreas públicas, mas separados por braços. Deitar ali, nem pensar. E de quebra, os skatistas são mantidos longe. Ainda no Rio, quem nunca reparou nos montes de pedras que “enfeitam” as áreas sob viadutos? À primeira vista, parece ter havido um deslizamento de encosta por ali. Tudo para impedir que o lugar vire um dormitório.
Em Londres, onde a “arquitetura hostil” também está presente, volta e meia há protestos por parte de grupos a favor de espaços públicos acolhedores. Houve gente que levou colchões para usar sobre espetos metálicos instalados em frente a vitrines de lojas. Os manifestantes passaram o dia por lá, sentados lendo livros. Alguns mais insatisfeitos chegaram a derramar cimento entre os tais espetos pontiagudos colocados por uma rede de supermercados em suas fachadas. Depois da indignação do público a empresa removeu os pitocos da discórdia. Em 2014, uma petição online, com cem mil assinaturas, contra exemplares de um modelo de banco com divisórias de concreto nos assentos instalados em áreas públicas, botou mais lenha na fogueira na capital inglesa.
O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Pedro da Luz Moreira, acompanha com interesse o tema, que começou a chamar a atenção e a receber críticas a partir da década de 80, com as primeiras intervenções do gênero na cidade. Esses elementos urbanos foram ocupando espaço, diz Moreira, no mesmo ritmo da degradação da violência urbana. O arquiteto cita como exemplo hostilidade os condomínios cercados por muros, muito comuns na Zona Oeste. A comunidade que vive ali dentro se protege ao impedir o acesso de estranhos. Mas, ao mesmo tempo, cria longos espaços vazios do lado de fora dos muros. Locais que acabam se tornando perigosos porque ficam ermos.
– Trata-se de uma solução agressiva frente à uma situação de precariedade. Uma arquitetura que isola também é hostil e potencializa a violência. Em tese, uma cidade deve acolher pessoas diferentes. Devemos nos acostumar com a presença do outro, com generosidade. Essa é a função de uma cidade, bem diferente de um clã fechado. Mas quando ela passa a não ser amistosa, perde o sentido. Grupos passam a não ser bem-vindos. E, em vez de políticas públicas para resolver problemas, surgem esses métodos pouco amistosos de convivência. A solução não é fácil, mas é preciso haver discussão. A ideia de uma sociedade é de solidariedade mútua – diz o presidente do IAB-RJ, acrescentando à lista da “arquitetura hostil” as grades que fecham as praças públicas.
O arquiteto lembra que os antigos condomínios integravam seus moradores à cidade com total generosidade. Ele cita a Galeria Menescal, em Copacabana, como um exemplo dessa arquitetura amistosa, pois integrou o prédio ao bairro ao criar uma área de circulação pública:
– É um exemplo da generosidade que deve haver numa cidade.
De acordo com Moreira, o IAB sempre foi entusiasta de que as obras devem ser debatidas para que, caso surjam conflitos, eles sejam contemporizados e haja como buscar soluções e ideias.
A polêmica também foi tema do site Arquipélago, criado por Maicon Garcia, um estudante de arquitetura interessado em manter um espaço que reunisse pessoas dispostas a discutir a arquitetura e o urbanismo por abordagens diferentes.
– Além dos artigos, temos também um programa, onde juntamos pessoas para conversar mais profundamente sobre temas relacionados e ir um pouco mais além das discussões que o curso universitário permite. O tema “arquitetura hostil” foi um dos primeiros – conta Maicon.
O autor do artigo, o também estudante de arquitetura Lucas Clementino, escolheu como título “A cidade contra as pessoas. “Esse método que limita e influencia os comportamentos sociais determina o afastamento e o desgaste da fluidez da qualidade de vida. A dúvida que surge por trás disso: a quem pertence a cidade?”, perguntou ele, que, para falar sobre arquitetura hostil, reuniu informações sobre a ocupação do Rio desde a gestão Pereira Passos.
“Atualmente, na capital turística do país, as principais medidas tomadas pela prefeitura são a de colocação de pedras pontiagudas sob viadutos e armações de ferro em bancos de praças, empecilho para quem pretende se deitar e para que casais de namorados possam se sentar, além de diminuir calçadas, aumentar os espaços dos automóveis e diminuir os caminhos a pé”, critica ele num determinado trecho.
Lucas conta que passou a pesquisar sobre a arquitetura hostil após uma intervenção da prefeitura em Vila Kosmos, no bairro onde mora no Rio.
– Essa questão começou a chamar a minha atenção quando alguns equipamentos de design urbano começaram a ser instalados próximo de casa, como pedras pontiagudas sob um viaduto. A partir daí me questionei sobre a relação entre o caráter estético e o caráter público dos equipamentos. É algo que incomoda e muito. Para nós que não moramos perto da Zona Sul carioca é fácil observar que, longe desses espaços, o design inclusivo sequer é pensado – garante o futuro arquiteto.
Na semana passada, à espera de um coletivo para a Barra da Tijuca, a doméstica Maria de Fátima de Souza conseguiu um lugar no banco de metal que faz parte da estrutura de um ponto de ônibus instalado na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. Com uma bolsa pesada a tiracolo, ela não conseguia ficar sentada de forma confortável, pois não havia encosto nem o assento era largo o suficiente para acomodar melhor as pernas. Ela até pensou em aguardar o ônibus sentada num canto vago da fachada de uma agência bancária logo atrás do ponto. Mas o tal espaço, revestido com granito, estava protegido por pontiagudas grades de ferro.
– É tudo feito para que as pessoas não ocupem os espaços em frente às lojas e aos prédios. Eu usaria apenas por uns minutos, mas acho que eles têm receio de que virem abrigos de mendigos, – conclui Maria de Fátima, conformada.
Adorei a sua reportagem. Você colocou muito bem!
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