As abelhas estão em risco de extinção. No assustador episódio “Odiados pela nação” da série Black Mirror, do Netflix, a solução do governo britânico não é investir em colmeias naturais ou coisa parecida, mas usar a tecnologia, com óbvios interesses adicionais de vigilância e espionagem. Daí surgem as abelhas drones, muito similares aos modelos originais. Na vida real, no entanto, especialistas em abelhas se reuniram entre os dias 3 e 17 de dezembro em Cancun, no México, na Conferência das Partes (COP13) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, para encontrar uma solução rápida e mais “natural” para a crise mundial desse inseto que, além de produzir mel, é o principal responsável por grande parte da alimentação mundial.
[g1_quote author_name=”Adriana Cunha” author_description=”Doutora em abelhas pela USP” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É importante agora identificar os refúgios climáticos que serão alvo de estratégias de conservação e restauração no plantio de espécies que florescem em diferentes épocas do ano. A partir disso será preciso criar ninhos artificiais de diferentes tipos para auxiliar na reprodução das abelhas.
[/g1_quote]Na Europa e na América do Norte as abelhas estão desaparecendo. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 71 das 100 espécies de cultivo que fornecem 90% dos alimentos do mundo dependem do poder de polinização desse inseto. As mudanças climáticas estão diminuindo o zum zum zum das espécies Apis mellifera e Bombus (mamangavas) pelas plantações.
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Veja o que já enviamos“É importante agora identificar os refúgios climáticos que serão alvo de estratégias de conservação e restauração no plantio de espécies que florescem em diferentes épocas do ano. A partir disso será preciso criar ninhos artificiais de diferentes tipos para auxiliar na reprodução das abelhas”, explica a bióloga Adriana Cunha, doutora em abelhas pela Universidade de São Paulo, responsável também por um programa de gestão ambiental em Curitiba, Paraná, em que promove a criação de abelhas sem ferrão em colmeias caseiras.
Para a bióloga, o episódio de Black Mirror, ao propor discutir tecnologia e relações sociais e ambientais, acertou em cheio na reflexão sobre a crise das abelhas. “É um futuro em que as abelhas já entraram em extinção e houve o colapso das colmeias. Com isso, abelhas robôs foram desenvolvidas para fazer o trabalho da polinização. São muito semelhantes a Apis, formam colmeias, se reproduzem, mas não fazem mel nem nada parecido. Nem atacam. São monitoradas por um sistema que apenas controla as colmeias, monitoram onde elas estão se espalhando”, explica.
Usando a questão das abelhas, o episódio na verdade tem como tema central as redes sociais e as relações humanas e mostra como a tecnologia, nas mãos de um psicopata, pode ser mortal. Um hacker transforma as abelhas robôs em abelhas assassinas, com cenas que lembram o clássico “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock.
O alerta sobre o risco de desaparecimento das abelhas foi lançado em 2006, quando os apicultores norte-americanos se deram conta que a população de abelhas estava diminuindo. Pesquisadores ingleses da Universidade de Plymouth e Stirling e franceses da Universidade de Poitiers também constataram que na Europa acontecia a “Síndrome do esvaziamento das colmeias”. O motivo inicial era que as abelhas estavam com dificuldade para encontrar alimento, o pólen, assim consumiam menos proteínas, enfraqueciam e o sistema imunitário não dava conta. Efeito Tostines. Ou seja, a espiral negativa. As abelhas morrem porque tem menos pólen, e existe menos pólen disponível porque as abelhas morrem.
Novas pesquisas, dessa vez realizadas pela Agência Europeia de Segurança Alimentar (Efsa), mostraram que agrotóxicos a base de neonicotinóide – Clothianidin, Imidacloprid, Tiamethoxam – tinham um efeito assassino sobre as abelhas. No início de 2016 o relatório Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) solicitou uma ação conjunta internacional para salvar as abelhas e resolver a chamada “crise dos polinizadores”, o que foi discutido esse mês em Cancun. Além dos agrotóxicos, os alimentos geneticamente modificados (OGM), como o milho transgênico, também fazem parte desse problema ambiental.
Além de pedir mais controle no uso de agrotóxicos e na plantação de OGM, na conferência foi decidido também que é preciso favorecer a gestão ecológica das plantações, incentivando a agricultura orgânica e biodinâmica, e investir na diversidade. As monoculturas são mais fracas e é um outro fator que determina o declínio dos polinizadores. Além disso, preservar a biodiversidade nos campos e nas florestas, investindo em pesquisa e projetos para a preservação das abelhas.
É o caminho apontado para evitar previsões catastróficas como na série Black Mirror, até porque as abelhas robô já existem. Pesquisadores da Wyss Institute, da Universidade de Havard, anunciaram, no início de 2016, que conseguiram criar um inseto drone em formato de abelha que voa a partir da eletricidade eletrostática. O Autonomous Flying Microrobot (Robobees) foi desenvolvido para polinizar, ajudar em resgates, espionar e monitorar o clima. Os Robobees são autônomos e têm até anteninhas como as abelhas, que funcionam como sensores inteligentes. O futuro está aí.