Podia ser um rapper branco, mas não: quis o destino que Oruam, em ascensão como estrela do rap no Brasil 2025 fosse preto, e não só. Que este mesmo personagem fosse filho de Marcinho VP, líder do Comando Vermelho, uma das maiores facções criminosas do país.
A perseguição implacável contra o rapper, preso na tarde desta quinta-feira (20/02), após ser parado numa blitz da da Polícia Militar, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, é um sintoma gritante de como o racismo e o preconceito de classe operam no país, criminalizando a expressão cultural de jovens negros e favelados. O simples fato de ser ‘’filho do traficante’’, quase obrigatoriamente, o torna um alvo constante, um ser de alta periculosidade. Mas há que se perguntar: fosse filho de um ex-político condenado há anos de detenção, ao ser parado numa blitz, teria o mesmo fim e/ou tratamento?
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O episódio de ontem (Oruam foi solto após pagamento de fiança) remonta à dificuldade que a sociedade brasileira tem em separar a identidade do artista de sua origem familiar, um problema que invariavelmente afeta pessoas pretas e de origem humilde, perpetuando um ciclo de marginalização e opressão. Enquanto os filhos de criminosos brancos gozam de privilégios e oportunidades, Oruam é criminalizado por sua origem e cor da pele.

Há semanas, o Brasil viu-se discutir a criação de “leis anti-Oruam”, que visam, sobretudo, impedir o poder público de contratar artistas que supostamente fazem apologia ao crime ou ao uso de drogas, são uma demonstração flagrante de censura e controle ideológico. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e João Pessoa, as propostas têm como alvo específico artistas como o carioca de 23 anos, nascido na Cidade de Deus, cujas composições tratam da realidade das favelas e sua intrínseca relação com o crime. E que aos olhos dos homens ‘’da lei’’, servem como “apologia ao crime”, quando na real, fazem o contrário: são vozes que desafiam o status quo e denunciam as mazelas sociais. E que, afinal de contas, contam aquilo que atravessam suas vidas entre os becos.
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Veja o que já enviamosA história do samba, historicamente criminalizado, é mais um triste lembrete de como a cultura negra sempre foi reprimida no Brasil. Não faz muito tempo, ainda no início do século XX, o samba era visto como uma manifestação cultural marginal e associada à criminalidade. A polícia frequentemente reprimia rodas de samba e prendia sambistas, sob a acusação de vadiagem ou perturbação da ordem pública. Essa repressão era motivada pelo preconceito racial e pela tentativa de silenciar…a cultura negra.
A perseguição enfrentada por Oruam ecoa a criminalização do samba no passado, demonstrando como o racismo e a discriminação social continuam a moldar a repressão de manifestações culturais e a marginalização de artistas negros. Não há outro nome que categorize o que se chama de “leis anti-Oruam” como ‘’censura” e ‘’controle’’.
Para ontem e hoje, além do amanhã, é preciso questionar e reconhecer que a perseguição a Oruam não é um caso isolado, mas sim um sintoma de um problema muito maior: o racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira e impede a igualdade de oportunidades para todos.
E antes que esqueça: nesta sexta (21/02, ele lança um novo álbum. ‘’Liberdade’’. Se você tem dúvidas, vá escutar.