(Ana Carolina Morett*) – O aumento estarrecedor da fome nos últimos dois anos trouxe de volta um debate que, infelizmente, não era nada desconhecido pela sociedade brasileira. Apesar de muitos até hoje fecharem os olhos para ela, a dolorosa imagem de pessoas famélicas está forte no imaginário da população desde o início do século passado, quando era mais diretamente vinculada a razões de tragédias humanitárias e ambientais, especialmente em regiões de seca extrema no Nordeste do país. Mas esse retrato foi ganhando novos traços a partir de olhares literários acadêmicos e mesmo de ações de grandes nomes, como Josué de Castro, Graciliano Ramos, Carolina Maria de Jesus, Herbert de Souza (o Betinho) e tantos outros que mostraram e seguem provando que fome e desnutrição não são fatalidades da natureza, mas frutos de decisões econômicas e sociais racistas, machistas e patriarcais, que atingem os corpos empobrecidos e vulnerabilizados da sociedade brasileira.
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Pessoas como eu, nascidas antes da década 1990, certamente tiveram a memória marcada por especiais jornalísticos sobre fome e seca, mas também pela ampla mobilização da sociedade civil em campanhas como a “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”. As mais jovens, no entanto, talvez não se lembrem muito dessas pioneiras campanhas nacionais, mas algumas já tiveram a sorte de testemunhar a saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU em 2014 com o avanço de políticas públicas que nos deram não só resultados, mas também a percepção de um país em que menos gente dormia com estômago vazio. O aumento da fome havia deixado de ser notícia de “alto de página” de jornal, como costumamos falar no jargão da imprensa. Nos últimos cinco anos, por motivos mais que detalhados aqui nesse veículo e em nossa coluna, a insegurança alimentar em seus diferentes graus voltou a aumentar e sofreu enorme escalada na pandemia da covid-19, trazendo de novo as suas diversas faces para os holofotes.
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Veja o que já enviamosEu me pergunto: “Estamos mesmo preparados, enquanto sociedade, para compreender o que isso realmente significa?”. Acredito que não. Então, mesmo já trabalhando há alguns anos com o tema, fui atrás de companheiros da ActionAid especialistas no assunto, o economista Francisco Menezes e o cientista social Junior Aleixo, pedindo sugestões de leituras científicas e literárias que pudessem me dar um panorama mais aprofundado não só sobre fome, mas sobre o universo da segurança alimentar e suas conexões com a justiça social. Em meio ao ambiente de enfrentamento ao negacionismo, ao conservadorismo de um modelo de país excludente e à desinformação, achei importante compartilhar com leitores e leitoras do #Colabora as indicações que reuni. Ressalto que esse é somente um recorte de uma vastíssima produção já existente advinda da academia, de centros de pesquisa e de autores individuais. Assim, novas sugestões são sempre bem-vindas.
Ainda dá tempo de atualizar a lista de leituras para 2023:
1. Geografia da Fome – O dilema brasileiro: pão ou aço, de Josué de Castro (Editora Civilização Brasileira)
2. Vidas Secas, de Graciliano Ramos (Editora Record)
3. Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus (Editora Ática)
4. Segurança Alimentar e Nutricional, de Renato Sérgio Maluf (Ed. Vozes)
5. Segurança Alimentar: um Desafio para Acabar Com a Fome no Brasil, de Marlene da Rocha (Ed. Fundação Perseu Abramo)
6. Pobreza e fomes: um ensaio sobre direitos e privações, de Amartya Sen. (Ed. Terramar, Lisboa)
7. Fome Zero – A experiência brasileira, de José Graziano da Silva (MDA)
8. Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro, por Tereza Campello e Ana Paula Bortoletto (Editora Elefante)
9. Mulheres de terra e água, por Lucila Losito (Editora Elefante)
10. Pandemia e agronegócio, de Rob Wallace (Editora: Elefante)
11. Revista Proposta 130, disponível online.
12. É sempre bom lembrar que os dados da atualizados pela Rede Penssan sobre segurança alimentar no país, com relatórios robustos e contextualizados, estão disponíveis em olheparaafome.com.br.
*Ana Carolina Morett é jornalista, especialista em Conteúdo e Relacionamento com Imprensa na ActionAid