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Marcha das Margaridas: mulheres reunidas por soberania alimentar e bem viver

Mais de 120 mil trabalhadoras do campo e da cidade levaram suas demandas: no Brasil. quem planta e nos alimenta tem cada vez menos o que comer

ODS 10ODS 2 • Publicada em 4 de setembro de 2023 - 10:06 • Atualizada em 4 de setembro de 2023 - 10:11

(Gabriela Angelo*) – Nos dias 15 e 16 de agosto, trabalhadoras do campo, das florestas, das águas e das cidades do Brasil inteiro ocuparam as ruas de Brasília durante a 7ª Marcha das Margaridas. Nesta edição, a maior mobilização feminina da América Latina reuniu cerca de 120 mil mulheres engajadas “pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”. Na pauta, estavam demandas por políticas públicas para defesa dos seus territórios e por um país livre das injustiças, da fome, das desigualdades sociais e das violências de raça e de gênero. Eu estive lá nos dois dias de ação, vivenciando o “esperançar” junto a essas mulheres, entre as quais estavam inúmeras parceiras de longa data da ActionAid.

Leu essa? Mulheres caminham 8 horas por dia em busca de água

Realizada a cada quatro anos desde 2000, a marcha é inspirada em Margarida Maria Alves, uma trabalhadora rural e líder sindical paraibana assassinada em agosto de 1983 por conta de seus esforços por direito à terra, reforma agrária, educação, igualdade e vida digna para trabalhadoras e trabalhadores rurais. Em homenagem à luta de Margarida, o processo de construção da iniciativa é baseado em ampla participação política com ações de incidência, formação, diálogos, articulação e mobilização de base em várias cidades brasileiras. Um trabalho popular e pedagógico que conecta campo e cidade, feito especialmente por quem produz comida de verdade e sem veneno. 

Marcha das Margaridas: 120 mil mulheres reunidas em Brasília pela soberania alimentar (Foto: Gabriela Angelo / Action Aid)
Marcha das Margaridas: 120 mil mulheres reunidas em Brasília pela soberania alimentar (Foto: Gabriela Angelo / Action Aid)

O legado da líder sindical Margarida, além de representar símbolo de força, segue imprescindível. A cada dia que passa, fica mais evidente a importância da reforma agrária e do acesso à terra para mulheres do campo e da cidade para a superação da pobreza, da desigualdade e da violência. No Brasil, quem planta e nos alimenta tem cada vez menos o que comer. Segundo a Rede Penssan, a fome atinge 21,8% dos lares de agricultores(as) familiares e pequenos produtores(as) rurais. Se olharmos para as formas mais severas de insegurança alimentar (moderada e grave), o total chega a 38% dos domicílios – cenário ainda mais preocupante nas regiões Norte (54,6%) e Nordeste (43,6%), onde vivem a maioria das margaridas. 

Se mudarmos o foco da situação de fome para a de violência, os dados também são assustadores. De acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), só em 2022 foram registrados 2.018 casos de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas. Reportagem da Agência Brasil destaca que essas ocorrências abrangem não apenas as disputas específicas pela terra, mas também a disputa por água, trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, contaminação por agrotóxico, assassinatos, e outros casos.

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Por esses e outros motivos, éramos tantas margaridas na capital federal: lideranças das cidades e do campo, camponesas, quilombolas, marisqueiras, pescadoras, sindicalistas, ambientalistas, defensoras dos direitos humanos. Todas vestindo suas camisetas lilás, os chapéus de palha enfeitados com flores que viraram símbolo da mobilização, e o orgulho de serem conterrâneas da líder sindical Margarida. A capital federal, tão maltratada por atos lamentáveis e antidemocráticos nos últimos anos, voltou a sediar um momento histórico onde mulheres do campo e das cidades se reuniram pelo bem viver. 

Mulheres reunidas em plenária com homenagens a lideranças: defesa da reforma agrária e do acesso à terra (Foto: Gabriela Angelo)

Mas, afinal, quem são e o que querem as margaridas?

Na marcha anterior, em 2011, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) revelou que a maioria das margaridas vêm do Nordeste e do Norte do país. Mais de 68% vivem na zona rural e não querem se mudar para a cidade. Ainda de acordo com o levantamento, 67% vivem da agricultura familiar. Na mesma pesquisa, o Ipea apontou que 27% das mulheres que marchavam já tinham sido vítimas de violência física e 58% já tinham sofrido algum tipo de violência moral ou psicológica. 

E se engana quem pensa que a Marcha das Margaridas se resume ao ato em si. Nos anos entre uma iniciativa e outra, há um processo contínuo de monitoramento das demandas anteriores e articulação com os territórios, onde as pautas que guiam a Marcha são construídas. A agenda legislativa das margaridas é apresentada também a cada quatro anos, e as demandas apresentadas são monitoradas pela organização para que seja garantido um compromisso pelo governo.

Este ano, a Marcha das Margarida trouxe 13 eixos políticos, que vão desde “democracia participativa e soberania popular”e “poder e participação política das mulheres” a “vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional”, entre outros. (Os 13 eixos podem ser lidos no site da Marcha). A pauta de reinvindicações, detalhadas entre os eixos políticos, foram entregues ao presidente Lula, que assinou alguns decretos, tais como: Instituição do Programa Quintais Produtivos para Mulheres Rurais; Decreto sobre seleção de famílias e retomada da reforma agrária; Instituição da Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo; Instituição do Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver para as Mulheres Rurais; Instituição do Pacto Nacional de prevenção aos feminicídios; Retomada do programa Bolsa Verde, de apoio à conservação ambiental.

Além disso, a Câmara dos Deputados se comprometeu a criar um grupo de trabalho (GT) para acompanhar demandas legislativas apresentadas este ano. E, na quarta-feira, 23 de agosto, foi sancionada a alteração na Lei nº 11.947, indicando a inclusão de grupos formais e informais de mulheres da agricultura familiar na prioridade da aquisição de alimentos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

Esses exemplos são apenas um resumo do que foi proposto e conquistado. Vejo esses resultados – que também podem ser acompanhados no site  – e lembro de junho deste ano, quando conversei com Maze Morais, coordenadora da Marcha, durante a plenária da Articulação Nacional de Agroecologia realizada no Rio de Janeiro. Ali eu já havia percebido o quanto esse momento seria emblemático e emocionante. Ver e acreditar que as mulheres, juntas, conseguirão avanços e seguirão atentas para evitar quaisquer novos retrocessos, me move adiante. Brasília ficou fervendo com a potência de tantas mulheres de luta reunidas. Seguimos avante e em marcha, pois o bem viver das mulheres é o de toda a sociedade.

* Gabriela Angelo é doutora em Geografia e especialista em Direitos das Mulheres na ActionAid

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